segunda-feira, 4 de julho de 2011

Uma Breve Retrospectiva

Por Gabriel Guimarães


As duas gigantes do mercado editorial de quadrinhos de heróis não estão num bom momento criativamente. Apesar de essa afirmação definitivamente não ser novidade para qualquer um que acompanhe os títulos mensais e/ou edições especiais publicados por elas, é preciso destacar que é possível sim ainda produzir material de qualidade com esses personagens, ainda que estejam desgastados pelas décadas de aventuras ininterruptas.

Quando os quadrinhos sugiram no fim do século XIX, traziam em si um ar de mudança, de ferramenta para que temas importantes pudessem ser abordados de forma a alcançar uma proporção muito maior do que os livros inteiramente textuais seriam capazes. Presentes nos jornais de forma diária, muitos artistas utilizaram esse meio de comunicação para fazer críticas a aspectos sociais, econômicos e políticos que afetavam a vida de grande parte da população que consumia aqueles periódicos e, dessa forma, influenciaram muito mais pessoas do que jamais imaginariam. Esse canal criado entre os quadrinhos e seus leitores se fortaleceu ao longo dos anos, e os quadrinhos foram, de certa forma, amadurecendo.

Com o começo do século XX, vieram as duas Grandes Guerras, e o mercado consumidor já não era mais o mesmo. Fantasias, brincadeiras infantis e críticas brandas não mais encontravam tanto espaço, em meio a uma agenda preenchida por ações movidas por um grande medo do que viria a seguir. Em tempos de grande angústia, que foi reforçada pela grande crise financeira de 1929, as pessoas precisavam de alguém que as tirasse de todo aquele caos, e lhes mostrasse que existe alguém em quem elas podiam esperar. Alguém que lutasse contra o vilão todos os meses seguidos para salvar a bela donzela em perigo. As pessoas precisavam de heróis.

Quando as ameaças à vida comum superaram os limites que personagens como o Fantasma, Flash Gordon, Agente Secreto X-9 ou o Príncipe Valente, poderiam lidar, o "universo" dos quadrinhos se adaptou em si mesmo, e lhes deu um dom acima das pessoas normais: os super poderes. É, então, que surgem Superman e Batman, para renovar a esperança do mercado consumidor de quadrinhos. A partir da repercussão que tiveram junto aos leitores e com a sociedade como um todo, as editoras todas começaram a se arriscar, buscando a produção de uma nova geração de defensores dos interesses humanos. Ainda que tenham se limitado à ideologia que foi chamada de "american way of life", esses personagens foram muito importantes na formação de muitos jovens, que adotaram os alicerces ideológicos destes para si.


Stan Lee ao lado de seu Homem-Aranha

Com o fim da guerra, foi um novo momento de mudança. Os super-heróis acabaram perdendo espaço justamente pela mesma razão que os levou ao topo: sua condição sobre-humana. Uma vez que não eram afetados pelos problemas corriqueiros dos seus admiradores, a identificação com eles foi ficando cada vez mais difícil, até que um roteirista resolveu trazer esses seres maravilhosos para o nosso mundo real, e pôs rostos de verdade por trás das máscaras e capas. Assim, a Marvel começou seu universo de aventuras, e Stan Lee se tornou o rosto mais conhecido do mercado de quadrinhos ao redor do mundo todo (fiz uma matéria em homenagem a esse grande quadrinista aqui no blog antes, porém, a fim de tentar fazer chegar o texto até ele pessoalmente, a escrevi totalmente em inglês). Observando a mudança na receptividade dos quadrinhos da editora rival, o editor Julius Schwartz, junto com Gardner Fox, trouxe nova vida aos personagens da DC também.

  
Zap Comix, um dos títulos mais populares
dos quadrinhos underground e a revista do
Lanterna e do Arqueiro feita pela dupla
Adams e O'Neill

O mercado novamente estava agitado, com muita procura e conteúdo original sendo produzido. Por décadas tudo se manteve bem, o que prermitiu aos quadrinhos se arriscar em experimentos no rádio, na televisão, e até no cinema (já fiz uma análise da história dos quadrinhos no cinema aqui, que em breve, deve ser expandida). Os símbolos desses heróis passou a figurar entre os mais reconhecidos ao redor do planeta todo, e suas histórias atraíam multidões, porém, toda fonte criativa uma hora seca, e neste caso não foi diferente. Na década de 1970, com o movimento cultural que estava em atividade nos concertos de música e a queda de dogmas nas gerações que assitiram horrizadas os terrores da Guerra do Vietnã, os quadrinhos passaram por mudanças. O estilo underground, mais voltado a dar um tom sarcástico à vida comum na sociedade, começou a ganhar muito espaço e popularidade, enquanto os heróis tentavam abordar o tema de todas as formas como poderiam. Neste campo, Neal Adams e Dennis O'Neill merecem um grande destaque pelo trabalho feito com a dupla Lanterna Verde e Arqueiro Verde, pela DC, além do também brilhante trabalho feito no Homem-Aranha, pelas mãos do ainda extremamente habilidoso Stan Lee e o talentoso artista John Romita Sr.




