quarta-feira, 30 de novembro de 2011

Passarinhos na Livraria

Por Gabriel Guimarães



Na noite deste dia 30 de novembro, aconteceu o lançamento do segundo volume da coletânea de tirinhas da série "Os Passarinhos", do quadrinista Estevão Ribeiro, na livraria da Saraiva Megastore do Botafogo Praia Shopping, no Rio de Janeiro. Com muitos convidados do ramo, o evento proporcionou um bom momento de discussão sobre os recentes acontecimentos no mercado editorial de quadrinhos brasileiros, como a FIQ (que foi comentada aqui no blog), a Rio Comicon (que teve cobertura completa feita aqui também) e questões bastante interessantes acerca das carreiras dos profissionais que estiveram lá presentes.

Contando com artistas como Emerson Lopes, criador do personagem Alfredo, o Vampiro, cujo blog de tirinhas pode ser visto aqui, e Leo Finocchi, ilustrador que participou junto com Lopes do álbum "Pequenos Heróis", escrito pelo próprio Estevão Ribeiro (e que já foi lembrado aqui no blog também), o evento foi movimentado, apesar dos problemas iniciais com a divulgação. Tendo atraído o público principalmente pelos convites nas redes sociais, o trabalho de organização realizado pela livraria Saraiva foi um tanto deficiente, com a falta de anúncio da sessão de autógrafos que ocorreria e a falta de um ambiente previamente preparado para sediar o encontro dos admiradores do trabalho de Estevão. O próprio autor, inclusive, realizou uma estratégia de divulgação inusitada, e montou, a partir de pequenos papéis amarelos de post-its, um dos personagens de seu livro, o ácido Afonso, em cima da mesa de autógrafos, o que chamou bastante a atenção de quem estava por lá.

Leo Finocchi, Estevão Ribeiro, Eduardo Spohr e Emerson Lopes,
respectivamente, da esquerda para a direita da foto

O serviço, porém, após o início do evento em si, melhorou consideravelmente, e tornou a noite bastante agradável, conforme mais pessoas iam chegando ao local para conferir o novo lançamento da editora Balão Editorial (cujo editor Guilherme Kroll já foi entrevistado aqui no blog antes). Dentre os visitantes, também se destacaram o escritor Eduardo Spohr, autor de livros que tiveram um enorme sucesso junto ao público e à crítica recentemente, "Batalha do Apocalipse" e "Filhos do Éden", e o blogueiro Júlio, mais conhecido como 'Triplo', do blog "Melhores do Mundo".

O evento atraiu bastante gente, e
movimento foi certamente bem vindo

O lançamento de "Os Passarinhos e Outros Bichos", que contou com material especial ilustrado por outros grandes desenhistas do setor nacional de quadrinhos, como os irmãos Vitor e Luciana Caffagi, Danilo Beyruth, Mario Cau, além dos já mencionados Lopes e Finocchi e vários outros talentosos quadrinistas, foi um grande sucesso, e mostrou a evolução que vem realizando o cartunista e roteirista Estevão Ribeiro, que recentemente passou a dar aulas de roteiro para histórias em quadrinhos no curso de desenho Impacto Quadrinhos, no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. Esse segundo volume dos adoráveis personagens aviários de Estevão agora fazem parte de uma coleção que já inclui três livros de quadrinhos e um livro ficcional de suspense, "A Corrente", publicado pela editora Draco e que, ano que vem, já será publicado na Itália, e esse ritmo de produção não demonstra sinais de que vai diminuir, permitindo, assim, aos leitores o conhecimento de que o seu desejo de querer mais do material de Estevão tem tudo para ser suprido com cada vez mais qualidade.

terça-feira, 29 de novembro de 2011

Estrada para Tempos Difíceis

Por Gabriel Guimarães


A primeira metade do século XX foi um período extremamente marcante para a história da humanidade. Ocorreram duas guerras mundiais, que causaram a morte de milhões de jovens soldados de ambos os lados das trincheiras, o mundo viu a maior potencial econômica global quase colapsar com a quebra de sua bolsa de valores e ações e a bomba atômica foi lançada nas cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, mostrando até onde ia os limites da crueldade e brutalidade do homem. Foi um período bastante obscuro que até hoje mostra reflexos no convívio social entre diferentes nações ou mesmo entre partes distintas de uma mesma nação. E foi no cenário da crise financeira, que destruiu vidas e famílias e interrompeu sonhos e trajetórias, que os quadrinhos da DC comics começaram a crescer nos Estados Unidos, mas fica uma pergunta curiosa a ser feita: como, em meio a tamanho revés financeiro, surgiam investimentos para a publicação das ascendentes revistas de histórias em quadrinhos, consumidas aos montes pelas crianças, jovens e adultos dos grandes centros urbanos?

