Por Gabriel Guimarães
Nesse último mês, a Marvel voltou a ficar em evidência no mercado com as recentes adaptações para o cinema das histórias em quadrinhos de alguns de seus personagens, como Thor e o grupo de mutantes X-men. Em breve, outro que entrará nessa lista de adaptações é o Capitão América, cujo filme protagonizado pelo ex-Tocha Humana Chris Evans, deve estrear por volta de julho nas grandes salas de cinema. Todo esse destaque para os filmes da Marvel me chamou a atenção para uma transição de foco que estou percebendo na política da editora.
Os roteiros e a qualidade dessas duas últimas produções para o cinema ("Thor" e "X-men - First Class") são aspectos que de forma alguma podem ser duvidados. A trama dos dois foi trabalhada de forma extremamente cuidada e resultou em espetáculos para os olhos e a mente dos espectadores, superando assim as expectativas de grande parte dos fãs dos personagens. Em especial esse segundo, o sucesso se deve, acredito, a todos os envolvidos colaborarem de forma realmente focada para garantir um bom resultado para o projeto. E isso é facilmente notado enquanto você está assistindo o filme. A narrativa flui de forma natural, sem peso, e o mundo onde os personagens estão inseridos realmente se torna crível e majestoso. Há, entretanto, um fator a mais que pude perceber nesses dois filmes, que também podem ser encontrados nos filmes que são considerados algumas das melhores obras baseadas em quadrinhos no cinema, que deve ser destacado: a arte da adaptação.
Quando assistimos a uma obra adaptada de um meio de comunicação para outro, é imprecindível que compreendamos que não se trata de uma transcrição literal. Uma adaptação, em hipótese alguma, pode conter em si todos os elementos que a obra original possui, pois o meio pelo qual uma mensagem é transimitda influencia de forma essencial na mensagem que é transmitida (como destacou o teórico de comunicação Marshal McLuhan em sua obra máxima "Os Meios de Comunicação como Extensões do Homem"). Cada forma artística tem suas próprias qualidades e falhas, e é sabendo trabalhar em cima desses aspectos específicos de cada um que se consegue o que a Marvel tem conseguido em suas últimas empreitadas nas grandes telas: ela tem trabalhado com bastante afinco para adaptar o universo de seus personagens, suas motivações, suas personalidades, sem querer adaptar o formato detalhe a detalhe de suas histórias mais antológicas, se concentrando dessa forma em manter viva a essência da história, porém, dando-lhe uma abordagem repaginada e original.
Quem for assistir "X-men - First Class" perceberá essa liberdade criativa de forma claríssima e nem por isso ficará decepcionado com o filme, que funciona de forma perfeita unindo seus detalhes e personagens. Os filmes anteriores do Homem de Ferro podem servir de forma óbvia para essa questão. A HQ "A Guerra das Armaduras", que gerou o argumento para o segundo filme do cabeça de lata é completamente diferente da história contada no filme, porém, ela está inserida lá em caráter fundamental para toda a criação e desenvolvimento dos personagens e da trama central. A Marvel, portanto, está acertando precisamente no alvo com essas últimas adaptações, porém, está cometendo um erro que foi o que me motivou a escrever essa postagem: ela está investindo cada vez mais na sua divisão Marvel Studios, responsável atualmente por todo planejamento de adaptação das obras da Casa das Ideias para demais meios de comunicação, e deixando cada vez mais de lado a origem de todo seu grande público, as revistas em quadrinhos.
Eventualmente, surgem bons arcos e boas histórias com os personagens Marvel, mas se for observar de perto, essas são limitadas a poucas séries e com um período de duração muito curto. "Os Supremos", de Mark Millar e Brian Hitch; "Guerra Civil", também de Mark Millar, porém, em parceria com Steve McNiven; toda a reconstrução da mitologia do Homem-Aranha no universo Ultimate, feita por Brian Michael Bendis, com ajuda de várias mãos que desenharam histórias que realmente envolviam o universo jovial em que o personagem está inserido, como Mark Bagley, Stuart Immonen e David Lafuente; dentre outros, são alguns exemplos singulares de que é possível ainda produzir boas histórias em quadrinhos e atrair tanto o público mais antigo quanto o novo que se forma pela geração pipoca e controle remoto. As últimas tentativas, porém, de gerar crossovers entre os personagens da editora, como "Invsão Secreta", "Reinado Sombrio" e o "Cerco", por outro lado, têm sido pífias, para dizer o mínimo.
