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segunda-feira, 7 de dezembro de 2015

ComiCon XPerience 2: Dia 4

Por Gabriel Guimarães


No último dia da segunda edição da ComiCon XPerience, o público começou com bastante energia, recebendo efusivamente o ator norte-americano Misha Collins no Auditório Cinemark. Admiradores de seu personagem no seriado "Supernatural", muitos dos quais estiveram presentes no bate-papo com o ilustre convidado, estavam fantasiados conforme o figurino utilizado pelo mesmo. Não foi, porém, apenas nessa ocasião que os cosplayers foram destaque no dia. Em meio a muitos acontecimentos incríveis e maravilhosos, uma nota muito ruim acaba sendo necessária de ser registrada aqui. Membros da mídia tradicional que estavam cobrindo o evento causaram um grande alvoroço pela abordagem que deram aos dedicados fãs que foram à caráter para celebrar o momento positivo que a cultura pop vem alcançando nos últimos tempos. Além dos corriqueiros deslizes, causados por pesquisas incompletas (ou inexistentes, em alguns casos) sobre o conteúdo com que estavam trabalhando, repórteres do programa Pânico na Band grosseiramente assediaram algumas cosplayers, chegando a lamber uma delas e a tratá-las com considerável descaso e desrespeito. Naturalmente, os organizadores do evento foram informados (se não diretamente, o foram pela enxurrada de críticas ao grupo presentes nas mídias sociais) e se mostraram igualmente inconformados com a postura da equipe de filmagem e, por meio do site Omelete, emitiram, no início da tarde do dia 7 de dezembro, uma nota banindo o programa de futuras programações da CCXP, a fim de que todos saibam que o evento trata de proporcionar uma atmosfera agradável a todos e um convívio saudável para todos os admiradores dos diversos veículos de expressão cultural presentes no pavilhão da São Paulo EXPO. A nota emitida pela equipe responsável pelo evento pode ser conferida no link aqui.

Os cosplays estiveram realmente de excelente qualidade

Felipe Massafera foi um dos artistas
brasileiros mais procurados
Tirando esse incidente grave, os cosplayers puderam participar de concursos realizados na área do estande da editora JBC, onde o clima foi muito amigável e a confraternização foi a ordem do dia. Haviam figurinos de personagens conhecidos do universo dos quadrinhos, games, cinema e televisão, com destaque para o casal Coringa e Arlequina, como os mais fáceis de ser encontrados pelos corredores da CCXP. O jovem herói Finn, do desenho "Hora de Aventura", também foi outro dos mais populares entre o público de cosplayers. Entre fotos com o público e a árdua jornada nos estandes de colecionáveis, os cosplayers ainda foram conferir de perto os artistas brasileiros presentes no evento, como Alzir Alves, José Luis, Klebs Jr, Cris Peter, Eddy Barrows, Paulo Crumbim, Felipe Nunes, Cristina Eiko, Felipe Massafera e Gustavo Duarte. A já mencionada Cris Peter (colorista já reconhecida no mercado nacional como uma das mais qualificadas profissionais dessa geração, tendo prestado serviços tanto para os estúdios MSP quanto para editoras internacionais), inclusive, participou de um pertinente debate sobre a presença e representação das mulheres na cultura pop, ao lado de outras artistas como Meredith Finch (uma das responsáveis pelo título da "Mulher-Maravilha"), Érica Awano (desenhista responsável pela série brasileira "Holy Avenger" e pela adaptação de "Alice no País das Maravilhas", publicada pela Dark Horse) e Lady Lemon (reconhecida cosplayer argentina, que foi, ainda, convidada para participar da banca de avaliação do Concurso de Cosplay da CCXP e que, através de sua escola dedicada ao segmento, leva adiante técnicas de figurino para muitos interessados até do campo do cinema).

Outro debate que foi muito importante para o momento atual da arte sequencial foi realizado em seguida, com os quadrinistas Cadu Simões e Scott McCloud, sobre a evolução das webcomics e o momento atual dessa vertente, que teve, no estande da Social Comics, um grande aliado. Carinhosamente apelidada de "Netflix dos Quadrinhos", a empresa tem como proposta oferecer ao leitor brasileiro acesso via streaming para um acervo considerável (e crescente) de títulos de quadrinhos, tanto publicados por editoras quanto de autores independentes, por um preço fixo mensal de R$19,90 até o momento. Aproveitando justamente a agitação do mercado, como  Cadu e McCloud comentaram no auditório, os responsáveis pela Social Comics trouxeram uma enxurrada de grandes novidades para a CCXP, como a chegada na plataforma dos quadrinhos da Turma da Mônica, o acordo com a editora norte-americana Dark Horse, o início de trabalho com conteúdo exclusivo para os assinantes do serviço (tal qual a já mencionada Netflix), e a contínua expansão do catálogo imenso de obras que já dispunham. Vale destacar que um mês antes da ComiCon, o grupo dono do site Omelete desembolsou uma cifra substancial para adquirir uma participação no desenvolvimento da plataforma, dando-lhe ainda mais credibilidade e mostrando que é uma vertente importante no futuro próximo do mercado editorial brasileiro de quadrinhos. O estande da Social Comics ainda contou com a presença de muitos artistas em interações com o público e sorteou autógrafos de uma das lendas dos quadrinhos, o roteirista Frank Miller, convidado de honra dessa edição do evento. Vale a pena ficar de olho no que ainda vem por vir!



No estande da editora Aleph, o jornalista Chris Taylor esteve autografando seu livro "Como Star Wars Conquistou o Universo", publicado recentemente para aproveitar a excitação do mercado com o novo filme da série cinematográfica criada por George Lucas, e que estreia, dentro de poucos dias, nos cinemas do mundo inteiro. Para aproveitar esse momento, a empresa de sandálias Havaiana montou, também, um estande dedicado aos personagens da aventura espacial, com direito a uma réplica da casa de Luke Skywalker em Tatooine. Elementos de "Star Wars", contudo, não se restringiram aos estandes, e ganharam variadas formas e tamanhos em ações publicitárias e cosplays trabalhados ao longo de todo o pavilhão. Basta agora aguardar o novo filme e torcer para que o capítulo prestes a ser escrito com esses personagens, tão queridos pelo grande público, possa proporcionar momentos tão intensos e memoráveis como seus predecessores das décadas de 1970 e 1980. Que a Força esteja com esse novo filme!

A ComiCon XPerience de 2015 vai, assim, chegando ao fim e, tal qual a edição de 2014, deixa uma sensação boa na memória daqueles que puderam estar presentes. Novamente focada em proporcionar momentos e experiências únicos, o evento foi bem sucedido em sua empreitada, e a esperança é de que alcance, a cada ano e edição, novos patamares e satisfaça ainda mais pessoas. A certeza maior que fica, não tão curiosamente, é semelhante ao encerramento do evento no ano passado: #FoiÉpico!

quinta-feira, 4 de outubro de 2012

As Similaridades Entre o Estudo Antropológico e o Discurso Quadrinístico

Por Gabriel Guimarães

Conforme pode ser concluído a partir de textos como os do sociólogo Roy Wagner, a exemplo dos presentes em sua obra “A Invenção da Cultura”, a constituição do “ser” depende fundamentalmente da relação deste com o contexto em que está inserido, ou seja, sem as determinadas circunstâncias socioespaciais e comportamentais de que ele faz parte, seria irrelevante a determinação de uma “identidade” deste, em si. Da mesma forma, se dá a constituição de termos como “cultura” e “sociedade”, que dependem invariavelmente de todos os fatores externos a eles para serem compreendidos como aspectos determinantes no convívio social.

Wagner explora as diferenças entre os povos analisados pelos antropólogos como sendo responsáveis não apenas pela formulação de nossa compreensão sobre eles, mas também para a reafirmação de nós mesmos e nossas tradições e costumes. Através da análise das diferenças que tangem o habitat social nos diferentes cantos do planeta, é que conseguimos chegar a uma compreensão mais abrangente sobre o nosso próprio ambiente social.

Muitos autores da narrativa em história em quadrinhos se tornaram mundialmente conhecidos pelo papel analítico deste ponto de vista antropológico sobre seus personagens. Seja nas histórias do marinheiro “Corto Maltês”, do italiano Hugo Pratt, nas intrépidas investigações do repórter “Tintin”, do belga Georges Remy (mais conhecido pelo seu pseudônimo, Hergé), nas observações do contrato social a que estamos todos submetidos nas grandes metrópoles e o papel deste na constituição das histórias e dramas dos seus habitantes, marca das histórias do americano Will Eisner, ou mesmo na crítica da discriminação, presente desde o começo das histórias dos “X-men”, criados por Stan Lee e Jack Kirby na década de 1960, porém, cuja fase de maior sucesso e que se focou neste ponto mais especificamente fora conduzido pelo britânico Chris Claremont com desenhos de artistas variados, dentre os quais, se destaca o talentoso John Byrne, cerca de vinte anos depois, o discurso dos autores sempre procurou expor a crítica social com relação a questões vigentes no período em que seus trabalhos estavam sendo publicados.