Harry Donenfeld (à esquerda da foto), numa
das gravações do programa de rádio do Superman

Apesar de ser um assunto um tanto polêmico, esse momento se deu ao suporte fornecido por um homem cujos negócios não eram necessariamente às claras, porém, cuja intenção para com o meio foi imprecindível para o desenvolvimento e popularização deste. Trata-se do homem de negócios de origem judáica cujos documentos sobre seus primeiros trinta e cinco anos de vida são inexistentes, apesar de supostamente lhe qualificar como perito em administração, o romeno-americano Harry Donenfeld. Cheio de histórias para contar e com contatos em todos os cantos da cidade de Nova York, Donenfeld teve um papel fundamental para a editora que posteriormente publicaria os primeiros super-heróis da história dos quadrinhos, sendo um dos grandes entusiastas das revistas de pulp fiction, histórias normalmente trabalhadas de forma superficial sobre o submundo do crime e da investigação policial e particular, muito comuns naqueles tempos de pobreza e desilusão. Talvez fosse pelo temperamento  absorto do empresário e sua obsessão pelos negócios, que o tornava muito difícil de lidar pelo espectro dos funcionários que criavam os títulos da editora, como no caso dos criadores do Superman, Jerry Siegel e Joe Shuster; ou pelas polêmicas acerca de seu oportunismo e lábia comercial, aliada a pagamentos por debaixo dos panos por pontos de venda preferenciais para suas publicações, como a sua revista "La Paree" nos teatros de revistas, por volta de 1933, Donenfeld era visto como uma pessoa difícil de lidar, e uma referência de alto risco para quem observava o mercado editorial americano, sendo, dessa forma, sempre mantido como um sócio secreto da editora DC.

A origem de Donenfeld, porém, é o que liga toda essa contextualização para a matéria de hoje. Tendo sido membro de praticamente todas as gangues do East Side de Nova York, o homem de negócios acabou por desenvolver uma rede de contatos um tanto preocupante para os seus parceiros formais de editora, como o aclamado editor-chefe Jack Liebowitz. A história da vida de Donenfeld reflete bem os tempos em que as pessoas estavam inseridas, onde a necessidade de sustento muitas vezes as levavam a destinos jamais imaginados originalmente, numa estrada para a perdição.

Edição nacional da HQ, publicada pela
editora Via Lettera, em 2002

Em 1998, o roteirista Max Allan Collins e o desenhista Richard Piers Rayner fizeram uma sensível história sobre o reflexo desses tempos em pessoas diretamente ligadas ao submundo do crime, mais especificamente à máfia gerenciada pelos imigrantes irlandeses e sua relação com grandes grupos ligados ao comércio ilegal de álcool, em tempos de lei seca. A história "Estrada para Perdição" narra os laços entre um pai e um filho que transcendem os de uma hierarquia profissional, à exemplo do excelente mangá "Lobo Solitário", de Kazuo Koike e Goseki Kojima (que já foi comentada aqui no blog antes), que influenciou fortemente a obra da dupla americana.

Centrado em Michael O'Sullivan Junior e seu homônimo pai, a história parte do momento mais sombrio na vida da família do braço direito de uma das maiores gangues mafiosas das três cidades do condado de Rock Island, liderada pelo experiente John Looney. Depois de uma negociação que deu errado pela imaturidade de Connor Looney, filho de seu chefe, O'Sullivan pai, renomadamente conhecido como Anjo, acaba descobrindo que fora traído pela hierarquia da qual fazia parte como forma de limpar a reputação do protegido da linhagem, e encontra sua esposa e filho mais novo assassinados dentro de sua própria casa.

Em uma busca intrépida pela justiça com sua própria família, gerando para o leitor uma discussão acerca do conceito de "família", tão tradicional no ramo da máfia, O'Sullivan revela as facetas de uma pessoa real por baixo do terno com que realizava seus trabalhos de assassino mandado, e provoca momentos de tremenda carga emocional, sobre mais do que um personagem a seguir suas diretrizes, mas sim de uma pessoa e suas pretensões e expectativas.

