quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Concorrência nos Quadrinhos

Por Gabriel Guimarães

Qualquer que seja o produto a ser analisado, todos os especialistas chegam a uma conclusão invariável: é necessário a concorrência para que o produto seja percebido, de fato, pelo público. As marcas são construídas especificamente para que o consumidor X compre o produto com aquele símbolo único e não aquele com um símbolo diferente.
A indústria de quadrinhos demonstra não ser em nada diferente dessa máxima dos negócios. Para que o consumidor seja atraído a comprar a revista X ao invés da revista Y, a possuidora dos direitos referentes à publicação da primeira tomará atitudes para: ou elevar sua marca demonstrando sua respeitabilidade, seu grau de consciência ecológico e social, seu maior apreço com o leitor, seu baixo custo de aquisição, etc; ou depreciar o concorrente, a fim de criar uma sensação de que o público pode escolher qual produto vai comprar, mas se quiser um produto de qualidade, tem que ser o da marca X (no caso, gerando uma ilusão de liberdade de consumo).
Desde que os quadrinhos começaram como meio de comunicação de massa, há mais de um século, essa posição relativa ao marketing entre as editoras tem sido algo que vale ser notado e estudado com um certo grau de atenção. Muitos dos grandes casos foram e ainda são, inclusive, casos de tribunal de justiça, onde um autor ou editora luta pelos direitos sobre um personagem publicado por outra editora. Vide os casos do Capitão Marvel (caso DC comics x Fawcett comics) e Superman (caso herdeiros de Jerry Siegel e Joe Shuster x DC comics). Mas uma das recentes movimentações no mercado quadrinístico tem me chamado a atenção para as novas dimensões que a concorrência tem partido.

A DC comics abocanhou uma boa fatia das vendas de quadrinhos no mundo todo com a mais recente megassaga de seus heróis centrada no personagem que em breve estará nas telas de cinema, Lanterna Verde, com a história A Noite Mais Densa. Esse fato, logicamente, provocou  preocupação à Marvel, que se viu perdendo território. Quando outrora numa situação dessas, a Marvel responderia de cabeça erguida, sem dever nada a ninguém, publicando histórias de alto nível e refinada qualidade, a editora (hoje mais para empresa multimídia que mera editora de quadrinhos, na verdade) respondeu de uma forma que chocou muitos dos estudiosos do meio e até alguns artistas: prometeu premiar com uma edição de uma revista especial com capas alterntativas exclusivas os donos de comic shops que enviassem para a sede da Casa das Ideias 50 capas das edições da minissérie da DC rasgadas, sem o restante da edição. Isso é uma depredação de tudo aquilo que uma revista em quadrinhos deveria simbolizar. Nós lemos as histórias dessas editoras para podermos ir além das limitações físicas e sensoriais que temos nas nossas vidas corriqueiras, para estarmos em sintonia com um universo que, muitas vezes diferente do nosso, funciona com uma certa lógica e sem tanta burocracia estúpida.
Sou leitor assíduo tanto da Casa das Ideias, que no passado abrigou o mestre Stan Lee, quanto da editora DC, orquestrada de forma precisa por grandes profissionais como Dick Giordano. Concordo que é preciso a concorrência das duas para que não haja muita perda de qualidade em relação ao que é publicado, uma vez que se só houvesse uma editora no ramo, esta não precisaria se preocupar de perder o cliente para outra fornecedora desse meio de comunicação e, portanto, não primaria pela qualidade de suas histórias, porém, acho um absurdo chegar a esse ponto da violência contra o meio que ambas tratam em si.
Sei que esse tema já foi debatido alguns meses atrás quando estava mais em evidência que agora, porém, senti-me motivado a escrever sobre ele ao saber sobre o que seria o próximo grande evento Marvel.

