Por Gabriel Guimarães
Vivemos hoje num mundo em contínuo movimento. Ao longo do Século XX, os meios de comunicação avançaram de forma bastante acelerada, o que provocou mudanças fundamentais na forma como nos relacionamos entre si e como um todo. Nas últimas décadas, esse processo acelerou de uma forma que jamais poderia ser prevista, atingindo patamares que poucos acreditavam ser possível. Com toda essa mudança na forma de se comunicar, não é surpresa alguma que os meios de comunicação tradicionais passariam por adaptações, visando sua permanência em vigor, e mantendo todo seu legado e influência entre seus consumidores.
Para que hajam esses avanços, há um elemento que exige absoluta atenção e que jamais pode ser deixado de lado: educação. Sem aprendermos sobre os acertos e os erros do passado, a tendência é para que os repitamos, e jamais cheguemos a uma condição mais evoluída. Nessa questão, entretanto, reside um dos maiores problemas da atualidade, quando percebemos a escassez de investimentos devidos nas condições de ensino que são dadas aos professores, que são os verdadeiros arquitetos do amanhã.
Os professores, quando postos em frente a esses obstáculos, muitas vezes não têm como fugir deles, e acabam não apenas eles próprios sendo prejudicados, mas toda a sociedade, pois os alunos, que deveriam adquirir conhecimento através desses profissionais, não conseguem, e, portanto, se tornam apenas parte de uma estatística sem muito valor. Tamanho descaso gera um efeito tenebroso para todos nós: a perda de interesse por parte dos responsáveis pela educação.
Enquanto alguns desses educadores permanecem inabaláveis na luta por uma rede de ensino mais justa e de melhor qualidade, muitos acabam caindo no erro de se acomodar às condições que lhe são oferecidas. Com isso, perdem a vontade de passar conhecimento e ensinar sobre vida, e passam a meramente distribuir padronizadamente um conteúdo previamente programado que não vai gerar fruto nenhum nos alunos. Um dos erros mais cometidos que gera essa consequência acaba partindo de professores ligados à literatura, não por vontade própria, mas por determinação do Estado: a obrigação em ler.
Independente do conteúdo que é passado, o ato de obrigar um jovem a ler algo contra sua vontade não pode, na maior parte dos casos, criar bons resultados. Ainda assim, a fim de preparar os estudantes para lidar com os exames de avanço de grau acadêmico, esse crime continua sendo cometido.
De forma alguma, pretendo criticar a leitura em si ou os clássicos que são transmitidos pelos professores de ensino fundamental e médio aos seus alunos, porém, quero destacar algo: acima de ensinar a ler, deveria ser colocada a importância de ensinar a amar ler. A leitura é uma das experiências mais únicas e pessoais possíveis. Por mais que livros sejam padronizados e distribuidos com o mesmo conteúdo para dezenas, centenas, milhares de leitores, o processo de consumo de um livro sempre se dá de forma diferente. Nunca as impressões de determinado leitor são absolutamente iguais às de outro, há similaridades, mas jamais igualdade por completo.
O ensino tem sido prejudicado justamente em cima desse aspecto há muito tempo. Escolas obrigam a leitura de clássicos como "O Cortiço" e "Memórias Póstumas de Brás Cubas" para indivíduos cujo desenvolvimento intelectual sequer alcançou um status necessário para compreender o que aquelas obras significam. Há exceções, claro, para isso, entretanto, aqui desejo formular um estudo o mais amplo possível. Para facilitar a absorção desses conteúdos, as instituições de ensino acabam procurando materiais mais fáceis de serem compreendidos pelos alunos, e, nessa jornada, entram as histórias em quadrinhos.
As adaptações de clássicos da literatura global para o formato de arte sequencial é uma prática muito antiga, que sempre produziu bons frutos. Adolfo Aizen e Gilberto Freire ficaram muito conhecidos, inclusive, quando se tratou dessa questão no passado (já escrevi matéria sobre o papel dos dois nos quadrinhos brasileiros aqui no blog antes), gerando muitas opções de alto grau de qualidade para serem lidos e estudados.
Aizen em frente ao museu das histórias em quadrinhos, que ficava na sede da Editora Brasil-América (EBAL) |
Com o tempo e a evolução dos meios de comunicação, como destaquei ao início da matéria, as editoras passaram a lidar com muita concorrência nesse campo, e a alta demanda levou a uma busca por soluções mais em conta em termos de orçamento e de prazos. Ao passar por isso, os quadrinhos acabaram sofrendo do mesmo erro que o ensino em si sofreu: a banalização do seu conteúdo. Não mais se procurava estimular o amor pela leitura através dessas histórias, mas apenas um consumo rápido das páginas que compunham aquele material para que pudessem ser feitos testes e avaliações que visavam medir o quanto foi absorvido daquele material pelos seus consumidores.
Neste ponto, entramos no tema da matéria de hoje. Ontem, foi públicado um artigo escrito por um dos editores da revista Época, Luís Antônio Giron, que envolve o uso dos quadrinhos na sala de aula e de recursos eletrônicos como fonte de estudo para os jovens da atualidade. Criticando a condição em que se encontra atualmente a produção de adaptações dos clássicos literários para a nona arte, Giron afirma que essa produção massificada de tão importante material pode acabar com tudo o que a literatura representa.
Uma vez que estamos numa realidade onde os textos estão diminuindo de tamanho e relevância conforme os dias passam, Giron vê com certo receio o aumento do uso das histórias em quadrinhos como fonte de referência para os estudantes, ainda que estas sejam indicadas pelos professores. Seu ponto é válido mediante essa contextualização em que se encontra a produção de elementos culturais nos dias de hoje. As histórias em quadrinhos não podem, entretanto, servir de bode expiatório para a crítica a um sistema de ensino errôneo que está em vigência. No passado, a arte sequencial passou por sérios problemas junto ao público por questões parecidas, e isso não pode se repetir.