Para o mundo em que vivemos hoje, onde a veiculação da informação quebrou barreiras geográficas antes altamente limitantes do ponto de vista cultural, é fundamental termos a compreensão das demais culturas que nos cercam, dando ênfase ao fato de que, quanto mais culturas nós conhecemos, melhor somos capazes de nos delinearmos com determinadas linhas de raciocínio, algo que antes era apenas possível àqueles que viajavam longas distâncias, como os personagens de quadrinhos europeus citados no parágrafo anterior.

Um dos primeiros a trabalhar com a questão da diferenciação da identidade dentro da sociedade e das formas como isso era absorvido culturalmente nos Estados Unidos dentro dos quadrinhos, o roteirista Stan Lee, abordou questões que vão muito além da superficialidade do universo dos quadrinhos de super-heróis. Sendo posteriormente complementado e tido seu discurso atualizado por Claremont, Lee demonstrou de forma metafórica os efeitos da discriminação racial através de seus personagens mutantes mencionados anteriormente, que carregavam dentro de seu DNA um fator a mais que não era de posse dos demais habitantes do cenário social, sendo tratados, assim, de forma diferenciada e menosprezada. Conforme o professor de comunicação social e editor Mário Feijó destacou em seu livro “Quadrinhos em Ação – Um Século de História”, e o sociólogo Nildo Vianna apontou em sua obra “Heróis e Super-heróis no Mundo dos Quadrinhos”, Lee foi um dos autores que revolucionou o setor desse gênero de quadrinhos ao trazer para dentro das histórias, as questões que estavam em vigor na sociedade no momento em que estas eram consumidas, dentre as quais a segregação racial era algo realmente determinante durante a década de 1960. Lee trouxe esse debate para seus leitores em histórias que serviam para observar os dois lados da questão, tanto dos discriminados quanto dos discriminantes, em aspectos emblemáticos, como a comparação entre o líder de seus heróis, o “Professor Xavier” e o pastor Martin Luther King, na luta por uma sociedade mais igualitária; e na comparação entre o seu grande rival na história e antigo amigo, o vilão “Magneto” e o revolucionário Malcolm X, reflexo da revolta dos discriminados que acabavam por cometer os mesmos erros de seus discriminantes, trocando violência por mais violência e intolerância. Neste quesito, Vianna destacou acertadamente que “o mundo dos super-heróis, como mundo do extraordinário, é palco das manifestações dos valores de seus produtores (...) e, ao mesmo tempo, do inconsciente coletivo”. Lee criou um grupo que se tornou um marco para a luta social que acontecia, e trouxe o mundo real para as páginas de quadrinhos mensais de uma forma que jamais deixaria de ser trabalhada posteriormente ao seu período como profissional da editora Marvel.

Na Europa, entretanto, esse discurso do contato entre as identidades e culturas diferentes já vinha de muito tempo antes do trabalho de Stan Lee nos Estados Unidos. O belga Remy trabalhara desde o ano de 1929 em seu grande personagem, o repórter “Tintin”, para abordar assuntos interessantes e instigantes das demais culturas do mundo e, a partir de 1969, ganhou outro grande parceiro nesse objetivo de uso para os quadrinhos, o italiano Hugo Pratt, que vivera em constante mudança ao longo de sua vida por conta de sua carreira naval e que havia se maravilhado com o universo fantástico apresentado nas histórias de autores como Joseph Conrad e Herman Melville, estando, então, determinado a passar para o papel suas experiências e devaneios na figura de seu personagem “Corto Maltês”.

O cidadão congolês  Bienvenu Mbutu Mondondo, junto do
Conselho Representativo de Associações Negras (CRAN),
da França,  requisitou a proibição da venda do livro "Tintin
no Congo", do belga Hergé
 
Enquanto Pratt levou seu navegador a cruzar o mundo inteiro, passando por países de todos os continentes, experimentando das situações políticas mais variadas, e testemunhando cenários dos mais diversos culturalmente possíveis, indo das savanas africanas ao deserto árabe, passando pelos oceanos de posse internacional e pelo matagal sul-americano; Hergé procurou detalhar ao máximo possível os ambientes e tradições culturais que cercavam seu repórter, realizando ou pessoalmente ou através da sua equipe de estúdio, pesquisas meticulosas acerca das culturas mais longínquas que pudessem vir a ser abordadas. Neste quesito, infelizmente, o belga acabou caindo em uma armadilha que o tempo e o desenvolvimento sociocultural lhe pregaram. Em 1931, quando o Congo ainda era uma colônia de exploração francesa, Hergé mandou seu personagem para lá em uma de suas primeiras aventuras, adaptando todo o material que lhe era disponível na época sobre o assunto. Anos mais tarde, o autor foi acusado de racismo e de ter caracterizado tanto os habitantes quanto a cultura dos congoleses de forma pejorativa. Na sua história biográfica, lançada em quadrinhos na Europa ano passado, sob o título “The Adventures of Hergé”, produzida pelo trio francês Jose-Louis Boucquet, Jean-Luc Fromental e Stanislas Barthelemy, é mencionada a frustração com que o autor recebia esses comentários acerca de sua obra. É necessário compreender a disponibilidade corrente de informações que temos hoje e a que existia para ser utilizada pelo criador de “Tintin” na sua época, o que denota a datação de sua história em particular, não a tornando universal, como alguns acreditam que esta seria, mas sim como um retrato histórico de como a colônia era regida na época pelos seus colonizadores.

A antropóloga Margareth Mead, durante sua
etapa de pesquisa, na Samoa Americana
Igualmente, tal evento pode ocorrer no núcleo de observação dos antropólogos. Conforme pode ser observado nas discussões acerca da veracidade de informações coletadas por estes, é relevante lembrar o caso da americana Margareth Mead e seu estudo acerca da vida sexual das garotas da região da Samoa americana, onde ela estabeleceu moradia por bastante tempo e foi abastecida de informações pelas garotas jovens da região, posteriormente rendendo-lhe conteúdo para seu estudo sobre as diferenças de sexualidade e da forma como o ato sexual era socialmente visto no ambiente público nas diferentes culturas (neste caso, entre a cultura de Samoa e a norte-americana), se tornando uma referência quase absoluta no meio antropológico por anos e virando símbolo da cultura hippie que crescia na época de sua publicação, até que outros antropólogos, como Derek Freeman e Martin Orans, fossem confirmar os dados reais do assunto, que não bateram com os que Mead havia apresentado inicialmente. Essa disparidade não se deu por uma distorção dos dados colhidos por Mead, mas sim por conta de informações erradas que foram passadas à antropóloga durante sua pesquisa. O discurso desta, então, tornou-se novamente assunto de discussão, levantando dúvidas acerca de sua credibilidade, porém, sua importância em apresentar o papel da mulher no cenário antropológico global e da sexualidade como elemento de repercussão e diferenciação social se tornaram inegáveis. Igualmente, é possível observar o discurso de Hergé, que fora abastecido das informações da época em que concebeu seu trabalho, diferentes da percepção que temos hoje sobre a vida no Congo africano. Por mais que o assunto não tenha sido trabalhado com a veracidade que se acredita hoje, não é necessário negar toda a importância à que o autor da obra está merecidamente atribuído.
 
Concluindo, o trabalho dos quadrinistas está intrinsecamente ligado à cultura da qual eles fazem parte e, por mais que possa haver casos do uso de estereótipos (que ainda ocorrem em demasia, infelizmente), tal qual existe a preocupação ética do antropólogo em produzir um trabalho digno e merecedor de credibilidade ´para todos os envolvidos no projeto, desde as sociedades estudadas à sociedade onde o estudo será veiculado, o mesmo ocorre com o mercado editorial de quadrinhos, que se preocupa em oferecer histórias de entretenimento e reflexão que respeitem a maior quantidade de leitores possível sem, entretanto, negar suas próprias origens culturais.

quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Imersão, Cognição e o Novo Papel dos "Fãs"

Por Gabriel Guimarães

Em 2006, o comunicólogo Henry Jenkins III apontou em seu livro “Cultura da Covergência” as principais mudanças que estavam sendo causadas naquele momento pelas ascendentes redes sociais e demais canais de comunicação online. Com uma apresentação abrangente e capítulos focados em assuntos específicos,o livro se tornou uma referência para o estudo do efeito das tecnologias no relacionamento entre as marcas e seus consumidores, porém, passados alguns anos de seus estudos, muitos avanços ocorreram, e a sociedade passou por uma transição ainda corrente, que levará algumas das ponderações de Jenkins ainda mais além do que ele previra. O capítulo “Guerra nas Estrelas por Quentin Tarantino?” é um grande exemplo desse evento.


Com o avanço dos dispositivos tecnológicos e a nova lógica de interação social, a forma como se dava a transferência de conteúdo sofreu mudanças determinantes, e todos os envolvidos no processo, independente de poder de representação, passaram a ser peças ativas, com capacidade de se posicionar e alterar de alguma forma o processo clássico de comunicação. Jenkins inicia seu capítulo por definir a diferença entre a interatividade e a participação dos consumidores midiáticos frente a essa nova realidade, uma vez que os “fãs”, grupo de espectadores e/ou leitores mais ativo do setor de entretenimento que não se satisfazem com apenas aquilo que lhes é dado pela indústria de forma oficial, foram os primeiros a dominarem o dispositivo eletrônico enquanto divulgador de opiniões.