--Alerta de SPOILER--

A saga Chaos War será marcada pelo retorno de muitos personagens falecidos no universo Marvel ao reino dos vivos, o que obviamente, gerou muitas críticas de plágio da história A Noite Mais Densa, da DC. Partindo de um ponto que infelizmente se tornou praxe no mercado de quadrinhos desde a década de 1990, a Marvel utiliza da regra de que 'as edições com morte de personagens vendem bem, e o seu retorno mais ainda' para usar e abusar de algo que deveria ser um grande diferencial no universo dos personagens de quadrinhos. Vou ponderar sobre esse tema da morte corriqueira em uma matéria voltada precisamente para isso, mas por agora, ponho na mesa o debate de: onde foi parar os parâmetros da concorrência?
Numa situação que poderia render frutos tanto para o público quanto para a nona arte em si, que seria impulsionada pelos profissionais envolvidos na produção de histórias a ir além do padrão, criando momentos que ficariam eternizados nas mentes e nas vidas dos leitores, as editoras têm se mostrado arredias, sem coragem de arriscar coisas novas, partindo para uma estratégia contra a cordialidade e reconhecimento de que ambas estão lutando por um mercado maior, que precisa ser lembrado de seus pontos positivos constantemente para não ser discriminado pela maioria, as histórias em quadrinhos.

Recentemente, o nível dos quadrinhos, os quais muitos estão indo para as grandes salas de cinema do mundo todo, tem sido analisado por psicólogos e sociólogos como más influências para os mais jovens. Isso te lembra alguma coisa? Essa discussão existe desde que os quadrinhos se expandiram e se tornaram integrantes fixos dos lares americanos, e, apesar de muitas vezes no passado, ter usado de argumentos fundados em histórias conscientes e inteligentes que eram publicadas aos montes, hoje há uma quantidade ínfima de exemplos para provar o contrário do que esses estudiosos propõem novamente trazer de volta à julgamento. Não podemos deixar que surjam novos Frederic Werthams, mas sim que hajam mais e mais exemplos de que este, que foi o maior crítico da arte sequencial, estava completamente errado nas suas conclusões.
Ponderemos então em que direção os quadrinhos estão indo, e percebamos que se não nos unirmos e realmente empenharmo-nos na busca por não apenas uma história, mas sim um padrão de qualidade mais elevado para os dias vindouros, não haverá sequer um amanhã pelo qual as grandes editoras tanto degladiarem. Há coisas maiores do que apenas a concorrência entre marcas neste caso, e a sobrevivência desse meio de comunicação é uma delas.

Referências:
BRETON, Phillipe. A Manipulação da Palavra, 1999. Editora Loyola.
http://www.omelete.com.br/quadrinhos/chaos-war-nova-saga-da-marvel-vai-ressuscitar-herois-da-editora/
http://www.universohq.com/quadrinhos/2010/n20082010_05.cfm

