Por Gabriel Guimarães
Resumir o ano de 2011 a dez publicações que supostamente se destacaram em qualidade sobre as outras parece um pouco frio demais, considerando o crescimento impressionante dos quadrinhos no país ao longo deste ano, fato que será melhor abordado em matéria específica nos próximos dias. A fim de evitar um favorecimento ou mesmo denegrir de alguma forma algumas destas publicações feitas este ano, optamos por uma política um pouco atípica.
Para manter nossa imparcialidade e permitir ao leitor poder tirar suas próprias conclusões acerca do material avaliado, a matéria de hoje visa apenas apontar histórias em quadrinhos dos mais diversos gêneros que foram conferidos ao longo deste ano e que podem vir a ser interessantes de serem conferidos, sem com isso ter qualquer preocupação por uma ordem de grandeza ou mesmo uma limitação numérica. Com isso, pretendemos abrir para o seu próprio julgamento das obras, leitor, sem criar de forma prematura um pré-conceito sobre esse material, seja este num sentido bom ou ruim. Nosso único objetivo é estimula-lo a procurar novas leituras, novas emoções, transmitidas através de páginas de diferentes formatos, texturas e cores. Porque no final das contas, a sua opinião é a que mais conta.
Vamos então às nossas recomendações. Conforme já foi ressaltado em matéria anterior aqui no blog, decidimos começar a lista desses bons quadrinhos com obras cuja temática se encontra justamente ao redor da questão sobre ser bom. A brasileira "Morro da Favela", originada da parceria entre o fotógrafo Maurício Hora e o desenhista André Diniz, e a americana "Koko Be Good", obra de estreia no formato impresso na quadrinista Jen Wang, são obras que chamaram muito a atenção nas livrarias este ano. Contando com narrativas sensíveis e utilizando dos recursos disponíveis aos seus contextos sócio-econômico-culturais respectivos, essas duas obras foram muito bem recebidas por público e crítica, e não poderiam deixar de serem recomendadas para quem ainda não teve a oportunidade de conferí-las.
Numa linha de raciocínio similar, porém, focada na jornada pela proteção de sua prole frente uma ameaça que evolui gradativamente, a história
"Três Sombras", do francês Cyril Pedrosa, que já trabalhou no passado em animações como
"O Corcunda de Notre Dame" para a Disney, apresenta uma narrativa interessante sobre até onde um pai iria e do que abriria mão para salvar seu filho. Cercado de magia e terras estranhas, a história apresenta um suspense incomum para seu estilo sutil de desenho, apesar disso, seu agregado funciona e rende uma boa trama fantasiosa sobre um aspecto importante da vida: a forma como se lida com a morte. Curiosamente, este mesmo elemento encontra-se em destaque em outra das obras que valem ser mencionadas aqui nas nossas recomendações: a HQ
"Daytripper", dos gêmeos paulistanos Fábio Moon e Gabriel Bá. Publicada originalmente nos Estados Unidos, onde ganhou inclusive o prêmio considerado o Oscar dos quadrinhos, o Eisner Award (na época da indicação ao prêmio, o blog comentou sobre esse feito da dupla brasileira
aqui), a história ambientada no Brasil visa expôr aos leitores os diferentes momentos vividos pelo protagonista da história, o escritor de obituários e proeminente romancista Brás de Oliva Domingos. Com uma sutileza ímpar e detalhismo narrativo impressionante, a história entra no questionamento mais importante da vida como um todo: quais são seus momentos mais importantes, e que efeitos eles têm de fato sobre a formação de cada um de nós. Vivendo e morrendo em cada instante de inflexão, Moon e Bá dão ao leitor uma obra capaz de se tornar memorável e inesquecível.
Visando destacar obras que atingem esse patamar, um outro livro lançado este ano nos Estados Unidos, que deve ter uma edição nacional provavelmente publicada aqui no ano que vem, merece ser destacado. "1001 Comics You Must Read Before You Die", organizado pelo estudioso de quadrinhos Paul Gravett e que conta com a colaboração de dezenas de dedicados participantes ao redor do mundo, desde a Europa até a Ásia, contando também com o Brasil, é um livro extremamente bem trabalhado. Com uma quantidade de páginas extremamente pomposa e um acabamento bem diagramado e organizado, o livro, apesar de não ser uma história em quadrinhos em si, merece receber a devida atenção nas nossas recomendações. Um dos poucos deslizes que deixaram a desejar, porém, foi o esquecimento da obra do ítalo-brasileiro Angelo Agostini, feito ainda no século XIX como um dos precursores dos quadrinhos, ao lado do alemão Wilhelm Busch e do suíço Rodolphe Töpffer. Para citar a obra desse grande artista, vale citar, então, o livro teórico "Angelo Agostini - A Imprensa Ilustrada da Corte à Capital Federal, 1864-1910", feito pelo historiador Gilberto Maringoni e publicado pela editora Devir este ano aqui no Brasil.
