sexta-feira, 17 de outubro de 2014

Entrevista: Emerson Lopes

Por Gabriel Guimarães

 

O desenhista Emerson Lopes começou sua carreira ainda muito novo na indústria de animação brasileira, porém, após anos de uma jornada bem sucedida no meio, tendo trabalhado em grandes projetos de destaque nacional, ele vem procurando criar seu próprio espaço em outro segmento do mercado visual, as histórias em quadrinhos. Pai do personagem Alfredo e do pequeno Arthur, Emerson tem participado de muitas publicações nos últimos anos e sua produção na arte sequencial está crescendo exponencialmente, tendo reunido recentemente pela primeira vez as tirinhas de seu blog (o qual pode ser acessado aqui) em um livreto impresso pela editora Estronho. Mesmo em meio a esse momento muito ativo, ele se mostrou extremamente solícito para nos contar um pouco mais acerca de sua história de vida e suas considerações a partir de experiências que viveu no mercado editorial brasileiro.

QUADRINHOS PRA QUEM GOSTA - Emerson, como foi, de fato, seu ingresso na indústria da animação? Você se lembra de qual foi o primeiro projeto no qual teve seu nome creditado? 

Emerson Lopes - Comecei a trabalhar com animação em 1997, no Estúdio Alexandre Martins, em São Gonçalo. Descobri a existência do estúdio através de um amigo do ramo e eu, curioso, logo liguei para o Alexandre em pessoa e marquei uma entrevista. Não demorou para que eu me tornasse estagiário lá, onde fiquei por uns dois anos. Foi onde conheci os princípios básicos do que era a produção de desenhos animados. Quanto ao meu primeiro trabalho na área onde tive meu nome creditado, se bem me lembro, foi um curta-metragem deste mesmo estúdio chamado “Perrengue nas Alturas”.
Em entrevistas anteriores, você disse que, quando era mais jovem, chegou a começar a faculdade, mas acabou precisando trancar o curso para poder se dedicar ao trabalho com a indústria de animação. O que o levou a essa decisão?

Eu estudei por um ano na Escola de Belas Artes da UFRJ, e nesse meio tempo ingressei num estúdio de animação onde precisavam de mim em tempo integral. Como os horários não eram compatíveis, não tive outra opção. Mas pretendo retornar em outro curso num futuro próximo.
 
De lá para cá, você construiu uma carreira sólida, trabalhando em muitas animações que tiveram destaque por todo Brasil, como “Peixonauta”, “Guerreiros da Amazônia” e “Xuxinha e Guto Contra os Monstros do Espaço”, ainda assim, em 2011, quando você criou seu próprio personagem, “Alfredo, o Vampiro”, você o inseriu no universo das histórias em quadrinhos antes do que no da animação. Você poderia nos contar por que escolheu o formato de quadrinhos para introduzir sua criação ao público?

Em termos práticos, eu poderia dizer que a produção autoral de quadrinhos é algo bem mais intimista e pessoal, sem falar que a veiculação do trabalho é algo menos complexo. Mas, na verdade, o projeto do que veio a se tornar a série do "Alfredo, o Vampiro" sempre foi pensado pra ser inicialmente em quadrinhos. Desde muito antes de sua criação, eu tinha a ideia de criar uma tirinha. Depois de perceber o alvoroço em torno do livro "MSP+50", do qual participei, quis criar algum tipo de trabalho que fosse uma espécie de referencial para a minha produção autoral de quadrinhos. O momento era propício. Então, juntei essas vontades, pensei, pesquisei, rabisquei, testei, escrevi, e finalmente estreei a tirinha do Alfredo na internet. 

Sua ligação com as histórias em quadrinhos surgiu em que momento de sua vida? Como a arte sequencial te impactou, uma vez que você teve contato com ela?

Os quadrinhos existem em minha vida desde que me entendo por gente. Praticamente aprendi a ler com eles. Começando com os gibis da Disney, Maurício de Sousa, passando pelos saudosos quadrinhos dos Trapalhões e Spectreman dos anos 80, até os heróis da Marvel e DC, entre outros. Enfim, essa mídia sempre esteve presente em minha vida, me maravilhando e fazendo rir, chorar, pensar e viajar com seus milhares de universos, heróis e aventuras. E, como sempre gostei de desenhar, desde moleque criava os meus próprios personagens e histórias.


As tirinhas protagonizadas pelo “Alfredo”, publicadas de forma regular no seu blog, apresentam um humor que une elementos do relacionamento adulto com personagens lúdicos e carismáticos do universo infantil. Como foi a experiência de criar um personagem que se diferenciava dos demais no quadrinho brasileiro?

Enquanto estava pensando em quê, de fato, seria o Alfredo, não tinha a intenção de fazer algo “diferente” ou “revolucionário”. Queria me desafiar a criar uma historia de humor leve, nem muito ingênua nem muito adulta, e com um personagem que fosse simpático ao leitor. Eu tinha uma idéia básica, um cara atrapalhado e que não se dava bem com as garotas. Somei a isso algumas influências de artistas que eu admiro, minhas próprias experiências de vida e procurei um caminho que queria seguir. Curiosamente, a ideia do Alfredo ser um vampiro surgiu praticamente na reta final desse processo.