sábado, 21 de agosto de 2010

A Marvel e o Novo Mercado Digital


 Por Gabriel Guimarães
 Com a revolução dos suportes de leitura digital, não apenas as editoras de livros tiveram que passar por uma repaginada como também a indústria de revistas, tanto de conteúdo geral quanto de histórias em quadrinhos.
Passando a lidar com um aparelho de logística multimídia, editoras como a responsável pela publicação da revista de informática Wired perceberam a necessidade de mesclar o conteúdo escrito das matérias com outras formas de interface, como vídeos, sons e formas de adaptar o formato para a leitura no suporte em pé ou deitado. Uma vez que a indústria de quadrinhos já é multimídia em si mesma, já que é uma mescla de conteúdo semiológico com escrito, as editoras de quadrinhos têm tido que repensar em toda a sua linha de produção para tornar seu produto final igualmente atraente aos olhos de um leitor da nova era digital.
Quem comprou a primeira briga com o aparelho foi uma das gigantes do meio, a Marvel Comics, editora que tem ficado cada vez mais em destaque na mídia pelas suas mega-produções cinematográficas e pela compra majoritária de suas ações pela Disney ano passado. Alegando que suas histórias digitalizadas previamente ao lançamento do iPad para o site Marvel Digital Comics terem sido feitas no dispositivo Flash e este não ser compatível com o novo aparelho de leitura, ela se opôs à nova tecnologia.
Entretanto, poucos meses depois, a Marvel surpreendeu a todos ao lançar seu próprio aplicativo para o iPad, produzido pela Comixology, empresa responsável pela produção dos aplicativos de leitura de histórias em quadrinhos para celulares como o iPhone. Logo de início, ela anunciou centenas de revistas, desde artigos dos arquivos da editora aos mais recentes lançamentos nas lojas, muitas com novo acabamento e adaptadas ao novo modo de leitura.
Mais algum tempo depois, um novo passo foi dado pela editora: publicar uma revista impressa e digital simultaneamente. A edição de Invincible Iron Man #1 ficou marcada como teste para toda uma nova gama de possibilidades que o novo mercado possibilita, como a venda em termos internacionais imediatos, considerando que a edição digital pode ser adquirido por qualquer usuário do tablet ao redor do mundo.
Uma questão, então, fez-se relevante: o preço da edição. Enquanto a edição impressa custava U$4,99, a versão online encontrava-se divida em três partes, cada uma a U$1,99, o que tornaria o produto final mais caro. Como trata-se de um experimento recente, não se sabe ainda exatamente como o mercado reagiu a isso, porém, a grande a concorrente da Marvel, a DC Comics anunciou pouco tempo depois que lançaria também seu aplicativo para iPad, produzido pela mesma empresa que a Marvel, com edições da mini-série Justice League: Generation Lost simultaneamente impressa e digital, ao mesmo preço, U$2,99 cada.
O futuro parece guardar muitos desdobramentos ainda sobre a forma de trabalhar com os quadrinhos, e, notadamente, eles dependerão das reações do público consumidor dos mesmos, característico pela continuidade de consumo desse material por muitos e muitos anos. A forma desse público se comunicar entre si traz a tona o que o estudioso dos livros Robert Darnton destacou no que tange ao uso dos blogs como criadores de notícias, que assumem muitas vezes dimensões mais reais que a realidade que encontramos bem diante de nós. Blogs como Comics Should Be Good, Bleeding Cool, Newsrama, e os brasileiros Omelete e Universo HQ representam relativamente bem que a percepção de um formador de opinião pode ter enormes repercussões internamente no mercado.
A disposição do mercado é o que vai fazer realmente a balança pender para um dos lados, a permanência no formato impresso ou a nova aposta tecnológica. Encabeçada por grandes editores do setor de comunicação e desenvolvimento das editoras, como Joe Quesada (Marvel) e Jim Lee (DC), o futuro deste novo modelo ainda está por ser escrito. Cabe agora a eles um momento de reflexão e planejamento focado nas potencialidades e possibilidades do fantástico novo mundo digital.
Como Umberto Eco destacou, a cultura trata-se de um cemitério de livros e objetos desaparecidos para sempre, e é nossa função saber o que deve ser mantido e o que ser descartado, para permitir que sigamos adiante, numa trilha guiada pelo senso de evolução. Este é o momento onde os profissionais da área devem se mobilizar para analisar metodicamente o que pode surgir no dia do amanhã da maneira mais positiva possível.
A Marvel, foco principal dessa minha análise, tem uma estratégia que pode mudar muito a forma com que o mercado editorial de histórias em quadrinhos funciona há décadas. Ela propôs o pagamento de royalties aos artistas envolvidos no processo de criação do produto, algo que nunca antes havia sido vislumbrado. Muitos autores, inclusive, lutaram por isso tem muito tempo, porém suas esperanças eram ínfimas. Esse novo vislumbre de relação interna ao meio pode fazer uma considerável diferença nas ponderações finais da adoção do modelo digital.
Afinal, podemos falar o que quisermos, porém apenas o futuro ditará os rumos que serão necessários tomar para que as editoras possam sempre contar com aquilo de que mais essencialmente dependem, o cliente.

Bibliografia:
DARNTON, Robert. A Questão do Livro, editora Companhia das Letras, 2010.
ECO, Umberto e CARRIÈRE, Jean-Claude. Não Contem com o Fim do Livro, editora Record, 2010.
MENDO, Anselmo Gimenez. Histórias em Quadrinhos – Impresso vs. WEB, editora UNESP, 2008.
GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as Novas Mídias – Do Cinema às Mídias Interativas, 2003. Editora SENAC São Paulo, 2ª edição, 2008.