sábado, 25 de agosto de 2012

Clube de Leitura na Travessa

Por Gabriel Guimarães


Ocorreu hoje, na Livraria da Travessa do Barrashopping, no Rio de Janeiro, a primeira sessão do Clube de Leitura HQ, organizado pelo funcionário André Guimarães, a fim de reunir os admiradores da nona arte para um debate saudável e estimulante acerca de histórias específicas abordadas e quaisquer outros assuntos que acabem por surgir através da troca de experiências entre os visitantes presentes.
 
Organizado nesta primeira edição com foco no recém lançado encadernado "Batman: Vitória Sombria" pela editora Panini, o evento teve início às 16 horas e reuniu um grupo ainda esparso, com pessoas de diferentes idades e de conhecimento diverso sobre o meio. Com duração de pouco mais de uma hora, foi apresentado ao público um pequeno panorama da obra da dupla Jeph Loeb e Tim Sale, com destaque para a organização da ficção apresentada nas três obras destes, realizadas no universo do herói mascarado de Gotham City, sob uma perspectiva mais ampla. Estando bem no meio da trilogia também composta por "Batman: O Longo Dia das Bruxas""Mulher Gato: Cidade Eterna", o encadernado do Homem Morcego se concentra em torno dos problemas da família mafiosa Falcone no submundo do crime, sem, entretanto, deixar de lado a vasta gama de vilões e personagens da galeria que preenche o Asilo Arkham e os computadores do vigilante encapuzado.
 
O grupo presente não foi muito, mas
foi um excelente começo para o
tipo de encontro
A obra se foca nas figuras de Batman e do comissário Gordon, que se encontram à frente de um momento crucial de sua composição enquanto personagens das histórias que preencheram tantas revistas ao longo de mais de 70 anos. Com a figura antológica do herói mascarado como cavaleiro solitário, Tim Sale apresenta em seu prefácio uma explicação sobre sua opinião acerca do personagem antes da obra e de como Loeb o convenceu a trabalhar neste projeto, que nos revela facetas pouco destacadas do personagem, como, por exemplo, seu viés investigador e sua relação com aqueles ao seu redor. Noções como família e riscos são continuamente postas em questão na obra, e acabam por tornar a leitura algo agradável, ainda que o leitor precise compreender a questão cronológica com que a história em si é apresentada.
 
 
De resto, a reunião foi bastante agradável e rendeu excelentes conversas entre os presentes sobre as raízes dos quadrinhos americanos e seu impacto na nossa realidade brasileira, enquanto leitores deste material. A Livraria da Travessa já confirmou a realização de mais outras duas reuniões deste tipo, de caráter mensal, sempre acontecendo no último sábado de cada mês, contando com uma obra diferente cada vez. Para o próximo encontro, que ocorrerá dia 29 de setembro, a história em quadrinhos "Kick-Ass: Quebrando Tudo" será o tema da vez, e para a reunião seguinte, já está confirmada a obra brasileira "Daytripper", dos gêmeos paulistas Fábio Moon e Gabriel Bá. Com expectativa de tornar esse encontro algo recorrente, André já informou que pretende dar sequência às discussões do público sobre temas da arte sequencial, partindo, por enquanto, de publicações vinculadas à editora Panini, chegando a oferecer 10% de desconto sobre os livros comentados na reunião em seu respectivo dia de debate. Com a duração, em geral, atrelada à marca de uma hora, os papos acabam sendo ágeis e bastante estimulantes. Conforme o evento crescer, porém, acreditamos que o tempo possa ser expandido e a interação possa seguir determinado padrão de ação, dependendo da resposta do público.
 
