quarta-feira, 23 de novembro de 2011

Quadrinhos de Placa

Por Gabriel Guimarães


Dentro das quatro linhas, é possível observar toda sorte de emoções, desde a alegria à raiva, da esperança ao desespero, cores que dão o tom que contagiarão milhares de pessoas em todos os lugares do mundo, seja para o bem ou para o mal. Com muita ação e movimentos calculados e esquematizados a partir de muito treino sério, é impressionante os elementos que uma partida de futebol e uma história em quadrinhos podem ter em comum.

Edição única do "Almanaque
do Dico", publicado em 1980

Como elemento cultural presente na vida de todo brasileiro, então, não é nenhuma surpresa que o futebol esteja, portanto, presente no universo das histórias desenvolvidas dentro do país, sendo, às vezes, até o âmago do conto ou da perspectiva dos personagens. Obras como a oscilante coletânea "Dez na Área, Um na Banheira e Ninguém no Gol" são exemplos disso. Entretanto, não é de hoje essa relação entre a nona arte e o mundo da bola preta e branca que rola pelo gramado, e tampouco essa é uma tradição exclusivamente brasileira. Criado originalmente em 1971 pelos argentinos Alfredo Julio Grassi e José Luis Salinas, para o famoso syndicate americano de quadrinhos, o King Features, o personagem Dick se tornou um exemplo claro da cultura do futebol na arte sequencial, que era procurado pelo público latino que vivia nos Estados Unidos. Foi, porém, apenas alguns anos depois, que o material foi lançado propriamente dito na Argentina, encontrando uma recepção excelente, já com os desenhos de outros profissionais dos quadrinhos,  Carlos Pedrazzini e Lucho Oliveira. Quando foi, enfim, lançado aqui no Brasil, muniu-se da popularidade crescente que o jogador Zico, que jogava no Flamengo, estava tendo, e foi renomeado para Dico, sendo publicado pela RGE a partir de 1975. Em 1980, ganhou seu próprio título, "Almanaque do Dico", que foi uma edição única do personagem.

O futebol, entretanto, nem sempre é mostrado como elemento formador da realidade em que a história se constrói, mas também é uma ferramenta constituinte da personalidade dos personagens, como é o caso do personagem Djalma, na primeira crônica-história do livro "Sábado dos Meus Amores", do talentoso quadrinista Marcello Quintanilha. Com uma sensibilidade destacável e um traço realista, Quintanilla narra crônicas sobre a realidade do Brasil em várias de suas regiões habitadas pelas camadas baixas da sociedade a história de pessoas que não são menos reais do que muitos dos quais é possível conhecer trafegando no transporte público dos grandes centros urbanos ou mesmo frequentando os locais de maior clamor popular, como um bar, uma loja de esquina ou um sítio de obra. Através dessa perspectiva é que Quintanilla nos apresenta à realidade inconfundível do velho e supersticioso Djalma, cujos costumes em dias de partida de futebol o tornam uma pretensa lenda da cultura do brasileiro.


Capa da história em quadrinhos
digital protagonizada pelo
'maestro' Kaká, feita pela Adidas

Os quadrinhos, da mesma forma, já se tornaram parte do futebol, num sentido inverso dessa transição de influência. Essa relação pode ser óbvia, com jogadores e times usando uniformes ou peças de vestimenta que aludem a determinadas histórias publicadas em quadrinhos há décadas e que os influenciaram, ou mesmo apelidos que fazem referência ao universo da arte sequencial, como o do atacante brasileiro Givanildo Vieira de Souza, mais conhecido como Hulk, por uma semelhança à definição de seu físico com o personagem dos quadrinhos, porém, essa relação se expande para o ramo da propaganda, com destaque ao trabalho realizado pela Adidas com diversos de seus principais atletas representantes, como o britânico Gerrard e o brasileiro Kaká, os quais viraram protagonistas da nona arte na internet para aumentar o apelo da marca que os veste com o público globalizado que a consome. O meio-campista do Liverpool e da seleção inglesa, inclusive, foi personagem principal também de outra estratégia de divulgação de quadrinhos, feita no jornal "Daily Mail", em novembro do 2010, numa homenagem ao personagem clássico dos quadrinhos de futebol da Inglaterra, o fantástico e mirabolante Roy Race, que atuava pelo time fictício Melchester Rovers, no ano de 1954, quando o personagem entrou para o imaginário popular inglês.

Roy Race, personagem de quadrinhos que ficou marcado
no imaginário popular britânico pelas suas aventuras
dentro e fora de campo

Quando se observa o mercado global de quadrinhos, há ainda outros dois casos que merecem menção, que são o mangá e animê japonês "Super Campeões", que narra as aventuras do jogador Tsubaza desde seus tempos de criança, ao longo de muitos anos de sua vida, com partidas pela seleção japonesa e transferências internacionais, que chegam, inclusive, até o Brasil (a abertura original do animê pode ser vista em português abaixo); além do caso do "Supa Strikas FC" (o site oficial deles pode ser visto aqui), que desde 2001, conta a história de um time de futebol composto por estilosos retratos do panorama cultural atual do mundo, e que já foi publicado em diversos países da Europa e da África, com destaque para o crescente mercado leitor da Nigéria.


Além desses casos, há, também, voltado para o público infantil, quadrinhos no mercado brasileiro com os times que disputam o Campeonato Brasileiro, ilustrados pelo cartunista Ziraldo. Essa coleção possui times como Grêmio, Internacional, Corinthians, Palmeiras, Vasco e Flamengo. O tema do futebol, afinal, é um elemento de destaque na tradição cultural brasileira e, como tal, não poderia ser ignorado por completo, sendo mencionado ainda que superficialmente, como nas constantes partidas no campinho e discussões infantis sobre a rivalidade dos times, encontrados na turminha da Mônica e na versão desta de grandes jogadores como Pelé e os Ronaldos, Fenômeno e Gaúcho, de Maurício de Sousa, ou mesmo nas brincadeiras do Menino Maluquinho, do já mencionado Ziraldo.

Concluindo, seja no papel desgastado do jornal ou na tela da televisão, ou mesmo nas conversas entre amigos ou no calor dos estádios lotados, o esporte é capaz de mexer com a dinâmica da nossa razão e da nossa emoção, e, dessa forma, continuará a estar sempre presente na composição das histórias que retratarem nossa realidade e cenário cultural. O site "Portal 2014" fez uma matéria muito interessante sobre essa relação que também merece uma conferida, o que pode ser feito por aqui. O blog "Maximum Cosmo" também fez uma boa análise do tema que pode ser vista aqui.

2 comentários:

* Andhora Silveira * disse...

Grande post, Gabriel! Muito bom, bons títulos citados.

Gostaria de incluir também a edição número 20 dos Clássicos da Literatura Disney, uma Coleção da Editora Abril, "Lendas do Futebol", com quadrinhos maravilhosos dos personagens da Disney :)

GG disse...

Sim, sem dúvida! Queria mencionar também esses clássicos da Disney, mas achei que pelos exemplos que pus, dava pra dar uma noção ainda que inicial do quanto essa relação entre quadrinhos e futebol é forte.
Mto obrigado mesmo pela contribuição! =D