Envolvendo nomes reais do contrabando ilegal na década de 1930, como Al Capone, a obra ganha um teor histórico incrível, reforçado em muito pelos traços impressionantes de Rayner, que dá o tom perfeito para a trama, prendendo o leitor e se destacando nos detalhes preciosos em cada cena e nas expressões faciais extremamente realistas. Com muita ação e emoção, dando também atenção para a tradição religiosa dos irlandeses com a Igreja Católica, a obra é surpreendente e sua montagem enquanto peça editorial é algo que merece ser destacada. Sob a determinação dada no primeiro quadrinho da história, de que a trama é apresentada em preto e branco pois se trata de recordações, que, tal como os sonhos de algumas pessoas, não têm cor, a produção do material fica perfeitamente encaixada, pois a aplicação de cor apenas tiraria a carga de peso da obra e seu tão importante conteúdo histórico.

A publicação nacional, feita pela editora Via Lettera em março de 2002, com capas do ainda "desconhecido" Gabriel Bá, ganha muito em termos de qualidade pelo uso do papel off-set que dá um tom de branco mais forte, destacando ainda mais o constrate de luz e sombra feito pelas incontáveis e milimétricas linhas de Rayner. Entretanto, o processo de colagem das páginas na primeira edição da trilogia de livros que constituem a história, é bastante frágil, tornando-o um material um tanto delicado de se mexer para não causar sua destruição física.

Pai e filho na jornada criada por um elo mais importante que
a lealdade profissional
Outro comentário importante para ser feito é pela adaptação da obra para os cinemas, em 2002 (que já foi comentada aqui no blog antes), com o ator Tom Hanks no papel do Michael "Anjo" O'Sullivan e Paul Newman no papel do velho John Looney. A qualidade e profundidade dadas ao ajuste de contas do protagonista são de uma qualidade também impressionantes e, certamente, qualificam o filme como material para ser recomendado com bastante entusiasmo.

NOTA GERAL: 4 ESTRELAS.

quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Quadrinhos de Placa

Por Gabriel Guimarães


Dentro das quatro linhas, é possível observar toda sorte de emoções, desde a alegria à raiva, da esperança ao desespero, cores que dão o tom que contagiarão milhares de pessoas em todos os lugares do mundo, seja para o bem ou para o mal. Com muita ação e movimentos calculados e esquematizados a partir de muito treino sério, é impressionante os elementos que uma partida de futebol e uma história em quadrinhos podem ter em comum.

Edição única do "Almanaque
do Dico", publicado em 1980

Como elemento cultural presente na vida de todo brasileiro, então, não é nenhuma surpresa que o futebol esteja, portanto, presente no universo das histórias desenvolvidas dentro do país, sendo, às vezes, até o âmago do conto ou da perspectiva dos personagens. Obras como a oscilante coletânea "Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol" são exemplos disso. Entretanto, não é de hoje essa relação entre a nona arte e o mundo da bola preta e branca que rola pelo gramado, e tampouco essa é uma tradição exclusivamente brasileira. Criado originalmente em 1971 pelos argentinos Alfredo Julio Grassi e José Luis Salinas, para o famoso syndicate americano de quadrinhos, o King Features, o personagem Dick se tornou um exemplo claro da cultura do futebol na arte sequencial, que era procurado pelo público latino que vivia nos Estados Unidos. Foi, porém, apenas alguns anos depois, que o material foi lançado propriamente dito na Argentina, encontrando uma recepção excelente, já com os desenhos de outros profissionais dos quadrinhos,  Carlos Pedrazzini e Lucho Oliveira. Quando foi, enfim, lançado aqui no Brasil, muniu-se da popularidade crescente que o jogador Zico, que jogava no Flamengo, estava tendo, e foi renomeado para Dico, sendo publicado pela RGE a partir de 1975. Em 1980, ganhou seu próprio título, "Almanaque do Dico", que foi uma edição única do personagem.

O futebol, entretanto, nem sempre é mostrado como elemento formador da realidade em que a história se constrói, mas também é uma ferramenta constituinte da personalidade dos personagens, como é o caso do personagem Djalma, na primeira crônica-história do livro "Sábado dos Meus Amores", do talentoso quadrinista Marcello Quintanilha. Com uma sensibilidade destacável e um traço realista, Quintanilla narra crônicas sobre a realidade do Brasil em várias de suas regiões habitadas pelas camadas baixas da sociedade a história de pessoas que não são menos reais do que muitos dos quais é possível conhecer trafegando no transporte público dos grandes centros urbanos ou mesmo frequentando os locais de maior clamor popular, como um bar, uma loja de esquina ou um sítio de obra. Através dessa perspectiva é que Quintanilla nos apresenta à realidade inconfundível do velho e supersticioso Djalma, cujos costumes em dias de partida de futebol o tornam uma pretensa lenda da cultura do brasileiro.