 
Quem esteve lá para conferir essa primeira sessão, certamente, saiu satisfeito, e ficamos na torcida para que este seja apenas o primeiro passo de uma estratégia de boa relação com os leitores dos quadrinhos por parte da Livraria da Travessa, que demonstrou excelente iniciativa nesse campo.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Carioca da Gema e da Pena

Por Gabriel Guimarães


Nesta sexta-feira, dia 24 de agosto, um dos mais emblemáticos personagens da Disney para o povo brasileiro completa exatos 70 anos, com uma história de grande sucesso e muita irreverência, semelhantes àquele que é seu elemento mais fundamental: a alma carioca. Criado em 1942, o personagem Zé Carioca surgiu para apresentar ao público a belíssima música "Aquarela do Brasil", do grande músico Ary Barroso (que pode ser conferido logo abaixo), que atraiu a atenção de um importante criador de quadrinhos norte-americano, Walt Disney. Nos anos posteriores, acabou ganhando cada vez mais a atenção do público e chegou a ser quase totalmente produzido em sua suposta terra-natal, de fato, sob a batuta de grandes profissionais da editora Abril.
 
 
 
Conforme destaca a belíssima matéria do blog "Planeta Gibi" (a qual pode ser conferida aqui), o projeto que deu vida ao periquito verde cheio de trejeitos é fruto da Política de Boa Vizinhança, realizada pelos Estados Unidos, durante a década de 1940, pelo presidente Franklyn Delano Roosevelt, onde o governo americano procurava se entrosar com seus parceiros do outro lado do hemisfério para gerar uma resistência maior à adoção de ideais comunistas, que iam de encontro com os interesses americanos. Para reunir todos os países, o já mencionado Disney, um dos mais ferrenhos defensores das "boas causas", decidiu produzir um filme que retratasse a boa experiência entre os americanos e os brasileiros. O filme como um todo ficou conhecido como "Alô Amigos", em 1942, com quase uma hora de duração e uma mistura bastante interessante de cores e costumes, além de apresentar trechos da visita de diversos artistas dos estúdios Disney, dentre os quais o próprio Walt, às terras do Rio de Janeiro. Não se limitando, porém, ao povo tupiniquim, a estratégia de atingir novos povos e gerar novos mercados se estendeu à Argentina, onde surgiu o personagem Gauchinho Voador, e ao México, onde surgiu o personagem Panchito.

Em dezembro daquele ano, Zé Carioca, enfim, ganhou as páginas das revistas em quadrinhos, através da história "The Carnival King", de Carl Buettner. Tendo já sido protagonista de tiras em jornais que seriam lançadas e relançadas incontáveis vezes sob uma ótica de material inédito, Zé galgou de forma lenta a presença nos quadrinhos Disney, aparecendo em uma história de página única em 1943 e uma história de dez páginas em 1944. Logo depois, Zé Carioca estrelou sua segunda produção animada em "Você Já Foi à Bahia?", onde apresentava as terras baianas num esquema similar ao de sua primeira produção. Neste que foi o sétimo filme de animação dos estúdios Disney, o Pato Donald novamente serve como representante americano nas terras latinas, onde interage com as culturas locais e através de mistura entre animação e live-action, propõe uma maior troca de valores e experiências com os demais povos do continente americano.
 
O número 479 da revista do "Pato
Donald" foi a primeira protagonizada
pelo personagem carioca
Anos depois, Zé Carioca foi, então, produzido e publicado fora do solo americano pela primeira vez, pelo traço do argentino Luis Destuet, que se consagrou com o personagem, vindo a ser o responsável pela produção de outras histórias do personagem, publicadas aqui em terras brasileiras em 1955. Entretanto, foi apenas em 1960 que um brasileiro foi, de fato, responsável pela constituição de uma história do personagem carioca. O desenhista Jorge Kato, consagrado previamente por ser o primeiro brasileiro a publicar histórias Disney completamente produzidas no Brasil, assumiu o personagem no final de 1959 e a partir de 1961, começa a produzir todo o material das edições ímpares da revista do Pato Donald, que passaram a ser intercaladas com as histórias de Zé Carioca a partir do número 479. Por meio das histórias produzidas aqui no país, o personagem foi adquirindo reais características próprias, e se consolidando como uma grande personalidade dentre o vasto elenco da Disney. Uma vez que o contingente de histórias com o personagem não era suficiente para comportar a demanda para uma edição, ainda que bimestral, os editores da empresa de Victor Civita começaram a editar o material que recebiam de fora, inserindo Zé Carioca em histórias que anteriormente eram protagonizadas por Mickey ou Donald. Dessa forma, surgiram até outros personagens secundários de escala, como os sobrinhos Zico e Zeca, criados para substituir os três sobrinhos de Donald nas histórias adaptadas para o mercado brasileiro.
 
