Por Gabriel Guimarães
Com a revolução dos suportes de leitura digital, não apenas as editoras de livros tiveram que passar por uma repaginada como também a indústria de revistas, tanto de conteúdo geral quanto de histórias em quadrinhos.
Passando a lidar com um aparelho de logística multimídia, editoras como a responsável pela publicação da revista de informática Wired perceberam a necessidade de mesclar o conteúdo escrito das matérias com outras formas de interface, como vídeos, sons e formas de adaptar o formato para a leitura no suporte em pé ou deitado. Uma vez que a indústria de quadrinhos já é multimídia em si mesma, já que é uma mescla de conteúdo semiológico com escrito, as editoras de quadrinhos têm tido que repensar em toda a sua linha de produção para tornar seu produto final igualmente atraente aos olhos de um leitor da nova era digital.
Quem comprou a primeira briga com o aparelho foi uma das gigantes do meio, a Marvel Comics, editora que tem ficado cada vez mais em destaque na mídia pelas suas mega-produções cinematográficas e pela compra majoritária de suas ações pela Disney ano passado. Alegando que suas histórias digitalizadas previamente ao lançamento do iPad para o site Marvel Digital Comics terem sido feitas no dispositivo Flash e este não ser compatível com o novo aparelho de leitura, ela se opôs à nova tecnologia.
Entretanto, poucos meses depois, a Marvel surpreendeu a todos ao lançar seu próprio aplicativo para o iPad, produzido pela Comixology, empresa responsável pela produção dos aplicativos de leitura de histórias em quadrinhos para celulares como o iPhone. Logo de início, ela anunciou centenas de revistas, desde artigos dos arquivos da editora aos mais recentes lançamentos nas lojas, muitas com novo acabamento e adaptadas ao novo modo de leitura.
Mais algum tempo depois, um novo passo foi dado pela editora: publicar uma revista impressa e digital simultaneamente. A edição de Invincible Iron Man #1 ficou marcada como teste para toda uma nova gama de possibilidades que o novo mercado possibilita, como a venda em termos internacionais imediatos, considerando que a edição digital pode ser adquirido por qualquer usuário do tablet ao redor do mundo.
Uma questão, então, fez-se relevante: o preço da edição. Enquanto a edição impressa custava U$4,99, a versão online encontrava-se divida em três partes, cada uma a U$1,99, o que tornaria o produto final mais caro. Como trata-se de um experimento recente, não se sabe ainda exatamente como o mercado reagiu a isso, porém, a grande a concorrente da Marvel, a DC Comics anunciou pouco tempo depois que lançaria também seu aplicativo para iPad, produzido pela mesma empresa que a Marvel, com edições da mini-série Justice League: Generation Lost simultaneamente impressa e digital, ao mesmo preço, U$2,99 cada.
O futuro parece guardar muitos desdobramentos ainda sobre a forma de trabalhar com os quadrinhos, e, notadamente, eles dependerão das reações do público consumidor dos mesmos, característico pela continuidade de consumo desse material por muitos e muitos anos. A forma desse público se comunicar entre si traz a tona o que o estudioso dos livros Robert Darnton destacou no que tange ao uso dos blogs como criadores de notícias, que assumem muitas vezes dimensões mais reais que a realidade que encontramos bem diante de nós. Blogs como Comics Should Be Good, Bleeding Cool, Newsrama, e os brasileiros Omelete e Universo HQ representam relativamente bem que a percepção de um formador de opinião pode ter enormes repercussões internamente no mercado.
A disposição do mercado é o que vai fazer realmente a balança pender para um dos lados, a permanência no formato impresso ou a nova aposta tecnológica. Encabeçada por grandes editores do setor de comunicação e desenvolvimento das editoras, como Joe Quesada (Marvel) e Jim Lee (DC), o futuro deste novo modelo ainda está por ser escrito. Cabe agora a eles um momento de reflexão e planejamento focado nas potencialidades e possibilidades do fantástico novo mundo digital.
Como Umberto Eco destacou, a cultura trata-se de um cemitério de livros e objetos desaparecidos para sempre, e é nossa função saber o que deve ser mantido e o que ser descartado, para permitir que sigamos adiante, numa trilha guiada pelo senso de evolução. Este é o momento onde os profissionais da área devem se mobilizar para analisar metodicamente o que pode surgir no dia do amanhã da maneira mais positiva possível.
A Marvel, foco principal dessa minha análise, tem uma estratégia que pode mudar muito a forma com que o mercado editorial de histórias em quadrinhos funciona há décadas. Ela propôs o pagamento de royalties aos artistas envolvidos no processo de criação do produto, algo que nunca antes havia sido vislumbrado. Muitos autores, inclusive, lutaram por isso tem muito tempo, porém suas esperanças eram ínfimas. Esse novo vislumbre de relação interna ao meio pode fazer uma considerável diferença nas ponderações finais da adoção do modelo digital.
Afinal, podemos falar o que quisermos, porém apenas o futuro ditará os rumos que serão necessários tomar para que as editoras possam sempre contar com aquilo de que mais essencialmente dependem, o cliente.
Bibliografia:
DARNTON, Robert. A Questão do Livro, editora Companhia das Letras, 2010.
ECO, Umberto e CARRIÈRE, Jean-Claude. Não Contem com o Fim do Livro, editora Record, 2010.
MENDO, Anselmo Gimenez. Histórias em Quadrinhos – Impresso vs. WEB, editora UNESP, 2008.
GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as Novas Mídias – Do Cinema às Mídias Interativas, 2003. Editora SENAC São Paulo, 2ª edição, 2008.
2 comentários:
Um absurdo o preço q estão querendo cobrar pelo produto digital, que tem um custo infinitamente menor!
Fábio, para chegar no preço dos quadrinhos de mercado, é preciso levar em conta o trabalho ainda manual que é a produção da arte, sua arte-final e a cor. Todas as etapas tem um custo e desgaste de trabalho ainda. Acho que com o tempo, os custos serão melhor adequados à produção digital, mas nessa primeira etapa de relação com o público, o preço ainda está no que eu chamaria de estado primitivo, porém, que passará por incontáveis fases de adaptação ao mercado consumidor do novo formato do produto. A Marvel já está estudando uma nova forma de administração dos custos, como disse no artigo, propondo-se a pagar royalties aos artistas envolvidos na criação da história. Mas por enquanto há apenas ponderações. Estudaremos de perto os futuros movimentos conforme acontecerem, só assim algo pode ser dito com certeza nesse novo mundo digital em que estamos cada vez mais dentro.
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