Enquanto a interatividade encontra limitações na barreira tecnológica, pois depende dos recursos que um determinado programa permita utilizar, a participação é plena e livre. A interatividade surgiu para tentar controlar e receber o feedback do público da comunicação veiculada na mainstream, enquanto a participação diz respeito ao poder desse público de interagir com esse mesmo conteúdo comunicativo. Para exemplificar essa diferença, Jenkins comenta de vários vídeos produzidos pelos fãs do universo de Star Wars que obtiveram grande sucesso. Fora das criações de George Lucas, porém, há também casos muito conhecidos dessa participação ativa dos fãs, através principalmente das fan fictions, ficção original feita pelos fãs a partir de um produto midiático previamente estabelecido. Sites como o incrivelmente amplo fanfiction.net e o blog Ultimate DC são alguns exemplos disso.

Algumas empresas ligadas ao mainstream, entretanto, com essa mudança, passaram a se preocupar com uma possível perda de domínio sobre o conteúdo criado por fãs em cima de suas principais fontes de renda, o que levou a indústria como um todo a uma divisão no que se refere ao seu posicionamento com essa participação do consumidor: enquanto umas viram nesse elemento uma forma de divulgação sem custos financeiros e que ganha mais força de credibilidade junto aos fãs, sendo portanto denominadas cooperativistas; outras optaram por um protecionismo exacerbado, protegendo seu conteúdo de quaisquer violações de direitos de domínio, sendo chamadas, dessa forma, de proibicionistas.

Desse ponto, Jenkins traça um histórico da cultura enquanto comércio no cenário norte-americano ao longo do século XX, quando ocorreu uma transição do mercado popular para o mercado de massa. Com isso, muitas das criações que antigamente eram expostas nas grandes praças em tom de balada, poesia ou de teatros amadores, passaram a ocupar um cenário mais escondido, o underground, para que, dessa forma, as grandes marcas e empresas pudessem ocupar todo o cenário de maior destaque da mídia com suas criações produzidas para uma quantidade cada vez mais numerosa e amorfa de consumidores.

Nesse contexto, muitos admiradores do material mais conhecido pelo público passaram a guardar para si o conteúdo de fã que eles produziam por conta própria, como uma referência ou homenagem àquele universo ao qual eles dedicam tanta atenção, ao invés de divulgá-lo aos demais, como seria feito em tempos passados. Isso tudo mudou com o advento da internet, que permitiu, enfim, uma interação viva e muito ativa desses fãs produtores com os demais fãs, gerando dessa forma alguns casos aclamados desse conteúdo, como são o caso de web séries como a brasileira “CSI: Nova Iguaçú” e a americana “Mortal Kombat: Legacy”, esta última, apesar de ser feita de forma oficial, incentivada pela própria Warner Brothers, que detinha os direitos de imagem do game de sucesso, começou com um curta não-oficial produzido com os recursos do próprio diretor, Kevin Tancharoen.

Apesar das preocupações com os limites de uso do conteúdo midiático da mainstream, que levou o professor da faculdade de direito de Stanford e escritor Lawrence Lessig a fundar uma empresa de gerenciamento de marca voltada para a defesa do criador do conteúdo em equilíbrio com os direitos de consumo daquele conteúdo pelo público, a Creative Commons, em 2001. Com uma tabela detalhada em diferentes planos de proteção, mediante a liberdade que seria pretendida dar aos consumidores pelo autor, o sistema conseguiu muitos adeptos,como o quadrinista brasileiro Cadu Simões, e hoje parece ser a melhor forma de gestão dos direitos autorais com o advento dos aparelhos eletrônicos.

Deste ponto, Jenkins passa a concentrar seu estudo na condição do autor enquanto amador, utilizando desse conteúdo previamente conhecido na indústria como forma de divulgar seu próprio estilo e capacidade de trabalhar. Destacando o filme amador como porta de entrada para grandes diretores do cinema, como Steven Spielberg e o próprio George Lucas, ele aponta como essa nova forma de interação com esses elementos do imaginário popular coletivo dos tempos atuais geraram potencial para o surgimento de novos nomes da indústria do cinema. A web se tornou, dessa forma, um local para explorar o potencial criativo dessas pessoas e, assim, forneceu material bastante interessante a quem o procurasse, como, por exemplo, a web série "Lado Nix", que possui dezenas de referências a elementos da cultura pop comum a uma grande margem do público de mainstream, porém trata de personagens originais e tem divulgação ligada a veículos de comunicação menos massificados.

Jenkins ainda comenta o surgimento de competições de filmes amadores feitos com câmeras de menor resolução como a Pixelvision, quase uma marca registrada da mídia alternativa pelas limitações de sua produção e a similaridade da imagem amadora da sua produção a vídeos caseiros. A partir desse interesse em promover os projetos pessoais de aspirantes a diretores cujos recursos disponíveis à mão são os dos amadores, surgiu também a proposta do grupo Machinima, que tem como objetivo incentivar a produção de conteúdo amador ligado a games. Atualmente, essa produção com meios amadores tem recebido muitos incentivos, como, por exemplo,concursos culturais e festivais de filmes produzidos apenas com a câmera de celulares. Outras produções, como a Dorkly Bits, seguem já na proposta de usar os games como forma de gerar conteúdo inédito, mas com material presente na cultura popular do público.

Ao observar esse crescente interesse do mercado em expandir seu material original, o diretor George Lucas procurou uma forma de permitir ao público se tornar parte do universo de personagens que admiram tanto, com algumas limitações para que não houvesse uma perda de valores da versão oficial. Inicialmente feita de forma mais livre, a partir de 1981, porém, a empresa do criador de Star Wars, a LucasArts, passou a ter que notificar alguns dos escritores de fanfic que levavam o conteúdo da série para o ramo da pornografia, o que violava o caráter que os personagens deveriam manter. Com isso, a política de tolerância de Lucas caiu muito, e alguns fãs mais revoltados alegaram que ele estava se comportando como um “Wookie” de 200 quilos que andava mal humorado e soltava alguns resmungos eventualmente. O grande problema foi a extremidade de cada uma dessas posturas, ao invés da procura por um meio termo na política de produção dos fãs.

Em contrapartida à postura de controle praticada em grande parte dos Estados Unidos, Jenkins destaca o caso da divulgação de animações e quadrinhos japoneses feita pelos fãs desse material dentro das faculdades norte-americanas. Incentivada pelos distribuidores, que tinham seus custos de exportação reduzidos através dos serviços prestados gratuitamente pelos fãs, como a criação de legendas e a promoção do material, o clamor pelo material de entretenimento japonês floresceu em uma grande estratégia de valorização de marca. Enquanto muitas empresas dos Estados Unidos veriam como atitudes invasivas aos seus direitos patrimoniais sobre aquele conteúdo midiático, as empresas japonesas viram como forma de ampliar seu mercado, gerando um aumento acelerado da procura pelo material relacionado àquele conteúdo e levando os revendedores das tradicionais comic shops americanas a correr atrás da demanda do público.

A partir deste ponto, Jenkins entra em outro dos principais tópicos do capítulo, a questão da participação plena do fã no universo de conteúdo que tanto admira, ou seja, a imersão. Iniciada de forma ainda precária, com os jogos de RPG de tabuleiro, onde cada jogador criava um personagem com características de acordo com sua preferência para integrar o universo ficcional em que o jogo toma parte, a questão da imersão dentro da fantasia sempre foi algo bastante discutido.

Uma vez que as tecnologias trazem consigo mudanças para a interação social habitual, não é nenhuma surpresa que algo semelhante ocorrera em relação aos jogos de rolagem de dados (Role Playing Games). Com a popularização da internet, foram surgindo novas tentativas de gerar uma participação em um jogo eletrônico de aventura que simulasse o máximo possível a emoção e dedicação que o jogo físico trazia, e dessa forma, surgiram os primeiros modelos de MMORPGS, ou seja, RPG para múltiplos jogadores online. Conforme destacou Raph Hoster, desenvolvedor do game Star Wars Galaxies, para os jogadores, não se trata de apenas um jogo, trata-se, da fato, de um mundo inteiramente novo, de uma comunidade altamente participativa. Com isso em mente, muitos desenvolvedores passaram a se empenhar na transmissão do sentimento de posse para os jogadores sobre aquele conteúdo com o qual interagiam. Não mais bastava realizar as regras fixas do jogo, agora, o que todos queriam era fazerem as próprias regras para seus próprios jogos, se fundindo, dessa forma, de vez ao universo em que o jogo é ambientado.

