quinta-feira, 26 de abril de 2012

L&PM E O Mercado Nacional de Quadrinhos

Por Gabriel Guimarães


Ano passado, as histórias em quadrinhos no Brasil tiveram um ano extremamente feliz, marcado por grandes eventos, lançamentos de alta qualidade e talentosos profissionais se destacando no ramo. O mercado editorial brasileiro apontou um número recorde de publicações independentes no setor da arte sequencial, destacando tanto o crescente interesse de jovens autores em ingressar no meio como uma nova realidade para a publicação de títulos no país. Uma vez que os formatos digitais permitem uma divulgação maior por parte dos próprios autores da obra, além de gráficas que oferecem serviços por encomenda limitada com bom acabamento, como a gráfica J. Sholna, presente na última edição da Rio Comicon, as editoras brasileiras passaram a se movimentar mais para trazer material às livrarias para suprir a recente demanda do público, e uma delas, especificamente, tem se destacado de forma inesperada mas muito bem vista nestes últimos meses, trata-se da editora L&PM.

Já presente no mercado de quadrinhos há décadas, sendo a principal responsável pela publicação de tirinhas como Garfield, Charlie Brown, Hagar, Dilbert e Recruta Zero, além de vários volumes de outros personagens, desde material internacional como a vencedora do prêmio Ângoloume em 2006 de melhor álbum de estreia, "Aya de Yopougon", da dupla Marguerite Abouet e Clément Oubrerie, a emocionante "Valsa com Bashir", de Ari Folman e David Polonsky, e mesmo materiais do grande pioneiro dos quadrinhos Will Eisner (que já foi tema de matéria aqui e aqui no blog), até republicações de material da turma da Mônica, do padrinho dos quadrinhos brasileiros Maurício de Sousa, fora outros grandes quadrinistas da produção nacional, como os cartunistas Angeli e Iotti, a editora L&PM aparentemente entrou forte na disputa do nicho de mercado voltado para a nona arte, que vem representando a cada ano uma fatia maior dos leitores de livros em geral. Já tendo publicado no ano passado a nova versão revisada e ampliada da "Enciclopédia dos Quadrinhos", de Goida e André Kleinert, e iniciado sua série de adaptações dos clássicos da literatura para a arte sequencial, em apoio com a Unesco, com um trabalho que, diga-se de passagem, possui grande qualidade tanto narrativa quanto artísticamente, a L&PM vem se mostrando disposta a investir mais em quadrinhos e recentemente, lançou mais dois livros do setor.

O erótico "Erma Jaguar", do francês Alex Marene, e o cômico "Simon's Cat", do britânico Simon Tofield, que segue numa linha entre Jim Davies e o brasileiro Estevão Ribeiro, são os dois mais recentes lançamentos da editora, que chamaram a atenção entre as estantes das livrarias. Tendo publicado já no final do ano passado três volumes em seu formato mais tradicional e que o cansagrou junto ao público, o pocket, de mangás que ainda não haviam chegado ao Brasil, como "Aventuras de Menino", de Mitsuru Adachi, e o já comentado e recomendado "Solanin" (cuja resenha pode ser conferida aqui no blog), de Inio Asano, a editora vem mostrando interesse em participar mais ainda da publicação de quadrinhos no país, o que é uma grande vitória para os quadrinistas e fãs do ramo.


Com um catálogo recheado de títulos de grande respeito e uma qualidade de trabalho reconhecida desde sua fundação, em 1974, pela dupla Paulo de Almeida Lima e Ivan Pinheiro Machado, a editora L&PM, que se destacou pelo rico catálogo de livros em formato de mais fácil transporte e leitura, em geral, denominados pocket books, curiosamente iniciou suas atividades justamente com material de arte nacional, do cartunista Edgar Vasques, com seu personagem "Rango", um anti-herói que se tornou marca da luta contra a ditadura militar que acontecia no Brasil. Com essa origem, não é tanto uma surpresa que a editora tenha mantido uma tradição de trabalhar com o campo da arte sequencial visando sempre a publicação com melhor qualidade possível de grandes autores do meio. Em 40 anos de existência, seu papel só fez crescer e sua presença nas casas dos leitores brasileiros aumentou cada vez mais. O futuro parece reservar boas novas vindas da editora, e sua crescente participação no mercado editorial de quadrinhos brasileiros mais do que merecia uma congratulação já há algum tempo aqui no blog. Que essa grande iniciativa e bom trabalho continuem a crescer em número e em expansão para o meio. Observaremos ansiosamente por futuros lançamentos da editora.