Na década seguinte, para muitos um período marcado pela falta de fé e pela desesperança em um mundo melhor, os quadrinhos novamente tiveram que se adaptar, e é nessa época que o nome de Frank Miller ficou conhecido, através do seu trabalho no Batman, porém, não foi apenas pela trama que escreveu que ele ficou reconhecido na história da arte sequencial americana. O grande papel desempenhado por Miller foi algo que nos dias atuais está em xeque: o destaque maior para o autor da obra do que para a obra em si. O mercado passou a valorizar mais as produções de determinados nomes em detrimento a valorizar bons trabalhos de escritores e desenhistas menos renomados. Ainda que tenham existido casos espetaculares vindos dessa estratégia, como Watchmen, criado pela dupla britância Alan Moore e David Gibbons (cujo trabalho já foi analisado em matéria aqui no blog), os resultados não foram tão bons como eram pretendidos, gerando uma série de graves consequências para as editoras voltadas para esse mercado.

Com isso, a década de 1990 quase causou a ruína dos quadrinhos. O mercado passou a ser o foco, e não mais as questões relativas à criatividade e habilidade dos produtores das histórias. Com isso, surgiu a Image Comics, cujo foco se encontrava quase que exclusivamente em criar material visual atraente feito por profissionais do mercado que já possuíam um nome junto conehcido junto aos leitores, como Jim Lee e Marc Silvestri. Essa estratégia, uma vez que ignorava a real importância dos roteiros das histórias, acabou por afastar muitos consumidores regulares dos quadrinhos em si, já que as duas grandes editoras decidiram realizar algo similar em suas linhas tradicionais, tentando recuperar os números de vendas perdidas que estavam acumulando. A Marvel, então, quase entrou em falência, não fosse uma busca desenfreada por parceiros que a bancassem existindo, como, por exemplo, através do acordo firmado entre a editora e a produtora Fox, que adquiriu todos os direitos de produção audiovisual dos personagens do grupo X-men em teor de exclusividade.

Na última década (que teve seus principais acontecimentos voltados para os quadrinhos analisados meticulosamente aqui no blog no começo do ano), os quadrinhos novamente passaram por grandes mudanças. A evolução do relacionamento entre a nona e a sétima artes cresceu em níveis incríveis, e isso atraiu toda uma nova gama de leitores e admiradores para os quadrinhos, que precisaram manter o interesse dos seus consumidores que já eram tradicionais, além de expandir para novos nichos. Um tanto abalados pelos eventos decorridos no começo da década, em 2001, os quadrinhos passaram por um período de luto (que foi explicado aqui no blog), e de recomeço após isso. O mundo se tornou um ambiente em geral político, e isso passou a ser percebido de forma clara no universo de personagens queridos pelos leitores, como eram os da Marvel e da DC. "A Guerra Civil" pela Marvel e a eleição de Lex Luthor para presidente dos Estados Unidos pela DC mostra bem isso (um estudo superficial sobre essa relação entre política e quadrinhos também já foi feita aqui no blog antes, e em breve deve ser complementada).

Para encurtar um pouco essa contextualização, que poderia se extender por um texto muito longo, nos dias de hoje, estamos em um período talvez não tão claramente caótico, mas nem por isso, menos desorientador. Com o desenvolvimento contínuo da tecnologia e a velocidade cada vez crescente com que as relações sociais têm sido pautadas, os quadrinhos deveriam observar, tal qual fizeram no passado, aquilo de que seus consumidores mais precisam, e não tanto aquilo que seus consumidores compram. Pode parecer um tanto ideológico demais imaginar uma editora focar seu trabalho na criação de um universo caloroso para tempos um tanto frios de relacionamento pessoal, porém, o principal objetivo dos meios de comunicação deveria ser suprir as carências que a sociedade comunicativa demanda. Em qualquer rede social que se va pesquisar, é muito fácil observar uma quantidade imensa de usuários nostálgicos, perdidos em memóriaa que parecem longe demais para serem alcançadas ou igualadas em termos de relevância nos dias atuais. Entretanto, não acredito ser impossível criar algo desse porte, apenas observo que o foco que a sociedade vem tomando está indo numa direção que não tem essa satisfação de necessidades como meta, o que é um tanto preocupante.

Acredito que, hoje, há muito poucas pessoas se preocupando com o que os quadrinhos fazem seus leitores sentir, e muitas questionando apenas aspectos relativos a cifras e rendimento de capital. Por mais que vivamos em uma economia de mercado, que carece de contínuos rendimentos para a manutenção das marcas, a questão criativa não pode sair de discussão, e precisa de novos argumentos para se chegar a um ponto comum que mantenha boa recepção do mercado consumidor e agrade a longo prazo a vida de seus leitores. Leitores e consumidores são dois lados de uma mesma moeda, e esta não pode ficar viciada em apenas dar sempre um mesmo resultado.

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