Zé Carioca esteve presente
desde a primeira edição da editora
Abril, em julho de 1950
Em 1972, enfim, a produção de material no solo brasileiro se mostrou capaz de suprir a demanda do mercado, e começaram a serem publicadas histórias exclusivamente produzidas para o personagem especificamente, desenvolvendo, dessa forma, seu universo pessoal e permitindo aos leitores associarem cenários e situações àquelas do contexto brasileiro. Nos vinte anos seguintes, o personagem se consagrou, foi repaginado, teve sua figura produzida mais de acordo com o padrão brasileiro, e se tornou uma grande referência para os leitores das revistas Disney dentro do Brasil.
 
Infelizmente, no final dos anos 1990, o mercado nacional de quadrinhos passou por uma grande crise financeira, e núcleos de produção como o da editora Abril acabaram fechando suas portas, encerrando assim um dos mais viáveis meios de criar um quadrinho brasileiro de qualidade, sonho de um dos grandes editores da história da Abril, o paulista Waldir Igaiara. A partir de então, a editora Abril passou a se dedicar nas republicações, e a última história inédita do personagem foi lançada pouco mais de uma década atrás, em dezembro de 2001, com roteiros de Rafles Magalhães Ramos e desenhos de Eli Marcos M. Leon.
 
Atualmente, o personagem continua sendo publicado, porém, contando raramente com material que poderia ser considerado novo, apesar de a editora Abril ainda ter em seus arquivos histórias não publicadas do periquito verde mais famoso da Disney. Vale destacar, ainda, que o potencial que o personagem demonstrou para ser feito aqui no país é digno de conferir, por ser um grande exemplo da capacidade criativa do brasileiro na expressão através da arte sequencial. Fica a recomendação, também, de que a editora Abril confirmou o lançamento de uma edição especial em comemoração a essa data com todas as tiras dominicais originais, publicadas entre 1942 e 1944, com o personagem no traço de Paul Murry, que posteriormente, se tornaria um dos grandes profissionais dos estúdios americanos da Disney. Pelos seus 70 anos de existência e grande papel na composição de muitas gerações de profissionais a admiradores da nona arte no Brasil, além de uma muito bem calhada comemoração justamente no dia do artista aqui no Brasil, certamente este malandro gente boa de penugem esverdeada merece uma devida salva de palmas. Parabéns, Zé!

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

A Arte na Guerra

Por Gabriel Guimarães



Nascido originalmente na pequena cidade de Yzerin, na então área que pertencia ao leste da Polônia, e migrado com apenas dois meses junto de seus pais para os Estados Unidos, o desenhista Joseph Kubert construiu ao longo do século XX uma carreira sólida no mercado de quadrinhos que se expandia, ganhando o merecido reconhecimento e tendo seu trabalho valorizado pelo seu esforço com a pesquisa prévia do que quer que fosse desenhar, tornando suas histórias mais verossímeis e envolventes para os leitores. Grande incentivador dos aspirantes a tomar parte na nona arte, Kubert se tornou um marco para os ilustradores e, em 1976, abriu na cidade de Dover, em New Jersey, a Escola Joe Kubert de Cartun e Artes Gráficas, renomeada recentemente para apenas Escola Kubert.

Edição do Gavião Negro
Na manhã deste último domingo, no dia dos pais para nós, brasileiros, aos 85 anos, apenas três semanas antes de completar seu próximo aniversário, Joe acabou falecendo de forma natural, e os quadrinhos, como meio de comunicação, perdeu mais um de seus grandes mestres. Marcado pelo sucesso de suas histórias como "Sgt. Rock" e o trabalho junto ao herói Gavião Negro, ambos publicados pela editora DC, Joe marcou sua passagem pelas páginas das revistas com muita criatividade e mensagens de inspiração humana.