Essa tamanha gama de possibilidades entregue às mãos dos fãs foi algo que uma vez realizado, não havia mais como voltar atrás, e mediante a incerteza dos resultados que isso daria, o jogo se tornou, de certa forma, um universo em si mesmo, com a variabilidade de escolhas que caracterizam a vida real, ainda que transmitida de forma um tanto parcial, mediante os parâmetros do jogo. O jogo se tornou tão real, que virou a realidade de alguns jogadores, e a renda que estes obtinham em seus empregos fora do virtual passou a ser gasta com bens produzidos especificamente para a ficção da qual tomavam parte. Essa é a questão que Jenkins aborda ao analisar os shoppings do jogo The Sims, onde o conteúdo é gerado pelos próprios usuários e consumido pelos próprios usuários, praticamente sem qualquer intervenção por parte dos desenvolvedores do jogo. Algo semelhante pode ser observado no recente jogo de MMORPG que foi lançado pela editora de quadrinhos DC comics em parceria com o setor de games da Warner e da Sony, o DC Universe Online. Lançado no meio de 2011, foi apenas em novembro que o jogo passou a ser liberado de graça para quem tivesse interesse de baixá-lo em seus consoles de Playstation 3 (de propriedade da Sony) ou em seus computadores. Ao ser lançado de forma paga inicialmente, o jogo atraiu os fãs mais ávidos e ansiosos, que compraram o jogo e gastaram uma quantidade considerável de dinheiro com ele, para, então, liberar para que todos os demais pudessem participar e ter um gosto inicial, quase uma prova da liberdade incrível que o jogo disponibiliza. Apesar de essa estratégia parecer um tanto confusa, ela já foi posta em prática por outros games de MMORPG antes, e consiste no oferecimento de pacotes personalizados para o interesse particular de cada consumidor. Enquanto há o pacote grátis, que provocou, inclusive, um aumento de 3 mil usuários para 280 mil usuários em pouco mais de um mês, há outros dois pacotes de uso do jogo que podem ser adquiridos a qualquer momento pelo usuário, basta que ele assim o requisite. O primeiro custa cerca de 7 dólares mensais, e dá alguns benefícios extras, mais espaço no inventário de itens que o personagem carrega consigo e mais capacidade de armazenar o dinheiro do jogo, utilizado para comprar itens especiais. O outro pacote, ao preço de 15 dólares por mês, já dá liberdade total, com uma capacidade infinita de armazenamento de dinheiro virtual, um inventário vasto para qualquer desejo do usuário, e a capacidade de formar sua própria liga de heróis com outros usuários a que tenha afinidade. Tudo depende apenas do desejo do consumidor, e mesmo quem não tem hábito de gastar dinheiro nos jogos eletrônicos, acaba se vendo interessado em adquirir alguns desses benefícios, para, dessa forma, crescer enquanto personagem do jogo.

Apesar do empreendedorismo de Hoster, porém, os resultados de venda do jogo Star Wars Galaxies não foi exatamente o esperado, principalmente em virtude da concorrência quase imbatível do recém lançado World of Warcraft. Os números finais do game da LucasArts, apesar de enganosos, acabaram por levar a diretora-sênior Nancy MacIntyre a alegar que os fãs não queriam ter o trabalho de criar nada, mas apenas se sentirem na pele dos personagens já consagrados na série de cinema. Essa afirmação causou grandes represálias por parte dos fãs, que se sentirem desrespeitados em seus direitos com aquele conteúdo, como se estivessem numa posição de submissão aos desígnios da empresa produtora dos games.

É neste ponto que termina o capítulo “Guerra nas Estrelas por Quentin Tarantino?”, de Henry Jenkins, porém, vale destacar alguns desdobramentos que são percebidos atualmente com relação à participação do fã na geração de conteúdo midiático relacionado a universos ficcionais previamente estabelecidos. A própria LucasArts parece ter percebido o quão infeliz fora a afirmação de MacIntyre, e está prestes a lançar o game Star Wars Old Republic, onde o quase infinito número de possibilidades de escolha permite ao usuário se tornar verdadeiramente parte daquele material. Ao mesmo tempo, vendo o sucesso de sua grande concorrente no setor de histórias em quadrinhos de heróis com o jogo DC Universe Online, a editora Marvel também está prestes a lançar uma versão sua no setor de MMORPG, e isso com certeza atrairá muito o público que lia as revistas dessa grande casa de idéias e também sempre sonhou em fazer parte de todo esse universo mirabolante. Entretanto, hoje, mesmo em outras formas de jogo, é possível perceber o quanto a questão da personalização, customização, vem se tornando um elemento diferenciador e um atrativo quase que fundamental. Basta que se observe os jogos eletrônicos de futebol, onde o usuário pode criar seu próprio jogador e montar uma carreira com ele, mudando de times, chegando ao ponto de ser convocado para a seleção do país ao qual atribuiu seu jogador. A imersão hoje é um pré-requisito para o interesse do público, e seu grau de profundidade é algo que ainda merece estudos mais detalhados para o futuro.

sábado, 18 de dezembro de 2010

A Miscelânia de Culturas e o Contato entre as Identidades nas Obras do Corto Maltese

Por Gabriel Guimarães

Histórias em Quadrinhos como agregador cultural:


Desde seus primórdios como meio de comunicação de massa, as histórias em quadrinhos demonstraram ser um ambiente onde o contato entre as diferentes culturas é abordado de forma essencial. Na história em quadrinhos que é até hoje considerada oficialmente como a primeira com a finalidade de atingir os grandes públicos, “Down Hogan’s Alley”, publicada no jornal New York World, narrava a história de um garoto de origem asiática (posteriormente chamado de Yellow Kid) que mora nos bairros mais pobres de Nova York, dando destaque à enorme quantidade de culturas da qual a cultura norte-americana se constituiu no começo do século XX.

Seu autor, Richard Outcault, também foi o responsável por introduzir o balão de fala nas histórias e pelo cunho dado ao jornalismo de imprensa amarela, advindo da sua transferência junto de seu personagem mais conhecido do jornal onde fora lançado para um outro concorrente, sendo que ambos permaneceram produzindo conteúdo, com autores diferentes para um mesmo elenco de personagens, o que levou alguns críticos da época a atacar os jornais de só quererem vender jornal e não de entreter de forma responsável o público. Apesar disso tudo, a alta popularidade da história inventada por Outcault demonstrava que o povo americano era de fato uma mistura de diversas culturas, provenientes de vários lugares do mundo, e que se sentiam relacionados de alguma forma àquelas narrativas inter-étnicas e inter-culturais.

Conforme o tempo passou, as histórias em quadrinhos foram se dividindo em diversos gêneros com seus públicos-alvo se ramificando em nichos, ainda que muito superficialmente no começo, entretanto, sempre era possível perceber que as diferenças cultuais eram um tema tratado com uma delicadeza particular. Os alemães e chineses nos quadrinhos da Marvel, DC e Fawcett comics durante a Segunda Guerra Mundial e por um considerável período de tempo depois; os muitos países visitados pelo personagem Tintin, do belga Hergé, que mostravam muitas vezes apenas uma caricatura do que alguém de fora vê ao invés de uma versão inteiramente realista dos habitantes daqueles lugares; o vilão de aparência asiática nos quadrinhos de Flash Gordon, do talentoso artista Alex Raymond; entre muitos outros.

O continente africano, então, é um grande exemplo disso. Apresentado inicialmente pelo personagem Tarzan e depois pelo igualmente heróico Fantasma, os cenários eram sempre retratados de uma forma misteriosa, como uma terra abundante de seres diferentes dos de qualquer outra região do globo e cujo povo andava sempre junto, em tribos fechadas com seus rituais característicos. Nos quadrinhos de Tintin, a diferença entre a civilização européia e a africana, já por outro lado, marcou algo que foi muito debatido nos centros de discussão da nona arte: sobre o predomínio cultural entre os países e as influências nessa percepção do período colonialista em que os países africanos passaram sob controle de uma cultura diferente da deles.

Destoando da forma espetacularizada com que era tratada a África, eis que na década de 1970 surge um personagem que a olhou nos seus olhos mais reais, como uma cultura diferente que merece ser igualmente respeitada. Corto Maltese desembarcou nos cenários selvagens para mostrar que há mais do que simplesmente mistério naquele continente, há histórias e experiências de vida únicas que merecem ser conhecidas. E tudo isso com certeza veio da influência que seu talentoso autor Hugo Pratt sofreu de suas viagens ao redor do mundo, o que lhe pôs em contato com as mais diversas culturas e etnias, expandindo sua visão de mundo e de vida.

Base cultural do autor Hugo Pratt:

Nascido num pequeno povoado próximo à cidade de Rimini, na Itália, Hugo Pratt não passou muito tempo fixo em um local só, o que lhe permitiu expandir de forma incrível seu entendimento de termos como cultura e comunicação. Logo aos dez anos, se mudou com sua família para a Etiópia, ainda chamada na época de Abissínia, quando seu pai teve a oportunidade de se tornar chefe de estaleiro de uma estrada em construção que ia de Assab a Dessié. Para Pratt, a experiência de deixar Veneza, onde já estava morando com sua mãe, para ir para a África foi, nas suas próprias palavras, “uma grande aventura”, e suas recordações da viagem de barco permaneceram vivas em sua mente pelo resto de sua vida.

Passando a morar na Etiópia, Pratt se viu completamente maravilhado com os cenários que via pela frente, preenchendo vários cadernos com desenhos do que via, uma vez que não possuía uma máquina fotográfica para gravar as imagens de forma definitiva. Sua memória gráfica se revelou uma das principais ferramentas que usou na sua carreira de artista, reproduzindo em várias obras ao longo de sua vida cenas específicas que testemunhou nesse período de tempo, como a relação dos ingleses, escoceses e demais europeus com o povo africano. Somente com dezesseis anos é que Pratt retorna à Itália, mas sem jamais ter esquecido a vida peculiar que levou no continente africano.