Para deixar clara sua posição de que não está criticando os quadrinhos, Giron destaca no final de seu texto a importância e a qualidade de conteúdos gerados pelos grandes mestres dos quadrinhos, como Will Eisner e Joe Sacco, destacando ainda o bom trabalho nas adaptações literatura-quadrinhos feito pelo desenhista Flávio Colin em suas obras "Estórias Gerais" e "Fawcett". Acredito que valeria a pena destacar nesse campo, também, o trabalho dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá na graphic novel "O Alienista", feita sobre a clássica história de Machado de Assis, e os muitos trabalhos produzidos pelo já mencionado Aizen (a relação dos quadrinhos e as livrarias na última década também já foi analisada aqui no blog antes).
O quadrinista Spacca ficou conhecido por suas excelentes obras históricas produzidas em quadrinhos |
Para histórias em quadrinhos cujo conteúdo poderia ser bastante aproveitado nas salas de aula, vale mencionar os trabalhos históricos do quadrinista Spacca, como "D. João Carioca", "Santô e os Pais da Aviação" e "Debret em Viagem Histórica e Quadrinhesca ao Brasil", junto com o trabalho feito pela editora HEINLE CENGAGE, responsável pela produção e publicação da versão em quadrinhos de histórias como "Macbeth", "A Christmas Carol" e "Frankestein". Há, também, é claro, os casos mencionados por Giron de adaptações meramente voltadas para um mercado com crescente demanda, porém, não podemos tratá-los como se estes fossem a regra e as boas adaptações, exceções.
Desde 2008, o Programa Nacional Biblioteca na Escola (PBNE), investe bastante na adoção de histórias em quadrinhos como forma de ampliar a dimensão do contéudo passado em sala de aula, e, sinceramente, espero que isso cresça mais e mais. Ainda que existam editores que têm como objetivo lucrar em cima de consumidores desavisados, há uma enorme gama de profissionais sérios que reconhecem o potencial artístico-narrativo que a nona arte possui, e estes sim devem ser tratados como regra. Aos que quiserem conhecer um pouco mais dessa questão, os estudiosos Waldomiro Vergueiro e Paulo Ramos têm uma extensa bibliografia no assunto, que recomendo bastante. Para quem quiser conferir o artigo de Giron, basta lê-lo na sua coluna eletrônica no site do Globo aqui, e quem tiver algum conhecimento na área para levantar uma discussão mais aberta sobre o tema, sinta-se livre para fazê-lo. Pois apenas nos comunicando é que podemos conquistar vitórias, tanto no campo da educação como no campo da vida.
6 comentários:
Bom, acho interessante usar os quadrinhos como estímulo de aproximação dos jovens e da literatura, mas não se deve usá-los como substitutos. Cada arte tem seu valor e devemos aprender a adimirar suas peculiaridades, prová-las e descobrir qual lhe agrada mais...
Concordo com o texto! Só tenho medo de, num futuro, os professores obrigarem os alunos a lerem quadrinhos, imaginando que assim estão os estimulando.
É mais ou menos o que acontecia com a Coleção Vaga-Lume no meu tempo de escola. A linguagem é muito mais fácil e acessível para as crianças e eles tinham a função de despertar o gosto pela leitura. Muito legal, mas eu detestava os livros. Isso, porque nós éramos obrigados a ler. Se os professores me obrigassem a ler Turma da Mônica, eu ia detestar também.
Ah, só para constar, hoje amo a Coleção Vaga-Lume! Meninos Sem Pátria é um dos melhores livros que eu já li!
Gostei do post. Tbm acho que precisamos levar mais a sério a educação.
Concordo q o incentivo à leitura deve ser feito ainda na infância. Se hoje gosto de ler, agradeço ao apoio dos meus pais, q sempre me estimularam. Comecei com os livros do "Bolinha" e com os gibis da Turma da Mônica. Só mais velha comecei a me interessar pelo clássicos. Esse processo dever ser gradual, na minha opinião, para evitar rejeição.
Não existe questão mais importante para uma sociedade do que o ensino. Sem ele, nunca seria possível chegar a lugar algum. A educação em si precisa de incentivos e não adianta jogar a culpa em cima de adoção de quadrinhos na sala da aula. Estes, quando bem usados, podem ser meios extremamente eficazes para estimular o desenvolvimento intelectual, porém, se caírem no erro de banalizar seu conteúdo e produzir simplesmente para aproveitar o apoio do PNBE, tudo que podem conseguir é assumir essa alcunha errada que muitos têm, de que quadrinhos são coisa de criança, que não pode ser levada a sério.
Eu aprendi muito do meu ler na infância em quadrinhos, que juntamente com o aprendizado estimularam a minha criatividade, mas de um modo fluído e acessório aos métodos tradicionais.
Penso ser de grande proveito o uso de quadrinhos como complemento do ensino escolar e acessório literário, sem retirar as conquistas e independência da arte sequencial para com a literária. mas nada forçado e sim estimulado para se ter algo como valor e estável.
Todo meio de comunicação, quando bem utilizado, é capaz de acrescentar muito àqueles que o aproveitam de verdade. Os quadrinhos como fonte de referência cultural são uma fonte inesgotável de bons resultados, tudo só depende de quem a constrói, desde a estrutura dos roteiros até a edição finalizada. O ensino que sabe reconhecer isso e cobra apenas o melhor, só tende a gerar frutos bons, tanto para cada um como indivíduo quanto para todos nós como sociedade. Fiquemos atentos nessa contínua discussão.
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