Capa da história em quadrinhos
digital protagonizada pelo
'maestro' Kaká, feita pela Adidas

Os quadrinhos, da mesma forma, já se tornaram parte do futebol, num sentido inverso dessa transição de influência. Essa relação pode ser óbvia, com jogadores e times usando uniformes ou peças de vestimenta que aludem a determinadas histórias publicadas em quadrinhos há décadas e que os influenciaram, ou mesmo apelidos que fazem referência ao universo da arte sequencial, como o do atacante brasileiro Givanildo Vieira de Souza, mais conhecido como Hulk, por uma semelhança à definição de seu físico com o personagem dos quadrinhos, porém, essa relação se expande para o ramo da propaganda, com destaque ao trabalho realizado pela Adidas com diversos de seus principais atletas representantes, como o britânico Gerrard e o brasileiro Kaká, os quais viraram protagonistas da nona arte na internet para aumentar o apelo da marca que os veste com o público globalizado que a consome. O meio-campista do Liverpool e da seleção inglesa, inclusive, foi personagem principal também de outra estratégia de divulgação de quadrinhos, feita no jornal "Daily Mail", em novembro do 2010, numa homenagem ao personagem clássico dos quadrinhos de futebol da Inglaterra, o fantástico e mirabolante Roy Race, que atuava pelo time fictício Melchester Rovers, no ano de 1954, quando o personagem entrou para o imaginário popular inglês.

Roy Race, personagem de quadrinhos que ficou marcado
no imaginário popular britânico pelas suas aventuras
dentro e fora de campo

Quando se observa o mercado global de quadrinhos, há ainda outros dois casos que merecem menção, que são o mangá e animê japonês "Super Campeões", que narra as aventuras do jogador Tsubaza desde seus tempos de criança, ao longo de muitos anos de sua vida, com partidas pela seleção japonesa e transferências internacionais, que chegam, inclusive, até o Brasil (a abertura original do animê pode ser vista em português abaixo); além do caso do "Supa Strikas FC" (o site oficial deles pode ser visto aqui), que desde 2001, conta a história de um time de futebol composto por estilosos retratos do panorama cultural atual do mundo, e que já foi publicado em diversos países da Europa e da África, com destaque para o crescente mercado leitor da Nigéria.


Além desses casos, há, também, voltado para o público infantil, quadrinhos no mercado brasileiro com os times que disputam o Campeonato Brasileiro, ilustrados pelo cartunista Ziraldo. Essa coleção possui times como Grêmio, Internacional, Corinthians, Palmeiras, Vasco e Flamengo. O tema do futebol, afinal, é um elemento de destaque na tradição cultural brasileira e, como tal, não poderia ser ignorado por completo, sendo mencionado ainda que superficialmente, como nas constantes partidas no campinho e discussões infantis sobre a rivalidade dos times, encontrados na turminha da Mônica e na versão desta de grandes jogadores como Pelé e os Ronaldos, Fenômeno e Gaúcho, de Maurício de Sousa, ou mesmo nas brincadeiras do Menino Maluquinho, do já mencionado Ziraldo.

Concluindo, seja no papel desgastado do jornal ou na tela da televisão, ou mesmo nas conversas entre amigos ou no calor dos estádios lotados, o esporte é capaz de mexer com a dinâmica da nossa razão e da nossa emoção, e, dessa forma, continuará a estar sempre presente na composição das histórias que retratarem nossa realidade e cenário cultural. O site "Portal 2014" fez uma matéria muito interessante sobre essa relação que também merece uma conferida, o que pode ser feito por aqui. O blog "Maximum Cosmo" também fez uma boa análise do tema que pode ser vista aqui.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

A Nova DC Deu Certo?