Passando por um período meio tenso na Itália de Mussolini, que era envolvido com a Alemanha nazista, ele se alista a contra-gosto no exército que dava apoio ao alemão, porém, consegue fugir após três semanas de serviço. Aos vinte anos, dava suas escapadas de Veneza, viajando bastante. Em 1947, visita uma outra série de países, dentre os quais Áustria, Inglaterra e França, até que, em 1949, um editor também italiano instalado em Buenos Aires o convida para trabalhar com ele, César Civita, com quem trabalharia por treze anos.

Uma vez na América, começa a entrar em contato com as diversas culturas abaixo da linha do Equador que influenciariam dúzias de histórias suas. Dentre essas culturas, encontrava-se a brasileira. Curiosamente, o editor que o empregou na Argentina era irmão do editor que fundou a Editora Abril no Brasil, Victor Civita.

Depois, regressa para a Itália em 1962, quando começou a colaborar com a revista de contos infantis il Corrieri dei Piccoli. Em 1967, conhece o artista Florenzo Ivaldi, com quem cria um personagem baseado em suas próprias características, o Sargento Kirk, primeiramente escrito por Héctor Oesterfield, ambientada na Guerra de Secessão norte-americana. Na primeira edição da revista, lança aquele que viria a ser seu mais famoso personagem, o marinheiro Corto Maltese.

A partir de 1970, passa a se dedicar exclusivamente às histórias de Corto, utilizando como referência todas as culturas e experiências que conheceu na sua vida de eterno viajante, conseguindo uma sólida reputação nos fumetti italianos (como os quadrinhos são conhecidos lá) e conquistando consagração internacional.

Corto Maltese e o relacionamento inter-cultural:



Tendo sido criado nos moldes dos personagens de autores de muito renome internacional, como Joseph Conrad, Stevenson e Hermann Melville, Corto Maltese demonstra um caráter particular muito distinto.

Sempre com a figura de um viajante incurável, nômade por natureza, Corto é em si mesmo uma figura que representa o acúmulo de culturas diferentes, uma vez que é filho de uma cigana de Gibraltar e um oficial da marinha britânica, e por toda a sua vida nunca parou por muito tempo em um lugar, estando sempre em movimento, em transição.

Como afirmam os estudiosos da nona arte, Carlos Patati e Flávio Braga, “na obra de Hugo Pratt, assim, realiza-se o maior projeto de comunidade e renovação dos quadrinhos de aventura”, pois Corto integra-se como habitante do mundo, sem fronteiras as quais obedecer, sem uma nação específica que lhe motive as ações ou lhe diga o que fazer.

Indagado sobre se o seu personagem e ele seriam a mesma pessoa, Hugo Pratt foge dizendo que há elementos sim com que ele se relaciona com seu personagem ficcional, porém infelizmente se trata mais de um agregado de eventos e experiências do que alguém individual. Afirma, porém, que ele pode ser encontrado em qualquer porto no litoral da América do Sul, cheio de histórias para contar (entrevista concedida pelo autor ao repórter Claude Moliterni que pode ser encontrada na introdução do livro “Corto Maltese – Sempre um pouco mais distante”, 2006).

Corto Maltese é, portanto, todos do mundo e ao mesmo tempo, ninguém, também. Seu destino está no vento, no mar, nas suas eternas desventuras sem limite de espaço, tempo ou cultura.

Casos específicos:

Tomemos como exemplo do relacionamento inter-cultural nas obras do Corto Maltese as histórias “Conga das bananas”, contido no livro “Corto Maltese – Sempre um pouco mais distante”, e “O Golpe de Misericórdia”, do livro “Corto Maltese – As Etiópicas”.

No primeiro caso, a história retrata o conflito no território hondurenho entre a união dos estados do norte (no caso, os Estados Unidos da América) e a população local, na época em que começavam a ser realizadas greves nas fábricas de banana. Em decorrência da Primeira Guerra Mundial, o preço das bananas entra em queda e a taxa de exportação começa a cair, o que leva a população de Honduras a se revoltar, começando a organizar greves nas indústrias fruticultoras.

A primeira greve que caracterizou esse momento se deu precisamente em 1917, contra a companhia de frutas Cuaymel, que foi severamente punida pelo próprio exército de Honduras. Em 1920, uma greve geral na costa do Caribe levou os Estados Unidos a reagirem de forma bruta, despachando navios de combate para a região. Em resposta, o governo do país sul-americano começar a repreender de forma mais firme os líderes locais dessas rebeliões.

Na obra de Pratt, Corto Maltese se vê acidentalmente no meio de um jogo de interesses políticos em conflito indireto. Mais interessados em conseguir dinheiro do que em proteger qualquer ideal, tanto os oficiais do norte quanto aventureiros da própria região lutam num vai-e-vem de interesses, sempre escondendo suas reais intenções.

É só na figura de Boca Dourada, antiga conhecida de Corto de quando ele estava na Bahia, que se encontra alguma firmeza de interesse, que vai além do dinheiro, mas sim no cuidado de seu povo, que ela diz, ao final, ter vencido a guerra das bananas.

A comunicação entre os defensores do norte e os defensores do povo de Honduras se dá de forma falsa, no sentido que os primeiros fingem querer proteger os habitantes da região que tenham descendência da mesma região de origem deles, quando na verdade, buscam apenas uma forma de manter uma fonte de lucro com o comércio da região. Acredito que eles buscam uma razão para não saírem da região pois os Estados Unidos havia mandado que regressassem ao solo americano por causa do ingresso na Primeira Grande Guerra, em 1917, porém, isso não é confirmado claramente.

Na segunda história, numa das obras mais aclamadas do personagem pela crítica internacional, Corto Maltese se vê, no capítulo em questão, “O Golpe de Misericórdia”, no meio do conflito entre um oficial britânico e o xeque somali que reuniu os dervixes contra os colonizadores ‘infiéis’, Mohammed Bin Abdullah Hassan, conhecido pelos ingleses pelo apelido de Mad Mullah.

Entretanto, uma das figuras mais significativas para o contexto histórico-político-religioso-cultural da história é, na verdade, um dos ajudantes de Corto, o nômade Cush, cujo nome, em si só, já representa uma referência à sua raça: os cuchitas. Tal qual Corto, Cush é um andarilho sem casa ou destino, porém, diferente do marinheiro europeu, é fiel ao mulá, à lei do Corão, e a luta de seu povo pela liberdade. Seu conflito com o oficial britânico na história, o capitão Bradt, se dá justamente pela intolerância do oficial com seu posicionamento.

Agindo de forma intransigente, o oficial Bradt sela seu próprio destino ao desrespeitar o que Cush defende. Cush leva, então, a punição ao oficial, retornando à base comandada por Bradt depois de ter sido expulso de lá, mas desta vez na companhia dos guerreiros do mulá.

Corto se posiciona de forma isolada na história, mais observando o desenrolar dos eventos sem reagir fisicamente ao que ocorre, apenas lutando por sua própria sobrevivência, tomando uma atitude quanto à questão principal do capítulo apenas no seu final, realizando aquilo que o título da história entrega, tirando a vida de Bradt para preveni-lo de uma morte mais sofrida amarrado no centro de uma fogueira imensa.

Conclusão:


As histórias de Corto Maltese possuem um teor de narrativa da comunicação cultural num parâmetro dificilmente encontrado em outras obras. Tal qual o marinheiro Marlow, na obra “No Coração das Trevas”, de Joseph Conrad, Corto observa tudo que lhe acontece de uma posição particular, sem ser guiado por ideologias fechadas e/ou nacionalistas. Ambos não tem nação mental, são integrantes do mundo como um todo, prezam pelo ser humano e não põem uma cultura sobre a outra, apenas transitam entre aquelas a que são apresentados. Marlow, após sua experiência no coração do Congo, passa a refletir sobre o que é ser humano, o equilíbrio entre a civilidade e a selvageria que constituem o ser. Da mesma forma, Corto vê a vida sem prejulgar se uma nação está mais certa que a outra, se uma cultura é superior à outra, mas vê a preservação da vida em si como algo a ser zelado, contanto que isso não lhe prejudique, pois tal qual Marlow, ambos são capazes de matar quem quer que lhes ameace para poderem se salvar.

Sendo ambos personagens criados por escritores com experiência de vida real nos locais onde viajaram na ficção, é perceptível o tom naufrago de suas vidas num mundo em contínuo movimento, sendo guiados pelas ondas dos interesses coletivos e pessoais do restante do mundo, mas cuja embarcação está sempre sob seu comando, com a nau nas mãos de marinheiros da vida experientes e imparciais, rumo sempre ao horizonte inatingível, recheando páginas e páginas com histórias de suas jornadas pelo caminho.

Bibliografia:

http://www.omelete.com.br/

http://www.universohq.com.br/

http://quadrinhospraquemgosta.blogspot.com/

http://en.wikipedia.org/wiki/History_of_Honduras_(1838%E2%80%931932)

http://en.wikipedia.org/wiki/Hugo_Pratt

PRAT, Grégoire. “Corto Maltese et sés crimes”. Editora Hobay, França, 2005.

PRATT, Hugo. “Corto Maltese – Sempre um pouco mais distante”. Editora Pixel, 2006.

____________. “Corto Maltese – As Etópicas”. Editora Pixel, 2008.

PETITFAUX, Dominique. “Hugo Pratt – O desejo de ser inútil”. Editora Relógio D’Água, 2005.