Apesar de ter sido marcado pelo seu trabalho com temáticas relativas ao período dos conflitos internacionais onde os Estados Unidos tomavam parte, Joe sempre destacou a necessidade de haver mais do que apenas morte no caminho dos soldados, reservando-lhes momentos de profunda reflexão acerca da natureza humana e da necessidade da coexistência pacífica, rendendo-lhe uma safra enorme de prêmios extremamente valiosos para o mercado de quadrinhos, como o Harvey Award e o Eisner Award, dos quais, em 1997 e 1998, respectivamente, ele se tornou membro do Hall da Fama.

Entretanto, muito antes de se consagrar como desenhista da editora DC, Joe começou sua carreira de maneira modesta, mas surpreendente, quando, ainda aos onze anos, começou a contribuir com desenhos para o MLJ Studios, responsável pela publicação de personagens como "Archie". Seu primeiro trabalho oficial, porém, é datado oficialmente apenas de cinco anos depois, já em 1942, quando ele fez a arte-final de uma pequena história de seis páginas chamada "Black-Out", na oitava edição da revista "Catman Comics", publicada pela editora Holyoke Publishing Company. Após esse começo modesto, ele continuou trabalhando no título mais algumas edições antes de ir adiante com outros projetos, sendo, no começo da década de 1940, contratado pela editora DC, no período ainda antes de assumir esse nome, quando era conhecido ainda como All-American Comics. Seu primeiro trabalho pela editora foi uma história de 50 páginas, chamada "Sete Soldados da Vitória", publicada na também oitava edição da revista "Leading Comics", no outono de 1943.

Nos anos seguintes, Joe começaria a se firmar no mercado de quadrinhos, a partir de seu trabalho com o Gavião Negro e, em outubro do ano de 1953, viria a se tornar editor administrativo da St. John Publications, onde ele, seu antigo colega de escola, Norman Maurer, e o irmão de Norman, Leonard, publicaram a primeira revista em quadrinhos em 3D da história do meio, na primeira edição da revista "Three Dimension Comics". Neste título, Joe criou seu personagem de maior sucesso, um herói pré-histórico chamado Tor, que estreou na segunda edição da revista e não muito depois acabou por se tornar o grande astro da publicação.

Um dos quadrinhos das histórias de Tor, o herói pré-histórico
de Joe Kubert
Em 1955, ele voltou para a DC, onde passou a participar da linha de personagens de guerra da editora, consagrando sua carreira com histórias como a já mencionada "Sgt. Rock" e as aventuras da tropa de soldados em "The Haunted Tank". Pouco depois, Joe decidiu mudar seu papel no meio e construiu sua escola de arte, onde ajudou na formação de muitos grandes profissionais do meio que hoje estão em atividade, como Amanda Conner, Alex Maleev, Rags Morales, o brasileiro Sérgio Carrielo e, eventualmente, seus dois grandes legados para as histórias de super heróis da atualidade, seus dois filhos, Andy e Adam Kubert, que herdaram muito do dom de desenho e de narrativa gráfica do pai.
Edição de "Sgt. Rock"
Hoje, os quadrinhos perdem mais um de seus soldados mais ferrenhos, um dos defensores da boa arte e portador da bandeira da esperança. Porém, que seu exemplo não seja em vão, e que sua história e seu legado possam viver em cada um dos profissionais e amigos tocados por ele no período em que esteve entre nós. Após uma árdua luta para criar um meio seguro e forte estruturalmente em que seus filhos hoje trabalham, o soldado Joe, enfim, retorna para casa, não com um estrondo de granada, mas com o síbilo suave das lágrimas que descem dos rostos de seus muitos admiradores.


Quem tiver interesse em visitar a página da Escola Kubert de Arte, que nestes dias, tem estado fora do ar com uma mensagem em homenagem ao seu fundador, basta clicar aqui.