Por Gabriel Guimarães


Há poucos meses atrás, a editora norte-americana DC causou um grande alvoroço no mercado editorial de quadrinhos ao anunciar que passaria a publicar de forma simultânea nos formatos impresso e eletrônico todos os 52 títulos que seriam produzidos pelos profissionais da companhia, todos feitos com uma nova numeração, num gesto de rompimento com o passado para atrair o novo leitor (todo esse evento foi analisado aqui no blog na época). Sem saber os reflexos dessa estratégia, os revendedores das tradicionais lojas de gibis e produtos do ramo de entretenimento entraram em pânico, e precisaram ser atendidos quase que individualmente pelos responsáveis da DC para chegarem a um acordo em comum que favorecesse os quadrinhos como um todo, dentre os pontos em comum alcançados, encontra-se um sistema de bonificação para os lojistas que desenvolvessem uma loja virtual para compra do material da editora, ainda que estes vendessem o produto impresso também.


Jim Lee e Geoff Johns, dois dos grandes responsáveis
pela estratégia digital da DC

Após muita especulação sobre o futuro dos quadrinhos enquanto meio de comunicação tradicionalmente encontrado no papel, e as mudanças que a transição para o digital acarretaria, no mês de setembro, saíram as primeiras 52 edições do que seria o futuro de uma das maiores editoras de quadrinhos dos Estados Unidos, alavancando números extremamente positivos em termos de arrecadação com as revistas dos personagens DC, como, por exemplo, a primeira edição da Liga da Justiça, que foi o recorde do ano para os Estados Unidos, com 150 mil exemplares (o recorde mundial deste ano, apesar de existir certa polêmica entre os estudiosos, é da revista brasileira "Turma da Mônica Jovem nº34", que foi tema de matéria aqui no blog). Parecia ser um sucesso absoluto, já que no mês seguinte, também houve uma corrida em massa para que os leitores pudessem comprar a segunda edição das 52 séries, cada um ao seu gosto, entretanto, trata-se ainda de um movimento muito recente, e venho por esta matéria a observar de forma o mais objetivamente possível os reflexos e eventuais desenrolares que essa evento provocou e pode ainda provocar nos quadrinhos.


Batman e Mulher-Gato, em cena bastante quente, depois
do reboot da DC

Apesar de muitos títulos terem sido aclamados, houve muita polêmia acerca dos temas expostos e do nível das histórias, que agora possuem cenas de sexo gratuito e descompromissado além de carnificinas brutais, como foram os casos das personagens Estelar e Mulher-Gato e do título novo da Tropa dos Lanternas Verdes, respectivamente. Muitos leitores, críticos e fãs de longa data não conseguiram ver uma razão tão plausível para essa drástica mudança, além, é claro, do tradicional recurso visual para estimular as vendas das revistas. Esse reboot, entretanto, não se limitou apenas à temática e o formato, mas também provocou diversas mudanças no nível estrutural do universo DC, onde muitos de seus personagens tiveram suas origens modificadas e suas personalidades remexidas. Talvez o caso mais destacado disso seja o grande nome da editora, o Superman, que passou a ser solteiro novamente, perdeu a cueca por cima das calças e agora possui histórias de duas linhas cronológicas, que, presumivelmente, chegarão ao ponto de causa e consequência na vida do personagem, para que o leitor possa compreender tudo o que aconteceu e o que mais afetou o personagem nessa sua nova versão.

No mercado, a estratégia pareceu ser um sucesso, levando a Marvel, maior concorrente da DC, a correr atrás do prejuízo e procurar uma forma de se adaptar a essas mudanças na forma de relacionamento com o leitor. Há cerca de duas semanas, a Casa das Ideias anunciou que a partir de março de 2012, seus títulos também serão publicados de forma simultânea, em papel e formato eletrônico, com exceção dos títulos licenciados a terceiros, como o material que o escritor de terror Stephen King tem feito por lá, e os títulos da série MAX, cujo conteúdo é mais adulto do que os da linha tradicional. A editora Dark Horse comics, que já possuía um aplicativo para iPad onde era possível comprar o material da editora desde janeiro de 2011, está acrescentando cada vez mais títulos a serem disponibilizados na loja, dentre os quais que ingressaram recentemente lá estão as revistas que expandem o universo da personagem Buffy, da série de televisão criada por Joss Whedon, "Buffy, A Caça-Vampiros", o que tem agradado muito os fãs. Ou seja, o mercado está mudando.



