Por Gabriel Guimarães
Nesta sexta-feira, dia 24 de agosto, um dos mais emblemáticos personagens da Disney para o povo brasileiro completa exatos 70 anos, com uma história de grande sucesso e muita irreverência, semelhantes àquele que é seu elemento mais fundamental: a alma carioca. Criado em 1942, o personagem Zé Carioca surgiu para apresentar ao público a belíssima música "Aquarela do Brasil", do grande músico Ary Barroso (que pode ser conferido logo abaixo), que atraiu a atenção de um importante criador de quadrinhos norte-americano, Walt Disney. Nos anos posteriores, acabou ganhando cada vez mais a atenção do público e chegou a ser quase totalmente produzido em sua suposta terra-natal, de fato, sob a batuta de grandes profissionais da editora Abril.
Conforme destaca a belíssima matéria do blog "Planeta Gibi" (a qual pode ser conferida aqui), o projeto que deu vida ao periquito verde cheio de trejeitos é fruto da Política de Boa Vizinhança, realizada pelos Estados Unidos, durante a década de 1940, pelo presidente Franklyn Delano Roosevelt, onde o governo americano procurava se entrosar com seus parceiros do outro lado do hemisfério para gerar uma resistência maior à adoção de ideais comunistas, que iam de encontro com os interesses americanos. Para reunir todos os países, o já mencionado Disney, um dos mais ferrenhos defensores das "boas causas", decidiu produzir um filme que retratasse a boa experiência entre os americanos e os brasileiros. O filme como um todo ficou conhecido como "Alô Amigos", em 1942, com quase uma hora de duração e uma mistura bastante interessante de cores e costumes, além de apresentar trechos da visita de diversos artistas dos estúdios Disney, dentre os quais o próprio Walt, às terras do Rio de Janeiro. Não se limitando, porém, ao povo tupiniquim, a estratégia de atingir novos povos e gerar novos mercados se estendeu à Argentina, onde surgiu o personagem Gauchinho Voador, e ao México, onde surgiu o personagem Panchito.
Em dezembro daquele ano, Zé Carioca, enfim, ganhou as páginas das revistas em quadrinhos, através da história "The Carnival King", de Carl Buettner. Tendo já sido protagonista de tiras em jornais que seriam lançadas e relançadas incontáveis vezes sob uma ótica de material inédito, Zé galgou de forma lenta a presença nos quadrinhos Disney, aparecendo em uma história de página única em 1943 e uma história de dez páginas em 1944. Logo depois, Zé Carioca estrelou sua segunda produção animada em "Você Já Foi à Bahia?", onde apresentava as terras baianas num esquema similar ao de sua primeira produção. Neste que foi o sétimo filme de animação dos estúdios Disney, o Pato Donald novamente serve como representante americano nas terras latinas, onde interage com as culturas locais e através de mistura entre animação e live-action, propõe uma maior troca de valores e experiências com os demais povos do continente americano.
O número 479 da revista do "Pato Donald" foi a primeira protagonizada pelo personagem carioca |
Anos depois, Zé Carioca foi, então, produzido e publicado fora do solo americano pela primeira vez, pelo traço do argentino Luis Destuet, que se consagrou com o personagem, vindo a ser o responsável pela produção de outras histórias do personagem, publicadas aqui em terras brasileiras em 1955. Entretanto, foi apenas em 1960 que um brasileiro foi, de fato, responsável pela constituição de uma história do personagem carioca. O desenhista Jorge Kato, consagrado previamente por ser o primeiro brasileiro a publicar histórias Disney completamente produzidas no Brasil, assumiu o personagem no final de 1959 e a partir de 1961, começa a produzir todo o material das edições ímpares da revista do Pato Donald, que passaram a ser intercaladas com as histórias de Zé Carioca a partir do número 479. Por meio das histórias produzidas aqui no país, o personagem foi adquirindo reais características próprias, e se consolidando como uma grande personalidade dentre o vasto elenco da Disney. Uma vez que o contingente de histórias com o personagem não era suficiente para comportar a demanda para uma edição, ainda que bimestral, os editores da empresa de Victor Civita começaram a editar o material que recebiam de fora, inserindo Zé Carioca em histórias que anteriormente eram protagonizadas por Mickey ou Donald. Dessa forma, surgiram até outros personagens secundários de escala, como os sobrinhos Zico e Zeca, criados para substituir os três sobrinhos de Donald nas histórias adaptadas para o mercado brasileiro.
Zé Carioca esteve presente desde a primeira edição da editora Abril, em julho de 1950 |
Em 1972, enfim, a produção de material no solo brasileiro se mostrou capaz de suprir a demanda do mercado, e começaram a serem publicadas histórias exclusivamente produzidas para o personagem especificamente, desenvolvendo, dessa forma, seu universo pessoal e permitindo aos leitores associarem cenários e situações àquelas do contexto brasileiro. Nos vinte anos seguintes, o personagem se consagrou, foi repaginado, teve sua figura produzida mais de acordo com o padrão brasileiro, e se tornou uma grande referência para os leitores das revistas Disney dentro do Brasil.
Infelizmente, no final dos anos 1990, o mercado nacional de quadrinhos passou por uma grande crise financeira, e núcleos de produção como o da editora Abril acabaram fechando suas portas, encerrando assim um dos mais viáveis meios de criar um quadrinho brasileiro de qualidade, sonho de um dos grandes editores da história da Abril, o paulista Waldir Igaiara. A partir de então, a editora Abril passou a se dedicar nas republicações, e a última história inédita do personagem foi lançada pouco mais de uma década atrás, em dezembro de 2001, com roteiros de Rafles Magalhães Ramos e desenhos de Eli Marcos M. Leon.
Atualmente, o personagem continua sendo publicado, porém, contando raramente com material que poderia ser considerado novo, apesar de a editora Abril ainda ter em seus arquivos histórias não publicadas do periquito verde mais famoso da Disney. Vale destacar, ainda, que o potencial que o personagem demonstrou para ser feito aqui no país é digno de conferir, por ser um grande exemplo da capacidade criativa do brasileiro na expressão através da arte sequencial. Fica a recomendação, também, de que a editora Abril confirmou o lançamento de uma edição especial em comemoração a essa data com todas as tiras dominicais originais, publicadas entre 1942 e 1944, com o personagem no traço de Paul Murry, que posteriormente, se tornaria um dos grandes profissionais dos estúdios americanos da Disney. Pelos seus 70 anos de existência e grande papel na composição de muitas gerações de profissionais a admiradores da nona arte no Brasil, além de uma muito bem calhada comemoração justamente no dia do artista aqui no Brasil, certamente este malandro gente boa de penugem esverdeada merece uma devida salva de palmas. Parabéns, Zé!
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