domingo, 15 de abril de 2012

Dia Mundial do Desenhista

Por Gabriel Guimarães



Certa vez, o poeta americano Robert Penn Warren afirmou que "os homens vivem pelas imagens. Elas se oferecem a nós das paredes do mundo e do tempo". Observando a cultura pré-histórica e os estudos arqueológicos dos últimos séculos, a declaração de Warren tem uma grande correlação com a realidade. Através do tempo, o uso de imagens como forma de expressão e consumo cultural e/ou material foi uma das atividades mais realizadas pelo homem, como se o ato de explicar por traços que simbolizam a realidade estivesse sempre dentro da essência de nossa própria humanidade.

Pinturas rupestres das cavernas onde
os primeiros homens habitaram
A relação dessa natureza fundamental do 'narrar' por imagens pode ser muito bem estudada nos livros de história antiga, e sua ligação com a arte sequencial das histórias em quadrinhos corriqueiramente lidas não tardou muito em aparecer. Através de estudos de grandes quadrinistas como Will Eisner e Scott McCloud, majoritariamente, é fácil perceber as nuances entre a primeira forma usada para comunicação efetiva na história da humanidade e o meio de comunicação de massa assumido em 1895 no jornal "New York World", sob a autoria do americano Richard Outcault, apesar de haverem alguns precursores muito interessantes que merecem destaque, como o sueco Rodolphe Töpffer, o alemão Wilhelm Busch e o ítalo-brasileiro Ângelo Agostini.

Imagem da Times Square, área mundialmente
conhecida de Nova York por seus banners
O desenho está na área mais profunda de nossa essência, pois nada mais o alfabeto é que imagens desenhadas para representar sons, e sem a língua escrita, jamais poderíamos construir uma sociedade e manter relações entre indivíduos diferentes. Tal afirmação pode soar como uma extrapolação do sentido de desenhar, mas creio que serve devidamente para enfatizar a ordem de importância do desenho na realidade. Num mundo onde hoje a comunicação visual se expandiu para todos os lados, muitas vezes provocando até uma poluição mental e dificuldade de concentração, o desenho nunca esteve tão presente e a comunicação através de imagens nunca foi tão comum e fundamental como é agora. Ziraldo afirmou, em uma entrevista dada há alguns anos, que "as histórias em quadrinhos tem o ritmo que o Século XXI exige", oferecendo assim ao leitor uma forma de adquirir novos conhecimentos e dominar novos conteúdos de forma a ter uma assimilação mais rápida e de fácil identificação.

Neste dia 15 de abril, então, nós, do blog Quadrinhos Pra Quem Gosta, gostaríamos de parabenizar todos os muitos e dedicados profissionais da arte do desenho, seja para fins narrativos ou mesmo meramente expressivos, pelo dia mundial do desenhista. A arte com a qual cada um de vocês preencheu nossas vidas tornou tudo em nós mais belo e gerou por si só dimensões de significado que muitas vezes não foram sequer imaginadas por seus autores. A vida construída a partir da arte nunca é fácil, a batalha pelo reconhecimento e valorização é árdua e duradoura, precisando muitas vezes ser travada continuamente, rompendo barreiras e conceitos previamente estabelecidos. Porém, foi nessa área que grandes homens imortalizaram seu legado para nossa espécie. Desde a pintura renascentista até a atual arte narrativa dos comerciais, o desenho foi uma grande ferramenta de mudança. Paradigmas, conceitos e até governos ruíram ou se erigiram a partir das imagens, e assim continuarão, enquanto durar nossa existência.

