Por Gabriel Guimarães
O ítalo-brasileiro Ângelo Agostini |
A paixão do brasileiro pelos quadrinhos vem de muito tempo atrás, no começo de tudo. Considerados por muitos estudiosos como a primeira história em quadrinhos de fato (uma discussão na qual talvez um dia eu entre em um artigo futuro), "As Aventuras de Nhô Quim", do artista Ângelo Agostini, narra as histórias vividas por um homem do interior nas cidades do fim do século XIX e começo do século XX.
Desde então, a produção artística brasileira sempre procurou seu espaço e reconhecimento. Ainda antes do surgimento dos super heróis americanos, que influenciaram de forma intensa os profissionais dos quadrinhos brasileiros devido à forma como se deu sua difusão no território tupiniquim, houve uma história que merece um destaque pela sua ampla área de ação, "Garra Cinzenta", HQ de ação policial produzida por Francisco Armond e Renato Silva, em 1937, que fez grande sucesso aqui dentro, atingindo a marca de 100 capítulos, todos publicados pelo suplemento do jornal A Gazeta, a Gazetinha, como era chamado, e que chegou a ser exportado e muito bem recebido em países como Bélgica, México e França.
Com o surgimento dos novos heróis com poderes sobre-humanos em suplementos ao redor do Brasil todo, começou-se a disseminar uma "cultura do maravilhamento". Os leitores, entusiasmados com essa novidade, passaram a criar seus próprios personagens, suas próprias aventuras, muitas vezes adaptando sua realidade de vida para o formato. E não foram poucos os jovens que liam aqueles materiais que passavam a sonhar em desenhar eles mesmos aquelas histórias e trabalhar criando aventuras empolgantes nos jornais e revistas, dentre os quais, eu destaco o mineiro Ziraldo.
Entretanto, nem todos viam nas revistas um material produtor de sonhos, mas sim um elemento que corrompia a visão de realidade das crianças, que não teriam proteção suficiente para resistir à tendências rebeldes que se encontravam em algumas histórias. Além disso, os problemas que a arte sequencial encarava com o público tinham também, na verdade, haver com divergências e concorrência entre os produtores dos meios de comunicação da época (esse debate sobre concorrência e proteção do meio de produção de histórias em quadrinhos já foi debatido aqui no blog antes). Os editores e jornalistas que eram contra o dono da editora RGE e d jornal O Globo, Roberto Marinho, aproveitavam o fato de ele conseguir lucrar tanto com a venda dos suplementos de histórias em quadrinhos como uma brecha para ataca-lo de forma indireta.
Adolfo Aizen, dono da editora EBAL |
Como não poderiam atacar Marinho sem envolver outros setores onde a influência do magnata da comunicação pudesse os prejudicar, os demais jornalistas, dentre os quais Carlos Lacerda, Samuel Weiner e Orlando Dantas viram na crítica e ataque à influência dos quadrinhos nos mais jovens uma brecha para atacar o império financeiro do "global". Com isso, muitos ataques contra os quadrinhos foram disferidos, porém, em muito pouco isso de fato reduziu a aceitação das historietas pelos mais jovens. E, da mesma forma que existiam críticos ferrenhos da nona arte, existiam seus defensores, igualmente capazes e empenhados, como o escritor e sociólogo pernambucano Gilberto Freyre, autor da obra clássica "Casa Grande Senzala", o editor que começou sua carreira como líder dos primeiros fãs clubes brasileiros para as histórias em quadrinhos publicadas no Brasil e fundador da editora Record, Alfredo Machado, e o russo-brasileiro que revolucionou o mercado editorial brasileiro com a sua Editora Brasil América (EBAL) e a política de investimento na nona arte que fazia, Adolfo Aizen.
Foram tempos complicados, porém, produtivos, com dezenas, às vezes centenas, de materiais publicados. Mas a produção de histórias nacionais sempre encontrou dificuldades. Foi apenas sob a batuta do quadrinista Waldir Igaiara, na editora Abril na década de 1980, que a produção de artistas de dentro do país teve maior reconhecimento, de fato. A maioria das histórias protagonizadas pelos personagens da Disney era produzida no Brasil, e muitas delas, eram até mesmo exportadas para serem publicadas na terra-natal dos personagens (como mencionei na matéria de ontem e já há algum tempo atrás aqui no blog também).
Entretanto, tamanho potencial não foi explorado, e a produção de quadrinhos brasileiros se esvaiu. Por um tempo depois, aqueles que desejavam ser parte dessa indústria passaram a se voltar para o exterior, enviando seu trabalho para ser publicado nos Estados Unidos em diversas editoras, inclusive nas duas gigantes, Marvel e DC.
Na década que acabou, entretanto, uma nova esperança foi surgindo. Alguns autores começaram a arriscar fazer algo voltado para o público brasileiro mesmo, criando alguns bons sucessos de público e crítica, como são so casos de Combo Rangers, do paulista Fábio Yabu, e da série que recebeu grande atenção em 42 edições e 6 especiais, Holy Avenger, da dupla Marcelo Cássaro e Érika Awano. E foi a partir desses casos na metade inicial da década que se viu uma mudança nesse panorama. Muitos desenhistas e roteiristas começaram a publicar seu material, querendo adquirir representação nessa fatia cada vez mais considerável do consumo no mercado de quadrinhos.
E com os anos passando, foram surgindo projetos cada vez melhores, como Jambocks! da dupla Celso Menezes e Felipe Massafera, Bando de Dois, do artista Danilo Beyruth, e Táxi, do chargista Gustavo Duarte.
Foi uma década muito importante por toda a produção que foi feita, e vejo cada vez mais abertura para isso, com a nova política do Programa Nacional Biblioteca na Escola (PNBE), que compra tiragens excelentes de livros para uso escolar, e que está invetindo mais e mais no setor da arte sequencial como ferramenta de ensino (em 2007 foi talvez o primeiro grande destaque dessa adoção de material em quadrinhos, com 300 obras sendo escolhidas e distribuídas pelos colégios ao redor do país).
E cada vez mais nomes brasileiros ganham uma dimensão maior no contexto global, como os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, o quadrinista Rafael Grampá, o desenhista Mike Deodato Jr. (que começou a carreira na década de 1990 mas que teve seu trabalho mais reconhecido nessa última década), o artista Ivan Reis, dentre muitos outros.
Muitas mudanças foram realizadas, e hoje, mais que ontem, e, se Deus quiser, amanhã mais ainda que hoje, os quadrinistas brasileiros têm uma real chance de terem seus trabalhos publicados e de dizer que somos brasileiros, com muito orgulho, com muito amor. E isso não poderia de ser dito aqui.
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