Por Gabriel Guimarães
Neste sábado, foi perceptível o fato de que muitos dos visitantes em potencial para o evento estavam envolvidos com a avaliação do Enem, que está sendo realizada neste fim de semana. A expectativa de um público nas proporções do da última edição do evento acabou sendo frustrada, mas ainda assim, houve muitas atividades estimulantes e o público, ainda que não na totalidade do que poderia chegar a ser, esteve em um número considerável na Estação Leopoldina, e, conforme o tempo foi passando e o Exame Nacional do Ensino Médio foi liberando seu contingente de participantes, a procura pelos estandes aumentou significativamente.
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Os palestrantes do 1º Colóquio de Filosofia e Histórias
em Quadrinhos abordaram muitos temas interessantes do meio |
Logo pela manhã, teve início o 1º Colóquio de Filosofia e Histórias em Quadrinhos, voltado para abrir um debate acadêmico e epistemológico do meio, com maior liberdade de comunicação com o público. Mediada pelo doutorando em filosofia Fábio Mourilhe, o colóquio contou com a apresentação de diversos trabalhos envolvendo as histórias em quadrinhos em muitos aspectos interessantes, desde a análise da relação entre fantasia, ficção e realidade contida nas histórias, onde foi citado exemplos como o Homem-Animal, de Grant Morrison, apresentada pelo próprio Fábio;, até o trabalho apresentado pelo doutorando Marcos Carvalho Lopes, que consistia nas influências ideológicas das histórias em quadrinhos na formação do público jovem leitor italiano no século XX, especificamente analisada através da obra "A Misteriosa Chama da Rainha Loana", de Umberto Eco, a qual é centrada num personagem que perde a sensibilidade de suas memórias, e precisa reconectar-se a estes sentimentos através da lembrança que obtêm observando o material que leu durante a juventude, entre o qual se destacam diversas obras de quadrinhos, como os que eram publicados nas revistas italianas "Corrieri dei Piccoli" e "L'Avventuroso", além de histórias como Flash Gordon, Mandrake, Fantasma e, imprecindivelmente, Mickey, também conhecido naquele país por Topolino.
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Peter Kuper explicou a trajetória dos quadrinhos
underground de forma primorosa |
Comparando também o conceito de ruptura construído por Bachelard para o campo da ciência, Fábio também propôs uma transição deste para um olhar histórico sobre a arte sequencial, que de tempos em tempos, em sua vasta existência, passou por períodos e trabalhos que revolucionaram o meio, e até hoje, ainda revolucionam. Uma das rupturas que foi destacada acabou ganhando bastante destaque em dois dos outros trabalhos apresentados, um sobre a questão da censura nos quadrinhos com o código de ética criado na época em que o psicólogo Frederik Wertham começou a atacar os quadrinhos, alegando estes serem instrumentos para estimular a delinquência juvenil; e outro, num depoimento pessoal e historicamente colocado pelo autor americano Peter Kuper, que descreveu o surgimento e expansão dos quadrinhos undergrounds a partir do selo de ética. Kuper destacou que, curiosamente, quando o selo de ética foi posto em prática, todas as revistas da EC comics, grande catalisadora do movimento pela censura, foram proibidas de serem distribuidas, pois continham no seu título algumas das palavras específicas que foram banidas pelo Senado norte-americano, à exceção de uma, justamente a que era mais subversiva de todas, a "MAD", que continuou a ser publicada e distribuida normalmente, ganhando até mais força pela escassez de títulos do gênero e o público já aficcionado por ele. Com isso, outros dos admiradores deste estilo acabaram por criar futuramente trabalhos ainda mais subversivos que o original, e assim foi se dando o crescimento do mercado underground de quadrinhos, ou, como ficaram conhecidos por alguns, Comix.