MOYA, Álvaro de. “Vapt-Vupt”. Editora Clemente & Gramani Editora, 2003.

QUILLIEN, Christophe. “Le Guide dês 100 Bandes Dessinées Incontournables”. Editora Librio Inédit, 2009.

FEIJÓ, Mário. “Quadrinhos em Ação – Um Século de Histórias”. Editora Moderna, 1997.

VERGUEIRO, Waldomiro e RAMOS, Paulo. “Quadrinhos na Educação”. Editora Contexto, 2009.

DUC. “L’Art de La BD volume 1 – Du scenário à la réalisation”. Editora Glénat, 1982.

WALKER, Brian. “The comics before 1945”. Editora Harry N. Abrams, Incorporated Publishers, 2004.

IANNONE, Leila Rentroia e IANNONE, Roberto Antonio. “O Mundo das Histórias em Quadrinhos”. Editora Moderna, 5ª edição, 1996.

GOIDA. “Enciclopédia dos Quadrinhos”. Editora L&PM, 1990.

PATATI, Carlos e BRAGA, Flávio. “Almanaque dos Quadrinhos”. Editora Ediouro, 2006.

CALVINO, Italo. “Por que ler os clássicos”. Editora Companhia de Bolso, 2009.

CONRAD, Joseph. “No Coração das Trevas”. Editora Hedra, 2008.

JUNIOR, Gonçalo. “O Homem Abril”. Editora Opera Graphica, 2005.

sábado, 21 de agosto de 2010

A Marvel e o Novo Mercado Digital


 Por Gabriel Guimarães
 Com a revolução dos suportes de leitura digital, não apenas as editoras de livros tiveram que passar por uma repaginada como também a indústria de revistas, tanto de conteúdo geral quanto de histórias em quadrinhos.
Passando a lidar com um aparelho de logística multimídia, editoras como a responsável pela publicação da revista de informática Wired perceberam a necessidade de mesclar o conteúdo escrito das matérias com outras formas de interface, como vídeos, sons e formas de adaptar o formato para a leitura no suporte em pé ou deitado. Uma vez que a indústria de quadrinhos já é multimídia em si mesma, já que é uma mescla de conteúdo semiológico com escrito, as editoras de quadrinhos têm tido que repensar em toda a sua linha de produção para tornar seu produto final igualmente atraente aos olhos de um leitor da nova era digital.
Quem comprou a primeira briga com o aparelho foi uma das gigantes do meio, a Marvel Comics, editora que tem ficado cada vez mais em destaque na mídia pelas suas mega-produções cinematográficas e pela compra majoritária de suas ações pela Disney ano passado. Alegando que suas histórias digitalizadas previamente ao lançamento do iPad para o site Marvel Digital Comics terem sido feitas no dispositivo Flash e este não ser compatível com o novo aparelho de leitura, ela se opôs à nova tecnologia.
Entretanto, poucos meses depois, a Marvel surpreendeu a todos ao lançar seu próprio aplicativo para o iPad, produzido pela Comixology, empresa responsável pela produção dos aplicativos de leitura de histórias em quadrinhos para celulares como o iPhone. Logo de início, ela anunciou centenas de revistas, desde artigos dos arquivos da editora aos mais recentes lançamentos nas lojas, muitas com novo acabamento e adaptadas ao novo modo de leitura.
Mais algum tempo depois, um novo passo foi dado pela editora: publicar uma revista impressa e digital simultaneamente. A edição de Invincible Iron Man #1 ficou marcada como teste para toda uma nova gama de possibilidades que o novo mercado possibilita, como a venda em termos internacionais imediatos, considerando que a edição digital pode ser adquirido por qualquer usuário do tablet ao redor do mundo.
Uma questão, então, fez-se relevante: o preço da edição. Enquanto a edição impressa custava U$4,99, a versão online encontrava-se divida em três partes, cada uma a U$1,99, o que tornaria o produto final mais caro. Como trata-se de um experimento recente, não se sabe ainda exatamente como o mercado reagiu a isso, porém, a grande a concorrente da Marvel, a DC Comics anunciou pouco tempo depois que lançaria também seu aplicativo para iPad, produzido pela mesma empresa que a Marvel, com edições da mini-série Justice League: Generation Lost simultaneamente impressa e digital, ao mesmo preço, U$2,99 cada.
O futuro parece guardar muitos desdobramentos ainda sobre a forma de trabalhar com os quadrinhos, e, notadamente, eles dependerão das reações do público consumidor dos mesmos, característico pela continuidade de consumo desse material por muitos e muitos anos. A forma desse público se comunicar entre si traz a tona o que o estudioso dos livros Robert Darnton destacou no que tange ao uso dos blogs como criadores de notícias, que assumem muitas vezes dimensões mais reais que a realidade que encontramos bem diante de nós. Blogs como Comics Should Be Good, Bleeding Cool, Newsrama, e os brasileiros Omelete e Universo HQ representam relativamente bem que a percepção de um formador de opinião pode ter enormes repercussões internamente no mercado.
A disposição do mercado é o que vai fazer realmente a balança pender para um dos lados, a permanência no formato impresso ou a nova aposta tecnológica. Encabeçada por grandes editores do setor de comunicação e desenvolvimento das editoras, como Joe Quesada (Marvel) e Jim Lee (DC), o futuro deste novo modelo ainda está por ser escrito. Cabe agora a eles um momento de reflexão e planejamento focado nas potencialidades e possibilidades do fantástico novo mundo digital.
Como Umberto Eco destacou, a cultura trata-se de um cemitério de livros e objetos desaparecidos para sempre, e é nossa função saber o que deve ser mantido e o que ser descartado, para permitir que sigamos adiante, numa trilha guiada pelo senso de evolução. Este é o momento onde os profissionais da área devem se mobilizar para analisar metodicamente o que pode surgir no dia do amanhã da maneira mais positiva possível.
A Marvel, foco principal dessa minha análise, tem uma estratégia que pode mudar muito a forma com que o mercado editorial de histórias em quadrinhos funciona há décadas. Ela propôs o pagamento de royalties aos artistas envolvidos no processo de criação do produto, algo que nunca antes havia sido vislumbrado. Muitos autores, inclusive, lutaram por isso tem muito tempo, porém suas esperanças eram ínfimas. Esse novo vislumbre de relação interna ao meio pode fazer uma considerável diferença nas ponderações finais da adoção do modelo digital.
Afinal, podemos falar o que quisermos, porém apenas o futuro ditará os rumos que serão necessários tomar para que as editoras possam sempre contar com aquilo de que mais essencialmente dependem, o cliente.

Bibliografia:
DARNTON, Robert. A Questão do Livro, editora Companhia das Letras, 2010.
ECO, Umberto e CARRIÈRE, Jean-Claude. Não Contem com o Fim do Livro, editora Record, 2010.
MENDO, Anselmo Gimenez. Histórias em Quadrinhos – Impresso vs. WEB, editora UNESP, 2008.
GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as Novas Mídias – Do Cinema às Mídias Interativas, 2003. Editora SENAC São Paulo, 2ª edição, 2008.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Eisner, o Flâneur dos Quadrinhos