Vitor Cafaggi em destaque, autografando
edição de "Pequenos Heróis" na Rio Comicon 2010
Nos quadrinhos, grandes nomes ficaram marcados na história do gênero por suas contribuições. O próprio Eisner, que realizou alguns dos principais estudos acerca do cerne no qual a arte sequencial se baseia (termo, inclusive, o qual ele teve total autoria), é um forte exemplo disso, além de muitos outros mestres do traço, como os hábeis John Buscema e Jack Kirby, o despretensioso porém marcante Bill Waterson, os desinibidos Milo Manara e Guido Crepax, o imaginativo Jean Giraud (que já foi tema de matéria aqui no blog antes), o eficiente Milton Caniff, o realista Alex Ross, ou mesmo no campo brasileiro, no traço cheio de narrativas em sua estrutura do paraibano Mike Deodato Jr, a pureza do mineiro Vitor Cafaggi, o sensível e romântico paulistano Mário Cau, o peculiar e absorto carioca Lourenço Mutarelli, e os poéticos e gênios gêmeos, também de São Paulo, Fábio Moon e Gabriel Bá, entre tantos outros, sem contar o grande padrinho dos quadrinhos nacionais, que foi tema citado na última matéria do blog, o paulistano Maurício de Sousa.

Mário Cau, em frente a uma de suas histórias, cuja
narração é feita de forma linear porém dando liberdade
ao espectador de construir sua própria compreensão da obra

A todos os grandes companheiros de quadrinhos, deixo as mais sinceras congratulações e o desejo por um futuro cada vez melhor, com mais reconhecimento e mercado para suas grandes obras de arte, que tornam-se nossas também ao assumir um canto muitas vezes esquecido dentro de nossos corações, o campo do imaginário e da emoção. Se o ditado "uma imagem vale mais que mil palavras" tivesse qualquer porção de acertividade, através dos trabalhos de vocês pudemos ouvir suas almas cantarem as mais belas árias e atentar para as mais questionadoras exposições do mundo social em que vivemos. Porém, acredito que a palavra tenha igual valor à imagem e, portanto, gostaria também de deixar sinceros votos de alegria e realização para os autores de roteiros e peças escritas, que inundam nosso imaginário das imagens que pretenderam construir.

Grupo de quadrinistas da revista "Beleléu",
reunidos para desenhar suas histórias

Fica, então, um grande agradecimento a todos por suas colaborações singulares e de valia inestimável para a vida de cada um de seus espectadores e/ou "leitores". Parabéns pelo dia do desenhista a todos, e que a arte que os guia possa sempre render-lhes novas experiências tanto dentro quanto fora de vocês mesmos e para cada um de nós também. Parabéns!

quinta-feira, 12 de abril de 2012

O Encontro de Dois Mestres

Por Gabriel Guimarães



Recentemente, chegou às bancas ao redor do Brasil inteiro a edição número 44 da Turma da Mônica Jovem, que representou a união das criações de dois dos grandes mestres na arte sequencial, o brasileiro Maurício de Sousa e o japonês Osamu Tezuka. Considerados padrinhos das histórias em quadrinhos de seus respectivos países pelo papel e importância adquirido por suas criações e dedicação profissional, a dupla já mereciam ter uma homenagem como essa há tempo até demais.
Edição número 43 da Turma
da Mônica Jovem, onde
o crossover começou

Amigos pessoais desde que se conheceram durante uma visita realizada por Maurício por convite da Fundação Japão, há décadas atrás, para que o autor brasileiro pudesse aprender um pouco mais sobre a cultura das crianças japonesas, a relação dos dois começou com um grande aperto de mãos. Tezuka foi um dos primeiros a receber Maurício no aeroporto, o que já era considerado uma grande honra na época, uma vez observada a importância do autor japonês para toda a cultura de desenhistas que surgia no país.

Originário da cidade de Takarazuka, Osamu conquistou o Japão com sua arte e seu desejo sincero de entreter ao mesmo tempo que proporcionar experiências únicas , tocantes e reflexivas, em cada uma de suas histórias. Com uma vida dedicada à arte, fosse em páginas impressas ou em filmes produzidos por seu estúdio de animação, Tezuka proporcionou ao seu país os pilares sobre os quais construir uma das indústrias de fantasia e ficção mais impactante do mundo. Tezuka era um deus para os quadrinistas japoneses, e seu reconhecimento era mundial. A disponibilidade oferecida pelo próprio autor para receber e acolher bem Maurício era um reflexo de seu alto caráter e dedicação ao meio. Apaixonado pela atuação em si, uma vez que sua cidade natal tinha um gigantesco teatro como um de seus principais pontos de referência local, Tezuka passava dias e noites trabalhando sem parar em suas obras, sem, por isso, deixar de comparecer e prestigiar outros mestres dos quadrinhos que conhecia.