John Byrne posa ao lado de um dos seus desenhos originais para os X-men |
O público que começa hoje a ler as revistas em quadrinhos nem sente muito essa diferença, pois não teve contato com as grandes fases dos personagens que lêem, como Stan Lee e John Buscema no Surfista Prateado; Stan Lee de novo com John Romita Sr no Homem-Aranha; Chris Claremont e John Byrne nos X-men; John Byrne novamente, mas junto à Mulher-Hulk; Barry Windsor-Smith no Wolverine; entre outras dúzias de bons e memoráveis momentos. O que acontece é que há falta de um elemento comparativo para o novo público. E, com isso, a Marvel investe em excelentes roteiros de cinema, uma vez que são em geral a maior fonte de primeiro contato com os personagens que os leitores de hoje têm, e relevam a manutenção de histórias emocionantes nas páginas de quadrinhos, sendo em grande parte estas hoje movidas por temas e confrontos mencionados nestes filmes (já fiz uma matéria sobre o quanto as adaptações para o cinema têm influenciado as histórias em quadrinhos em geral aqui no blog antes, quem quiser pode dar uma conferida).
Admiro muito todo o trabalho que a editora está fazendo com aquilo que é seu cerne, que apesar de muitos não perceberem, não se trata de histórias em quadrinhos em si, mas sim de um universo vasto e cheio de personagens e estórias. Entretanto, tenho desejo sincero e profundo que a Marvel não esqueça suas origens e seus leitores que lhe fizeram atingir o patamar onde se encontra hoje, porque o público novo de hoje é fugaz e passageiro, enquanto aqueles que acompanham a editora desde seus primórdios ou desde que eram crianças pequenas, são leitores recorrentes que criam um vínculo com o que lêem que dificilmente pode ser quebrado. Nota-se que existe essa possibilidade de quebra-lo, o que não pode ser esquecido de forma alguma.
Esta matéria também me serviu para poder falar do filme "X-men - First Class", que fui assistir na primeira sessão no dia da estreia e que relutava em fazer uma resenha sobre ele a fim de não estragar eventuais surpresas e dar spoilers de cenas. Como pode ser percebido, não cometi nenhuma dessas violações de consideração com meu público leitor, e meu objetivo era esse, para que o julgamento de vocês do filme não se paute de forma alguma pelo meu julgamento dele. Acredito que todos têm direito a uma opinião, e a minha ficou bem claro nessa matéria, o que só poderia ser qualificado pelo meu grau de avaliação de material em 5 estrelas. Desejo a todos uma boa sessão e convido-os a dividir conosco suas opiniões sobre o filme e/ou a política de adaptações da Marvel para o cinema, aqui depois. Excelsior!
6 comentários:
Texto corajoso o seu. Ao exaltar o Universo Ultimate, você corre o risco de ser apedrejado na esquina pelos fãs xiitas do Universo Marvel (como se Ultimate não fosse Marvel, enfim...). Mas concordo com suas considerações. Só discordo quando diz que Invasão Secreta, Reinado Sombrio e O Cerco são ruins. Pô, "O Cerco" é MUITO BOM! Uma das melhores sagas dos últimos anos, melhor que Invasão Secreta e aquela bobagem do Hulk contra o Mundo. Reinado e Invasão também foram boas, embora os inúmeros tie-ins possa te-las tornado cansativas em determinado momento. Mas foram títulos específicos, com roteiristas pouco inspirados. Os títulos maiores sustentaram a saga toda.
Ok, falei demais. Artigo excelente. E eu ainda estou tentando fazer o meu dos X-Men e não consegui. hauhauhauha... Abraço!