Por Gabriel Guimarães


Will Eisner foi um dos pioneiros das histórias em quadrinhos no início do século XX, apesar de ele só ter passado a ficar mais em evidência a partir da década de 1970. Habitante dos bairros judeus de Nova York, Eisner ganhou destaque pela profundidade emotiva de suas obras, em especial aquelas que tratavam do período negro da história americana durante a crise de 1929 nos Estados Unidos, retratando em muitas delas a determinação da população que, mesmo sem ter condições de uma vivência um mínimo que positiva em muitos casos, permanecia batalhando por algo melhor.
Como Eisner afirma,: “Por meio do manejo habilidoso dessa estrutura aparentemente amorfa [da arte da narração] e de uma compreensão da anatomia da expressão, o desenhista pode começar a empreender a exposição de histórias que envolvem significados mais profundos e tratam das complexidades da experiência humana.”[1], seus trabalhos foram muito marcados por uma humanização única das personagens, feita de maneira sutil e marcante.
Baseado nas definições propostas por Walter Benjamin no seu texto “O Flâneur”, e suas considerações sobre a posição do transeunte dos textos de Edgar Allan Poe e Baudellaire, sinto-me em condições de enquadrar Eisner como praticante da flanérie uma vez que tal qual Benjamin afirmou que “a rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos prédios, sente-se em casa, tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes.”, é possível observar isso nas obras de Eisner, que costumam tratar da vida nos grandes centros e das reações humanas a ela, sendo muito pouco limitadas por histórias entre quatro paredes apenas, indo além, para um ambiente público e urbano.
Obras como “Um Contrato com Deus” (1978), “Avenida Dropsie” (1995), “Nova York: A Grande Cidade” (1981), “O Edifício” (1987), “Cadernos de Tipos Urbanos” (1989) e “Pessoas Invisíveis” (1992) são exemplos máximos disso, uma vez que, semelhante ao personagem protagonista de Poe em seu conto “O Homem da Multidão”, os olhos do artista através dos quais observamos as histórias são focados em personagens corriqueiras que nos chamam atenção muitas vezes pelo seu arquétipo humanizado. Sem caracterizar absolutamente um personagem sequer, Eisner deixa todos as pessoas que aparecem sem nome, sem identificação, sendo estes então tratados apenas como seres em trânsito, indo ou voltando do trabalho, cujas ambições muitas vezes passam desapercebidas dos olhares alheios, mas que por trás de cada um há uma história, há uma narrativa a ser contada.
É ainda mais evidente a flanerié de Eisner em seu único personagem cuja alcunha e fisionomia eram sempre reconhecidas todos os meses, o herói detetive Spirit, que não possuía sequer identidade secreta. Funcionando como uma visão pura da análise de suspeitos, Spirit foi um personagem muito marcado pelo fato de suas histórias quase nunca terem o protagonista em primeiro plano, dando muito mais atenção assim aos personagens coadjuvantes e ao seu lado mais humanizado da história.
Criado em 1940, Spirit destoava do padrão de herói que estava sendo desenvolvido na época, chamando atenção já naqueles tempos para a diferença que uma mudança de abordagem era capaz de fazer por uma história. Eisner adotou o mesmo padrão de narrativa humanizada em todas as suas grandes obras, suas graphic novels (novelas gráficas), termo que foi criado por ele mesmo para definir histórias em quadrinhos adultas de muitas páginas que podiam ser lançadas em formato de livro, e que seria mais socialmente reconhecido que o termo histórias em quadrinhos em si quando ele fosse questionado quanto a sua profissão.
Em sua graphic novel “Nova York: A Grande Cidade”, Eisner produziu uma série de vinhetas (histórias curtas) cujo objetivo era mostrar os fatores que realmente marcavam a cidade grande na visão do autor, vista de ângulos pouco ou nada convencionais, como bueiros, degraus de escada, metrôs – abordando aqui a questão destacada Benjamin do predomínio da comunicação visual a uma comunicação auditiva, onde as pessoas passaram a ter de encarar horas a fio indivíduos desconhecidos sem demonstrar necessariamente uma reação a eles, fato ao qual Eisner trata de maneira bem humorada, revelando-nos por balões de pensamento a infinidade de interesses inerentes de cada pessoa no vagão –, latas de lixo, hidrantes, caixas de correio, postes de luz, esgoto e janelas – este último talvez seu trabalho de maior destaque pela sensibilidade dada às idas e vindas dos habitantes da cidade e às representações simbólicas destas, como os quadrinhos anteriores demonstram.
Tal qual Poe destacou o fluxo das massas num ambiente urbano repleto de locais, ambientes e esferas específicas com seus respectivos habitantes para cada um, Eisner o fez em suas obras mostrando as diferenças dos bairros de população mais nobre, de renda mais farta, e os bairros pobres, marcados pela violência, pela existência de gangues, pelas muitas histórias de trabalhadores que dedicam suas vidas ao serviço e não vêem sua recompensa chegar, etc. Basta uma breve olhada em obras como “A Força da Vida” (1978), “Pessoas Invisíveis” e até os já mencionados “Avenida Dropsie” e “Nova York: A Grande Cidade” para poder constatar essas mudanças.
Entretanto, talvez seja na capa da coletânea mais recente de suas obras “Nova York: A Vida na Cidade Grande” e nas artes interiores de seu trabalho “Caderno de Tipos Urbanos” que a figura do flâneur pode ser vista mais nitidamente, uma vez que o próprio Eisner se retrata como um artista, parado com um bloco de folhas a desenhar em meio ao fluxo inesgotável de seres, que passam sem sequer perceber sua existência, imersos em seus próprios problemas e cotidianos. Eisner, nessas cenas, se mostra o verdadeiro estudioso das multidões, dedicando sua vida e sua carreira a esse objeto de estudo e mercadoria de prazer, fato confirmado pela afirmação de Eisner que “o tempo da cidade tem uma cadência especial. É afetado pela breve duração dos eventos. (...) O ritmo é um elemento da velocidade que dita como os habitantes têm de negociar o movimento. E o espaço é a limitada área habitável deixada pelos obstáculos no labirinto de concreto”[2], como pode ser visto abaixo.




Em sua vida, poucas foram as obras desse autor que não lidaram com essa temática, como “Último Dia no Vietnã” (2001) e alguns contos ilustrados que produziu como “O Último Cavaleiro Andante” (1999), que retratava a história escrita por Cervantes do cavaleiro Dom Quixote. Além dessas, houve algumas obras de autobiografia feitas por ele também, como “O Sonhador” (1986) e “No Coração da Tempestade” (1991), que contavam suas experiências de vida.
Tal qual Dickens se queixou da falta do barulho da rua, que era indispensável para a sua produção, fez Eisner, quando se mudou para o estado da Flórida, e não suportou viver lá por muito tempo, regressando o mais rápido que pôde para sua vida na sua cidade grande, lar de seus desejos e fonte de seus sonhos, Nova York. Lá, voltou a residir, produzir, criar, sonhar, até 2005, quando faleceu aos 87 anos.
Will Eisner foi, portanto, um homem da vida pública, cujo trabalho reflete sua paixão pela vida nos grandes centros como poucos o fizeram, adotando para si a visão de observador, estudioso dos movimentos, das idas e vindas, do fluxo com que os turbilhões de pessoas cruzam as ruas diariamente. Sua visão vai além do normalmente esperado, revelando-nos pela sua narrativa gráfica todo um novo mundo de interpretação dos fatos e eventos, uma interpretação pelo olhar de mera figura humana, limitada, esquizofrênica, porém forte em meio às fraquezas da vida. Seu fascínio pelas multidões pode se comparar ao do personagem de Poe, se não ultrapassá-lo, porque até seus últimos dias de vida, esse grande mestre dos quadrinhos, referência para todos os pretensos quadrinistas que vieram depois dele, permaneceu produzindo obras que exacerbavam os grandes centros, suas selvas de concreto, que eram suas grandes fontes de inspiração.


BIBLIOGRAFIA:



BENJAMIN, Walter. O Flâneur, editora Brasiliense, 1989.
POE, Edgar Allan Poe. O Homem da Multidão, editora Cultrix, 1985.
EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Seqüencial, editora Martins Fontes, 2001.
EISNER, Will. Narrativas Gráficas, editora Devir, 2008.
EISNER, Will. Um Contrato com Deus, editora Brasiliense, 1978.
EISNER, Will. O Edifício. In: Nova York: A Vida na Grande Cidade, editora Companhia das Letras, 2009.
EISNER, Will. Caderno de Tipos Urbanos. In: Nova York: A Vida na Grande Cidade, editora Companhia das Letras, 2009.
EISNER, Will. Pessoas Invisíveis. In: Nova York: A Vida na Grande Cidade, editora Companhia das Letras, 2009.
EISNER, Will. Nova York: A Vida na Grande Cidade, editora Companhia das Letras, 2009.
EISNER, Will. A Força da Vida. Editora Devir, 2007.
EISNER, Will. Avenida Dropsie, editora Devir, 2004.
EISNER, Will. Pequenos Milagres, editora Devir, 2006.
EISNER, Will. O Último Cavaleiro Andante, editora Companhia das Letras, 1999.
EISNER, Will. Último Dia no Vietnã, editora Devir, 2001.
EISNER, Will. O Sonhador, editora Devir, 2007.
EISNER, Will. No Coração da Tempestade, editora Abril, 1996.


[1] EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Seqüencial, editora Martins Fontes, 1999.
[2] EISNER, Will. Nova York: A Vida na Grande Cidade, editora Companhia das Letras, 2009.

domingo, 30 de agosto de 2009

Psicologia e Histórias em Quadrinhos: Dilbert, Recruta Zero, Calvin e a Formação de Corpos Dóceis

Por Gabriel Guimarães

  1. A irreverência dos quadrinhos de humor e breve histórico do gênero
    “O humorismo alivia-nos das vicissitudes da vida, ativando o nosso senso de proporção e revelando-nos que a seriedade exagerada tende ao absurdo.” (Charles Chaplin)

Para se fazer uma boa análise do surgimento e irreverência das histórias em quadrinhos de humor, é preciso remetermo-nos ao século XIX, época de extrema importância para os meios de comunicação como os vemos hoje, pois foi durante ele que ocorreu a consolidação do capitalismo e a consequente expansão populacional dos grandes centros, modificando a estrutura das grandes cidades e a imprensa.

Ocorre então uma enorme mudança nos códigos e regras próprios da sociedade, devido à heterogeneidade das pessoas que passaram a constituir a população trabalhadora, caracterizando um novo tipo de cultura, não mais burguês e elitista, mas de mercado. “Essa cultura de massa surge como uma cultura de lazer, de entretenimento, que busca o lucro e que depende de certas tecnologias para existir e poder alcançar seu público. A relação pessoal é substituída por um meio técnico de comunicação à distância, impessoal e aberto, capaz de atingir milhares, ou milhões de pessoas.” (FEIJÓ, 1997). Não é à toa que é nessa época que surgem tantas referências no meio cultural que estão até hoje marcadas em nossas vidas, com destaque para o surgimento do cinema dos irmãos Lumiére, para os escritores de livros que tiravam da carência de material de distração no retorno dos operários para casa ao final do dia sua motivação para escrever, como H. G. Wells, e para o início da publicação de histórias em quadrinhos nos jornais norte-americanos.