Piteco desenhado por Emerson
Você participou do trabalho de revitalização de personagens infantis em sua versão jovem com a “Luluzinha teen”, e auxiliou na produção de animações com os personagens clássicos de Maurício de Sousa no filme “Turma da Mônica – Uma Aventura no Tempo”. Quais são as diferenças entre trabalhar com personagens criados por outros autores e trabalhar com os seus próprios? Quais são os prós e contras desses dois casos?

Basicamente, quando se trabalha com personagens de outros autores, você pode se divertir mais com eles, e se acostuma a trabalhar com características diferentes das que você geralmente cria, o que sempre é bom - profissionalmente falando. Mas, por outro lado, há regras criadas para esses personagens que você precisa respeitar. 

Quando se trabalha com criações 100% suas, a liberdade já é completa, e você não tem limites para o seu trabalho, além daqueles a que você mesmo se impõe. Só que nessa situação, claro, o trabalho também é todo seu.

Em 2012, você participou de uma atividade pedagógica na Escola Municipal João de Camargo, em São Cristóvão, onde os alunos interpretaram algumas de suas tirinhas com temática ecológica e você, depois, palestrou para todo o colégio no aniversário da instituição. O que essa experiência representou para você?

Foto de Emerson reunido com a turma da professor Maria Fernanda
Foi uma experiência muito legal proporcionada pela professora de Artes Cênicas, Maria Fernanda Lamim. Ela propôs o exercício de encenar minhas tirinhas aos seus alunos, e me convidou para assistir e responder as perguntas das crianças em sala de aula. Foi muito gratificante poder satisfazer a curiosidade dos pequenos e perceber o fascínio que eles tem nesse universo. Sinceramente, me senti o Mauricio de Sousa naquele momento... (risos)

Como era aniversário da instituição, também me convidaram a dizer algumas palavras na solenidade que se seguiu. Comentei brevemente sobre a importância que a leitura poderia ter na vida deles e também um pouco sobre o meio ambiente, que era a temática da festa naquele ano. Não sou muito bom em falar em publico, mas me disseram que fui bem... (risos)

Você também expôs, entre março e abril de 2013, seu trabalho na Bedeteca de Beja, em Portugal. Como foi isso? Há muita diferença entre a forma como o artista profissional é encarado em Portugal e aqui no Brasil?

O convite para expor em Portugal veio de um bate-papo com Paulo Monteiro, diretor da Bedeteca de Beja. Foi uma grande felicidade para mim poder ter meu trabalho reconhecido por leitores de outro país, e mais ainda porque tive a chance de visitar a cidade antes da exposição e conhecer o Paulo, que se tornou um grande amigo, tendo feito, inclusive, o prefácio do livro do Alfredo.

Foto do passeio de seu personagem por Portugal

Com relação as histórias em quadrinhos em Portugal (lá chamadas de BD, sigla para Banda Desenhada), apesar das limitações industriais, senti um respeito maior dedicado aos autores, a exemplo do que ocorre em países como a França. O Festival internacional de Banda Desenhada de Beja é referência na área no país.

Você é um artista premiado tanto em categorias ligadas à propaganda e publicidade (13º Prêmio de Propaganda O Globo, por campanha feita pela agência PS 10 para a Hiunday em 2010), quanto em produções na arte sequencial (Troféu do 23º HQMix por Melhor Publicação Infanto-Juvenil, com o álbum “Pequenos Heróis”, no qual fez uma das histórias, em 2011). O que podemos esperar de conteúdo novo saindo no futuro próximo?

Fotos do primeiro livro de tirinhas compiladas
do "Alfredo, o Vampiro" (disponível para compra por este link)
Por enquanto, meu principal projeto é cuidar de meu filho, que nasceu esse ano... (risos)

Mas, falando especificamente de quadrinhos, se tudo correr bem, pretendo lançar um segundo livro de tirinhas do "Alfredo, o Vampiro" no ano que vem e uma HQ do personagem, com histórias mais longas, na sequência.

Tenho ainda outros projetos, como a série "Pequenas Coisas", que no momento conta só com duas páginas (disponíveis em meu site), e que está em stand-by por falta de tempo para me dedicar a ela como ela precisa. Mas pretendo retoma-la num futuro próximo. Há outros projetos além desse, mas é melhor deixar pra falar a respeito quando tiver algo pra mostrar. (risos)

Para finalizar, queremos lhe desejar muito sucesso com seu personagem, parabeniza-lo pelo seu filho, e garantir que estamos sempre atentos aos passos dados por talentosos profissionais do mercado editorial brasileiro de quadrinhos como você. Foi um imenso prazer conversar contigo e agradecemos mais uma vez pela disponibilidade.

Muito obrigado! Quem faz quadrinhos no Brasil sabe o quanto são importantes veículos como este para não só mostrar nossos trabalhos ao público, mas também ajudar a reforçar o valor desta arte que tanto amamos e que é tão pouco reconhecida em nosso país. Um grande abraço e, sempre que precisarem, estamos aí!