Na outra apresentação, realizada pelo professor universitário Luis Alencastro, o foco foi a discussão entre sonho e devaneio nos quadrinhos, mais especificamente, nas obras de Sandman, criadas pelo britânico Neil Gaiman. Traçando um panorama histórico que fora composto por obras como a "Genealogia da Moral", do alemão Friedrich Nietzsche, até outros materiais escritos por Bachelard, Bergson e Deleuze, Alencastro construiu um debate muito interessante acerca da problemática dos quadrinhos enquanto mitos modernos e da necessidade de se libertar da opressão do passado, ao qual as pessoas buscam ser fiéis, ainda que esta fidelidade possa ser a um sonho qualquer que tenham tido numa noite aleatória, para que se possa ir adiante no caminho da vida para maiores conquistas pessoais. Para quem conseguiu estar presente, foram apresentações bastante abrangentes e reflexivas, e os autores puderam encontrar um público igualmente capaz de discutir o conteúdo ali apresentado.
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A exposição "DC 75 Anos" dispõe
de muitos cartazes e imagens em
tamanho ampliado que chamam a
atenção de todos |
No restante do evento, o destaque ficou por conta das belíssimas exposições em homenagem ao grupo de mangá
CLAMP e aos 75 anos completados pela editora DC. Dispostas em duas das plataformas da antiga estação de trêns, ambas contaram com material de qualidade inquestionável, ainda que a exposição da
CLAMP pudesse ter sido melhor organizada. Passa desapercebido pela maioria que os pedaços de papéis rasgados nas pilastras da plataforma são na verdade compostos de textos em japonês, numa tentativa de aludir ao papel das estações de transporte público para a disseminação dos quadrinhos no Japão. Pela DC, a exposição constitui numa apresentação resumida do livro
"DC 75 Years - The Art of Modern Mythmaking", disponível para compra no estande da Livraria da Travessa, e que conta com mais de 700 páginas sobre a história da editora (essa obra, inclusive, já foi comentada
aqui no blog antes).
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A japonesa Junko Mizuno
autografou para muitos leitores |
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O argentino Liniers foi muito
procurado pelos admiradores
de seu trabalho nas edições
do "Macanudo" |
Entre os autores presentes no dia, que atraíram muito a atenção dos visitantes presentes, estiveram novamente o roteirista Chris Claremont, cujo assédio dos seus admiradores por ele cresceu exponencialmente ao longo do dia, além dos argentinos Liniers, criador da célebre série "Macanudo", e Salvador Sans, autor da obra "Noturno", e da japonesa Junko Mizuno, autora da série "Cinderalla". Entre os autores nacionais, o destaque ficou por conta da presença da talentosa desenhista Erica Awano, que trabalhou na excelente série brasileira "Holy Avenger" e que hoje é membro dos estúdios da MSP, do quadrinista Danilo Beyruth, que esteve autografando seus livros publicados na área onde ano passado fora conhecida como plataforma dos desenhistas, e os autores das histórias em quadrinhos da "Beleléu", que estiveram disponibilizando seu material para os interessados em comprá-lo.
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Autógrafo do americano Chris
Claremont em estatueta da Fênix Negra |
Entre os estandes, o destaque fica na bancada destinada às figuras de ação que atraíram a atenção de todos os visitantes ao longo de toda a realização da Rio Comicon deste ano. Aproveitando a oportunidade de mostrar seu acervo, os dois responsáveis pelo estande, Márcio e Fábio, conseguiram alcançar até mesmo um público que eles não esperavam,: o dos autores. O americano Chris Claremont gostou tanto do material exposto lá, que levou uma das estatuetas que estavam expostas e ainda autografou uma edição luxuosa da Fênix Negra, fruto de sua fase nos X-men, para o dono do espaço, que ficou extremamente satisfeito.
Durante a tarde do evento, também, aconteceu uma pequena festividade com muitos atores e atrizes fantasiados de cosplay de muitos personagens do mundo dos quadrinhos, games e animações. Os mais jovens que puderam conferir esse momento também gostaram bastante pela diversidade de personagens apresentados.
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Evento de cosplay que aconteceu com
alguns atores e atrizes na Estação Leopoldina |
Ainda falta um dia, mas, certamente, há muitas histórias por contar. Aguardem, pois, afinal de contas,:
É RIO COMICON, BABY!!!