Que bom que gostou da matéria, Mutante X. Quanto aos elogios para o Homem-Aranha ultimate, eu não considero o mundo Ultimate e o mundo 616 da Marvel universos diferentes, os considero sim dimensões diferentes do mesmo universo. Para mim, o universo de uma editora engloba tudo aquilo que ela publica. Da mesma forma, eu considero Reino do Amanhã parte do universo DC. Quanto às minis que eu comentei como sendo fracas, baseei meu argumento no que disse já antes aqui no blog, quando as editoras vêem que uma fórmula deu certo e a usam até a exaustão a fim de atrair público. Com a "Guerra Civil", eles chamaram muita atenção, e repetiram o mesmo esquema consecutivas vezes a ponto de ficar irritante. Eu esperava muito de "O Cerco", porém, me decepcionei bastante com cenas sem o menor sentimento de inesperado e sem quase nenhuma emoção, puramente luta sem pensamento.
"Hulk contra o Mundo" foi muito fraca mesmo, apesar de o personagem sempre ter potencial para ser o centro de uma mega saga. Entretanto, essa potencialidade precisa ser trabalhada de acordo, para produzir um resultado satisfatório. Em "Invasão Secreta", eu vi simplesmente um dos maiores desrespeitos com os fãs tradicionais da Marvel desde que quase zeraram o Homem-Aranha na saga "Mais Um Dia". Me desculpe, mas dizer que a Elektra nunca voltou dos mortos desde que morreu há uns 20 anos, é uma tremenda falta de consideração com seus leitores (e eu nem sou fã dela nem nada). Eu avalio mto as histórias por questões extra-ficcionais também, daí muitas vezes acabo chegando a uma conclusão com a qual nem todos concordam. Mas fico imensamente satisfeito que você tenha se sentido em liberdade pra dividir aqui sua opinião sobre o artigo. Está convidado para sempre fazê-lo quando quiser. Um grande abraço!
Acho perigoso a Marvel estar a começar a pautar os quadradinhos pelos filmes, deveria ser ao contrário. Mas não há dúvida que as adaptações vão sendo cada vez melhores. Ainda não vi o X-Men, mas gostei muito do Thor!
Quanto ao Universo Ultimate, acho-o muito bom, os dois "calhamaços" dos Ultimates de Millar e do Hitch foram do melhor que a Marvel já fez nos último anos. Neste momento estou a comparar poucas edições da Marvel, porque as poucas que eu gostava e estavam interessantes, como Nova e Guardians of the Galaxy foram suspensas, e o resto é feijão com massa... e o remoer e espremer heróis já muito desgastados...
Abraço
Bongop, a Marvel, talvez devido à compra pela Disney ou não, realmente está dando muita atenção para seus produtos nas grandes telas. A questão é que ela não pode cometer o erro de deixar de lado suas origens e aqueles que a ajudaram a chegar até o topo onde está hoje, mesmo depois de uma quase falência na década de 1990, quando a maioria já nem dava muita atenção para ela.
A dimensão Ultimate tentou adequar os personagens clássicos a uma era atual, e o fez muito bem em vários aspectos. Em outros, não. Ou seja, como qualquer linha regular de histórias, possui suas qualidades e defeitos. "Os Supremos" foi excelente, "Ultimato" foi absurdamente medíocre. Da mesma forma, isso ocorre na dimensão tradicional, onde há arcos excelentes e sagas que todos dariam tudo para esquecer.
É... realmente muito bom a Marvel se pautar nas suas estórias de qualidade para criar bons filmes, desejando que não se paute nos que é publicado hoje, pois se não a qualidade vai passar de A para D...
Daniel, o meu ponto de vista aqui é que na verdade, é preciso encontrar um equilíbrio para que haja boas histórias tanto nos cinemas quanto nos quadrinhos. Se um dos dois tem se mostrado possível, isso mostra que também existe chance do outro ser. Tudo que é preciso é um planejamento mais bem preparado para tal trabalho.
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