Cena do personagem Aquaman,
que vem ganhando muita visibilidade
sob direção de Geoff Johns com arte
do brasileiro Ivan Reis

 Acredito que ainda seja um tanto cedo para apontar o que vai acontecer, porém, ninguém pode se dar ao luxo de ignorar as mudanças essenciais que o mercado vem sofrendo, tanto editores quanto profissionais do meio. A forma do leitor se relacionar com os quadrinhos está passando por uma transição, que ainda levará um considerável tempo para se finalizar, seja para uma digitalização de todo o conteúdo das editoras ou mesmo uma divisão do mercado entre o impresso e o eletrônico, que é o mais provável, em vista da diferença de recursos expressivos e potenciais comunicativos de cada um. Com o avanço acelerado que a tecnologia vem sendo desenvolvida, que afeta diretamente todos os meios de comunicação, tanto em termos de produção quanto em termos de reprodutibilidade (a relação dos avanços tencológicos com os quadrinhos já foi analisada aqui no blog antes, e o papel de Steve Jobs, o criador da Apple, uma das grandes responsáveis por esse avanço todo, também já foi comentado aqui ), ainda há muito por acontecer nessa corrida para o virtual, e tudo ainda precisará ser observado com extrema cautela e atenção pelos profissionais do setor de quadrinhos.


Para quem tiver o interesse, o site do jornal New York Times publicou uma matéria online sobre os resultados iniciais da nova DC, que são interessantes de serem observados. Essa matéria pode ser vista aqui. O site Multiverso DC também fez uma matéria analisando os números das vendas no primeiro mês dessa estratégia no mercado editorial norte-americano de quadrinhos, que pode ser conferida aqui. Sobre a subsequente estratégia da Marvel em publicar simultaneamente seu conteúdo impresso e digital, fica a recomendação para a notícia dada pelo site americano Gizmodo, que pode ser vista aqui.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

FIQ, MSP e HQ

Por Gabriel Guimarães


Hoje, teve início a Feira Internacional de Quadrinhos, evento realizado na cidade de Belo Horizonte de forma bienal e que é um pólo para todos os admiradores de quadrinhos de toda a América. Contando com muitos convidados internacionais e os principais profissionais do cenário brasileiro, o evento vêm se firmando cada vez mais como um ambiente com tudo que qualquer fã de quadrinhos poderia querer, com muitas oficinas, dicas de grandes editores, atividades para todas as idades e, acima de tudo, de muitos quadrinhos para onde quer que se olhe.

Acontecendo desde 1999, seguindo a linhagem do evento que ocorria na capital mineira antes dele, a Bienal de Quadrinhos,  a FIQ se tornou uma referência pela diversidade dos temas dispostos e a quantidade de profissionais que compareciam ao evento, transformando-lhe, dessa forma, em um momento único no calendário dos admiradores da arte sequencial. Tendo homenageado muitos grandes quadrinistas ao longo dos anos, como Angeli, Mozart Couto, Lourenço Mutarelli e Júlio Shimamoto, o evento deste ano aponta seu olhar para o padrinho dos quadrinhos brasileiros, o paulistano Maurício de Sousa, que vem entrando em destaque novamente com bastante frequência nos últimos tempos.

Após ser homenageado na trilogia de edições luxuosas do MSP50 por ter completado 50 anos de carreira (a trilogia foi comentada e sua forma de divulgação analisada aqui no blog já), Maurício e todos os seus talentosos companheiros de estúdio vinham trabalhando em segredo para preparar o próximo grande lançamento direto para as livrarias com os personagens da turminha da Mônica e demais criações do aniversariante de poucas semanas atrás (o blog fez uma matéria sobre o 76º aniversário de Maurício de Sousa que pode ser conferida aqui). Hoje, no primeiro dia da FIQ, já que o evento vai até domingo, aconteceu o tão aguardado anúncio, feito pelo editor Sidney Gusman.

Após ter seu logo divulgado pelo ilustrador e profissional do MSP, Bruno Honda Leite, em seu blog, o projeto  Graphic MSP enfim foi anunciado em detalhes, atraindo todas as atenções dos presentes. Com a proposta de serem publicadas histórias no formato graphic novel com os personagens que já são tão familiares para toda a cultura popular brasileira, a partir da visão de grandes quadrinistas da atualidade, os quatro volumes anunciados como pé de largada encheram os olhos e as expectativas de muitos, fosse presencialmente ou através das redes sociais, pois mais uma vez, tudo foi realizado simultaneamente, como forma de integrar todos os leitores que não puderam estar na cidade mineira durante o dia de hoje.