Maurício e Osamu
A fim de conhecer um pouco também da produção brasileira de quadrinhos, Tezuka aceitou o convite da mesma Fundação Japão que levara Maurício às terras do Oriente para vir até o Brasil e conhecer seus colegas de profissão, um oceano além. No dia 29 de setembro de 1984, Tezuka chegou às terras brasileiras no aeroporto de Congonhas, em São Paulo. Iniciada dois dias antes, no Museu de Artes de São Paulo (MASP), a exposição com a arte do mestre japonês atraía muitos dos seus admiradores, além de oferecer ao público um contato com o trabalho de muitos dos autores brasileiros que se destacavam na época. Durante a visita a esta exposição, no dia 30 de setembro, Tezuka pôde conhecer essa comunidade artística nacional, representada por nomes como Jayme Cortez (o blog já o homenageou aqui), Gedeone Malagola, Rodolfo Zalla, Naumin Aizen, filho do grande editor russo-brasileiro de quadrinhos Adolfo Aizen, dentre muitos outros honrados autores, além, é claro, do já companheiro Maurício. Segundo a Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustração (ABRAMI), Tezuka elogiou principalmente o trabalho de Cortez e de outro brasileiro cuja etnia nipônica era a mesma de Tezuka, o recentemente homenageado pela escola de desenho Impacto Quadrinhos no último Dia do Quadrinho Nacional, Julio Shimamoto.

Osamu e Maurício
A visita de Tezuka continuou, contando com outras muitas festividades para comemorar a presença ilustre do padrinho dos mangás, mas logo ele teve de voltar ao Japão, onde deu continuidade a seus incontáveis projetos. Apenas anos depois, agora novamente em viagem de Maurício à terra do Sol nascente, os amigos se reencontraram, em 1989, sob circunstâncias nada adequadas. Vitimado por um câncer, que poucos dias depois viria a tirar sua vida, Tezuka precisou organizar todo um esquema especial para encontrar com o mestre dos quadrinhos brasileiros e passar alguns conselhos de sua tão representativa vida para seu companheiro de arte sequencial. O arrependimento pela violência presente na maioria dos mangás que ganhava popularidade na época foi um dos assuntos comentados, além de pedidos pessoais para Maurício, como um maior aproveitamento da vida do brasileiro, para que não repetisse seu erro de exaurir sua vida apenas pelo trabalho, deixando em alguns momentos de lado sua família e vida pessoal. O padrinho dos quadrinhos brasileiros ouviu atenta e melancolicamente os desejos de seu amigo e soube que aquela seria sua última conversa com ele.

Imagem produzida por Maurício pouco após a morte de
seu grande amigo e companheiro de profissão, Osamu Tezuka
Ao chegar no Brasil, Maurício foi informado do falescimento do mangaká Osamu Tezuka, em 9 de fevereiro de 1989, quando decidiu produzir a seguinte imagem, em homenagem ao seu amigo. O mundo perdia um homem, mas a arte japonesa e a riqueza cultural mundial perdeu um de seus maiores e mais importantes autores, responsável por criações atemporais e consagradas, como "Astroboy", "Metrópolis", o jovem leão "Kimba", precursor da história do Rei Leão, além dos personagens "Black Jack", Safiri, de "A Princesa e o Cavaleiro", que estiveram presentes na mais recente história da turma jovem dos personagens de Maurício, numa forma de homenagem à parceria e amizade destes dois grandes mestres.

Abaixo, o vídeo de divulgação da primeira edição que continha essa história especial, realizada na loja Saraiva Mega Store, do Shopping Center Norte, em São Paulo, no dia 28 de fevereiro deste ano de 2012. Certamente, a história, centrada em torno da proteção da selva amazônica e da relação entre os personagens, originados de suas próprias histórias para se reunirem em um ponto comum, entrará para a lista fundamental de material a ser conferido dentre as publicações deste ano. Não deixem de conferir.