E foi no dia 5 de maio de 1895, que foi publicada no jornal New York World a primeira história em quadrinhos da história, Down Hogan’s Alley, de Richard Outcault, cuja principal figura era um menino de aparência asiática que usava uma vestimenta amarela que lhe cobria quase todo o corpo, considerado por muitos como o primeiro personagem do gênero quadrinhos. Por não ter um nome definido, foi posteriormente apelidado pelo público de Menino Amarelo. Aí começava já a irreverência dos quadrinhos, uma vez que mostrava o ingresso das novas etnias ao mosaico cultural norte-americano (PATATI e BRAGA, 2006), evidenciando que a divulgação da cultura agora era para todos os habitantes dos grandes centros, e não mais apenas à burguesia dominante.

Esse novo tipo de publicação indignou tanto os integrantes dessa classe ‘superior’, que estes criaram a expressão Imprensa Amarela’, para identificar o jornalismo sensacionalista que buscava o lucro rápido e resposta do público.

Vendo o sucesso que essas tiras cômicas faziam, os demais jornais e editoras começaram a buscar mais desse material para publicarem, gerando assim um boom na criação de quadrinhos de humor, como Os Sobrinhos do Capitão (1897), Upside Downs (1903), Mutt e Jeff (1907), Krazy Kat (1913), Pafúncio e Marocas (1913), e O Gato Félix (1923).

Conforme o tempo passou, os quadrinhos foram ficando mais sérios, tendo suas narrativas muitas vezes ligadas às guerras reais, fictícias, ou ideológicas que aconteciam no mundo, como a figura do colonizador britânico nas terras africanas em Tarzã (1929), ou a batalha na Segunda Guerra Mundial travada em Terry and the Pirates (1934). Esse modo mais realista de ver o mundo nos quadrinhos influenciou muito as tiras cômicas, que passaram a ter um caráter mais crítico com relação ao modo como era gerida a sociedade capitalista e as suas figuras de autoridade, como foram os casos de Pinduca (1932), O Reizinho (1934), e Ferdinando (1934). Este último, inclusive, teve tanto retorno do público, que seu autor, Al Capp, chegou a ter sua importância comparada com a de D. W. Griffith nos cinemas e a de Gershwin no jazz (MOYA, 1987).

E o gênero cômico foi crescendo, se ramificando em diversas criações que iam surgindo, mas nenhuma que chamasse muita atenção, até que na prancheta de Mort Walker, em 1950, surge Zero, um universitário que não se dava bem com as figuras de controle em sua vida, mas que um ano depois iria se alistar no exército americano pela Guerra da Coréia, tornando-se então um dos mais famosos personagens de humor de todos os tempos.

  1. Recruta Zero e a idealização do modelo soldado

Poucos sabem, mas o personagem Zero existia antes mesmo de se alistar. Ele só veio a fazê-lo quando os Estados Unidos ingressaram na Guerra da Coréia em 1951, para tentar alavancar o espírito de servir o país nos seus leitores, uma vez percebida a influência das suas tiras nestes, o que é curioso, uma vez que sua atitude contestadora sempre esteve na síntese do seu modo de ser.

Em suas tiras, podem-se notar nitidamente a busca pela total submissão do indivíduo para que o poder seja exercido sem nenhuma resistência, tal qual ocorreria na formação de corpos dóceis proposta por Deleuze. A conscientização da supressão das vontades momentâneas, ou sacrifício atual, para uma recompensa posterior na vida também estava presente nas suas tirinhas desde seu surgimento, como pode ser visto na tirinha abaixo:

Uma vez alistado, Zero apenas mudou seu foco de desatenção, e ao invés de lidar com a autoridade professoral desencarnada, passa a encarar na figura do Sargento Tainha seu nêmese de trabalho obrigatório. Em ambas com a ciência de sua dívida eterna para com a sociedade, porém prorrogando sua cobrança até onde puder, tal qual ocorre nas sociedades de controle.

No exército, Zero encontra o que Foucault afirmara ser fontes de repressão constante, que penalizavam o campo indefinido do não-conforme com base nas micropenalidades de tempo (seus regulares atrasos na hora de levantar ou de realizar alguma tarefa), de atividade (sua constante desatenção e falta de cuidado), de maneira de ser (sua atitude de desobediência pela preguiça), de discurso (sua insolência entranhada), e de padronização do corpo (manchas e lama em seu uniforme).

Por nunca conseguir cumprir sua função de corretivo pela mecânica do castigo, Zero sempre permaneceu inerte às ordens que lhe eram dadas, se tornando o padrão do não-soldado americano. O exército americano que consumia suas tirinhas nas trincheiras coreanas passaram a se incomodar com aquela imagem de preguiça e desatenção passada para o público consumidor nos Estados Unidos, o que levou ao banimento dessas HQs de todos os quartéis quatro anos depois de sua criação.

As tiras do Recruta Zero foram apenas uma das que não lidavam bem com a figura de controle à qual os personagens eram impostos, esta se ampliando para todos os setores da vida social cotidiana, desde a relação dos laços familiares em Calvin (1985), das expectativas sociais impregnadas entre as classes profissionais em Hagar, o Horrível (1979), até as relações de empresa demonstradas em Dilbert (1989).

  1. Calvin e a (in)formalização do modelo familiar

Nomeado a partir de João Calvino, criador da doutrina calvinista e forte defensor do predestinismo, o qual é diversas vezes mencionado nas histórias, o personagem Calvin é uma criança de seis anos impulsiva, insubordinada, rabugenta, porém muito inteligente, questionadora e de imaginação muito fértil, em vista das suas intrépidas aventuras ao lado do seu tigre de pelúcia que ele vê como real, Haroldo. Sua principal c

aracterística talvez seja sua contestação com o que é feito no mundo apesar de ele viver em seu próprio mundo imaginário a maior parte do tempo.

Como pode ser visto na tirinha acima, a resposta do pai rompe com o que antigamente seria padrão natural de resposta – que essa ordem de dormir mais ce

do deveria-se ao fato de que seria melhor para a saúde de Calvin –, evidenciando a passagem da sociedade de disciplina, onde as ordens eram justificadas individualmente, para a sociedade de controle, onde é instigada a obediência hierárquica pura, isto é, o cumprimento de funções que lhe são outorgadas sem questionar, porque não há uma justificativa plausível e aceitável para tal.

Mesclando as características da sociedade de controle com a sociedade disciplinar, Calvin ironiza a condição em que as pessoas seriam mais de um para cada área de sua vida, tendo em si uma pluralidade de identidades cabíveis a cada setor desta. Ele o faz através da adoção de alter-egos diferentes em várias de suas histórias, a partir de elementos de s

ua imaginação.

Calvin também abordou questões relacionados ao posicionamento do homem em relação ao mundo e a si mesmo numa tentativa de fazer o leitor refletir sobre suas próprias ações, mesmo quando não há ninguém fisicamente o observando, como era o objetivo do panoptismo de Jeremy Bentham.

  1. Dilbert e a formação da relação Indivíduo X Empresa

Dilbert talvez seja o mais perfeito exemplo físico da formação de corpos dóceis nos quadrinhos, pois a forma com que ele aborda o relacionamento do funcionário com a empresa em que trabalha sempre traz em si uma crítica à falta de opção dos trabalhadores (no caso, engenheiros), que têm que viver dentro dos minúsculos cubículos da empresa, e ao despreparo das figuras de controle (no caso, os gerentes).

Dilbert é a figura máxima do trabalhador que faz o que é mandado, mas que tem noção do que está abrindo mão, ou seja, do sacrifício que está fazendo, tentando muitas vezes reverter isso. Ao mesmo tempo, seu colega Wally é a figura máxima do oposto, uma vez que ele ouve as ordens, mas não as cumpre, fazendo apenas aquilo que tem vontade de fazer, adiando a cobrança da dívida social o máximo possível.

Sempre relacionando o chefe com a figura de alguém sem conhecimento da área com ilusões de poder pela hierarquia a qual é exposto, Dilbert aborda muitas das questões cômicas mencionadas por Deleuze que se desenvolvem a partir da variabilidade salarial, valorização profissional e os efeitos na vida pessoal do fato de trabalhar nesse tipo de empresa.

A adequação constante do funcionário ao trabalho acaba sendo um símbolo da prorrogação infinita da cobrança da dívida para com a sociedade, como o fazem Wally e outros, enquanto Dilbert é um dos poucos remanescentes do modelo de abordagem da sociedade disciplinar, buscando pagar a ‘conta’ que tem para com os demais, porém sabendo que nunca conseguirá quitá-la completamente. Mesmo reconhecendo a incompetência das suas fontes de cobrança, suas ações continuam visando um avanço social, o qual não é possível de alcançar.

  1. Conclusão

As histórias em quadrinhos são um reflexo do que a sociedade na qual elas são produzidas passa, visivelmente. No caso das tirinhas de humor, é que o espírito da auto-crítica exprime talvez melhor as opiniões sobre esse estado social. Seja na pluralidade de identidades de Calvin, na prorrogação da cobrança da dívida eterna social do Recruta Zero, ou na vã crença de poder pagá-la à sociedade e consequente permanência nos laços de relacionamento da sociedade disciplinar de Dilbert, a psicologia se faz presente nos quadrinhos há anos, e permanecerá assim enquanto estes durarem. Resta-nos apenas perceber as delineações produzidas pelos autores.

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