Os quatro volumes anunciados foram: "Astronauta", pelas mãos do paulista Danilo Beyruth, criador do personagem Necronauta e autor da aclamada história em quadrinhos "Bando de Dois"; "Chico Bento", no traço sutil e icônico do grande Gustavo Duarte; "Piteco", na arte impressionante e detalhada do grande ilustrador Shiko, que já participara do último volume do MSP50; e "Turma da Mônica", com a inconfundível narrativa sensível e apaixonante dos irmãos mineiros Vitor e Luciana Cafaggi (Vitor já foi tema de matéria aqui no blog antes também, e Luciana é uma das organizadoras do excelente site "Lady's Comics", já mencionado aqui no blog antes). Com previsão para serem todos lançados no ano que vem, a recomendação fica por conta da economia que será necessária para adquirir esses álbuns de extrema qualidade, uma vez sido lançados.

O evento trará ainda muitas atrações impressionantes, conversas com grandes nomes do mercado, avaliações de portfolio por alguns dos melhores profissionais das grandes editoras americanas de super-heróis, a Marvel e a DC, além de oferecer muitos momentos certamente especiais para quem tiver oportunidade de conferir toda essa festa.

O site da FIQ pode ser conferido aqui, a programação completa do evento aqui, e uma excelente matéria sobre o anúncio de hoje para os personagens de Maurício de Sousa, aqui, no blog "O X da Questão", bom parceiro nosso.





































Pode até parecer piegas, mas como eventos como esse falam ao mais profundo do nosso interior, há crédito para que momentos de espontaneidade e liberdade poética tenham lugar também: "Se é para o bem de todos e a alegria geral da Nação, digo-vos que FIQ."

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

O Desafio de Ser Bom

Por Gabriel Guimarães


Todos os dias, ao redor do mundo inteiro, surgem exemplos de vida a partir de pessoas que mostraram capacidade de superar todos os obstáculos para atingir uma meta que parecia inatingível. Seja essa meta algo de grande importância no ambiente social, como Steve Jobs e Steve Wozniak, ou mesmo Mark Zuckerberg e Eduardo Saverin, que criaram negócios e empresas fenomenais a partir de rabiscos e sonhos, ou mesmo algo pessoal, que diz respeito apenas para a pessoa que vivenciou essa experiência. Quando isso acontece, essas pessoas se tornam marcos, fontes de inspiração capazes de alavancar muitos que ainda não encontraram a motivação exata que precisavam para correr atrás dos seus próprios sonhos e, assim, atingirem a condição que mais anseiam, a de pessoa realizada, feliz e em paz.

As histórias em quadrinhos que motivaram a essa reflexão são dois grandes casos disso. "Morro da Favela", dos brasileiros Maurício Hora e André Diniz, e "Koko be Good", da americana de origem asiática Jen Wang, são obras que incitam essa visão sobre a vida como algo mais que as preocupações e correrias de sempre, e acabam, através de uma intronização de seus personagens, revelando as sutis teias que conectam todas as pessoas dentro de uma sociedade, seja esta uma comunidade com baixa condição de renda ou até mesmo a civilização mundial como um todo, unido.


Em "Morro da Favela", a história gira em torno das experiências reais vividas pelo próprio Maurício Hora, que conta a história do local onde nasceu, a primeira favela do estado do Rio de Janeiro. Hoje conhecido como Morro da Providência, o ambiente onde a história se desenvolve representa muito da história do Brasil enquanto sociedade, explicando a origem das habitações da região em 1897 por problemas com a burocracia nacional, elemento este que até hoje permanece em evidência na mídia, até a banalização do termo 'favela' e as consequências do novo conceito atrelado a ele nas pessoas que ali residem até os dias de hoje. Com uma narrativa instigante e de uma sensibilidade única, a história observa a relação de Maurício com seu pai, desde o momento em que, ainda jovem, compreende o significado da profissão do pai enquanto bandido, até o abandono à vida de traficante (termo este usado com um contexto diferente do que é em geral encontrado nos dias de hoje), contando com momentos de amadurecimento tocantes, como quando Maurício assiste um filme tarde da noite sobre a vida dentro da cadeia e fica apavorado pensando em como o pai pode estar sendo tratado naquele momento, mesclando dessa forma sua visão ainda infantil de como era o ambiente presidiário com seus sentimentos de amor pelo pai. A partir daquele momento, Maurício começa a crescer na sua compreensão como membro do morro, e compreende que o caminho da vida dele apenas ele mesmo poderia criar, e não necessariamente teria que seguir os passos de seu velho e querido pai. Em seguida, a identidade do personagem vai ganhando forma e é possível ao leitor acompanhar sua evolução e amadurescimento. Uma cena extremamente marcante é a discussão que Maurício acaba tendo com o policial Tibério sobre a posse de sua câmera Pentax, conseguida após o suado trabalho do rapaz, porém, desacreditado pelo policial. O traço simples e fácil de associar do quadrinista André Diniz facilita ainda mais a identificação e o final realmente é muito bem desenvolvido. Revelando as dificuldades encontradas por quem procura uma vida honesta em meio às atitude nem sempre corretas da polícia e da visão muitas vezes distorcida da sociedade sobre quem vem do morro, a história é bastante tocante e sensibiliza o olhar para os preconceitos muitas vezes criados de forma despretensiosa ou mesmo desinformada. A leitura é muito recomendada. E para quem tiver o interesse, o site do Globo fez uma matéria com Maurício Hora comentando o lançamento desse livro em quadrinhos sobre sua vida, que merece uma conferida e que pode ser vista aqui.

O quadrinista André Diniz (esquerda) e o fotógrafo Maurício Hora (direita)

Com relação à "Koko Be Good", a história gira em torno de personagens em busca de um propósito geral para suas vidas, centrado na figura da jovem protagonista Koko, que tem sua vida mudada por completo após conhecer Jon, um músico frustrado recém-chegado à vida adulta que acredita que pode ajudar a mudar o mundo ao aceitar se mudar com sua namorada Emily para ajudar crianças no Peru. Com bastante ternura e traços limpos e ágeis, o leitor acompanha a mudança de perspectiva na vida de Koko no instante em que decide parar de viver apenas para si mesma e procura participar do mundo como alguém determinada a melhorá-lo, pensando que, assim, pode, enfim, encontrar o caminho que tanto procurou para seguir na sua vida. Procurando cada vez mais e novas formas de contribuir, desde enviar doações ao Fundo Mundial das Crianças até participar de carreatas pelo maior reconhecimento dos habitantes latinos dos Estados Unidos e trabalho voluntário em casas de repouso para idosos, seguimos os passos de Koko, que evolui enquantro pessoa ao longo da história toda, algo que também acontece com os demais personagens da trama, Jon e Faron. Focado na mensagem que o que parece belo pode ser apenas o que agrada, porém, acima dele, há uma condição especial e única, o sublime, a história permite ao leitor uma  verdadeira experiência de aprendizado sobre o ato de ser 'bom', e como isso muitas vezes foge aos conceitos e ideias originalmente prensados em nossas mentes pelo condicionamento social. Com uma narrativa delicada que torna fácil a e natural a relação dos personagens da história, Jen Wang leva o leitor ao período de transição na vida das pessoas com as expectativas de realização do 'bem' que são criadas ao longo da vida e a efetiva capacidade de pô-lo em prática, talvez de formas que não seriam imaginadas inicialmente. Para quem tiver interesse, a quadrinista Luciana Cafaggi chegou a fazer uma bela resenha dessa obra no blog que tem em parceria com outras excelentes quadrinistas, o "Lady's Comics", que pode ser conferida aqui.

Essas duas obras publicadas pelas editoras Leya e Barba Negra, respectivamente, podem tratar de personagens completamente distintos, tanto em etnia, nacionalidade, origens, sonhos, expectativas, entre muitos outros aspectos, porém, são obras cuja temática se associa mediante essa questão que foi o tema da matéria de hoje: o desafio de se fazer o bem. Seja por razões socio-econômicas ou até mesmo pela busca incessante da aptidão de ajudar os outros, há muitos obstáculos para quem procura fazer a diferença, para quem procura sair do padrão estabelecido por normas sociais antigas e que carecem de uma atualização mais consciente. Entretanto, por mais difícil que possa ser essa jornada, seu resultado, no final das contas, é recompensador, e através da nossa própris vida, podemos fazer mais bem aos outros do que poderíamos imaginar e sermos, dessa forma, a grande diferença no final das contas quando se observa a vida em seus olhos e se percebe o quanto ela pode ser boa, se vivida devidamente.

NOTA GERAL ("MORRO DA FAVELA"): 4,5 ESTRELAS.

NOTA GERAL ("KOKO BE GOOD"): 3,5 ESTRELAS.