Para relembrar dos grandes nomes da arte sequencial, vale destacar também a edição americana da história "The Adventures of Hergé", que narra a história da vida do criador do personagem Tintin, o belga Georges Prosper Remi, mais reconhecido por seu pseudônimo Hergé. Uma vez que a obra deste grande quadrinista chegará aos cinemas brasileiros no mês que vem, fica a expectativa de esta obra ser traduzida e lançada por aqui também. Vale destacar que a versão americana lançada apenas este ano é na verdade de uma obra publicada originalmente nos anos 1990. O trio de autores Jose-Louis Bocquet, Jean-Luc Fromental e Stanislas Barthelemy merecem o devido reconhecimento por esse trabalho tão bem feito. No setor das publicações nacionais sobre os nomes que se destacaram no ramo das histórias em quadrinhos, o destaque fica por conta da nova edição revisada da "Enciclopédia dos Quadrinhos", feita pela parceria entre o historiador Goida e advogado André Kleinert. Muito detalhada e com temas dos mais diversos, a obra chama a atenção nas prateleiras das livrarias, porém, possui uma série de pequenos erros, com destaque para a omissão de muitos dos quadrinistas brasileiros que vêm se destacando na última década, como os gêmeos Moon e Bá e o grande editor Sidney Gusman, cujo papel desempenhado no cenário nacional de quadrinhos merecia ter destaque na nova versão da ecniclopédia.
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Terceiro volume do
"MSP novos 50" |
Gusman, inclusive, é nome destaque em outro material da lista de recomendações do blog. A terceira parte da homenagem que o editor organizou para o padrinho dos quadrinhos brasileiros, Maurício de Sousa,
"MSP novos 50" é uma obra impressionante como seus dois volumes anteriores, e traz dentro de si uma verdadeira exposição da qualidade do quadrinho brasileiro atual. Tendo sua estratégia de divulgação marcado intensamente todos os leitores assíduos que acompanharam seu desenrolar pela rede social twitter (que foi tema de matéria
aqui no blog), a obra que conta com grandes nomes dos quadrinhos eletrônicos, como os quadrinistas Will Leite e Carlos Ruas, além de autores de grande renome internacional, como o paraibano Mike Deodato Jr, é material de luxo para os admiradores dos quadrinhos nacionais.
A nona arte brasileira marca também presença na lista de recomendações com cinco títulos independentes muito interessantes. Enquanto
"Birds", do chargista Gustavo Duarte, apresenta mais um conto transmorpofizado de profunda signifação sobre a vida e a morte,
"Quadrinhos A2", feito pelo casal Paulo Crumbim e Cristina Eiko, se concentra nas pequenas experiências do cotidiano de um casal numa grande metrópole. Apesar de diferirem bastante entre si, ambas valem muito a pena serem conferidas. Enquanto o material de Duarte pode ser encontrado facilmente nas livrarias, a publicação de Crumbim e Eiko pode ser pedida através do site do casal, que pode ser conferido
aqui. As outras três recomendações foram lançadas na mesma época, durante a Feira Internacional de Quadrinhos, em Belo Horizonte, Minas Gerais (que foi comentada
aqui no blog na época).
"Duo.tone" e
"Valente Para Sempre" são obras feitas pelo mineiro e grande parceiro, Vitor Cafaggi, cuja tirinha de sucesso Puny Parker foi tema de matéria
aqui no blog. Enquanto Valente é o personagem que assumiu as postagens do blog originado para as tirinhas sobre as aventuras do jovem Peter Parker, a outra história é um trabalho autoral de Cafaggi de extrema qualidade e cujo destaque na crítica foi unânime. Já reconhecido por seu toque sensível e histórias emocionantes, Cafaggi vem se consolidando como referência no quesito para o mercado editorial nacional. A quinta publicação independente que merece destaque nas recomendações e que foi lançada na FIQ, é a obra
"Achados e Perdidos", produzida a partir de uma nova forma de relação entre o leitor e os organizadores Eduardo Damasceno e Luis Felipe Garrocho. Realizado a partir de um custeamento colaborativo entre a comunidade de admiradores da arte sequencial e os dois quadrinistas, o material chamou a atenção de todos e arrebatou a atenção de todos os que ficaram tomando conhecimento dela. Portanto, não poderia de estar presente entre as nossas recomendações.
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"Valente Para Sempre" foi um dos títulos independentes
de destaque no ano de 2011 |
No cenário nacional, também merece atenção a publicação da segunda compilação de tirinhas dos Passarinhos, do carioca Estevão Ribeiro, "Os Passarinhos e Outros Bichos", que conta com a participação especial de diversos artistas de atenção no mercado brasileiro, como Emerson Lopes, Leandro Finnochi, o já mencionado Vitor Cafaggi e sua talentosa irmã quadrinista, Luciana Caffagi. Lançado na mesma semana, "Para Tudo se Acabar na Quarta-Feira" é também uma produção nacional que chama a atenção, mais pela sua temática extravagante de ficção científica e narrativa forte. História de estreia nos roteiros de quadrinhos do estudioso Octávio Aragão e do desenhista Manoel Ricardo, do Espírito Santo, a trama é bastante interessante, apesar de seus pequenos exageros.
No cenário nacional deste ano, também vale mencionar o trabalho de qualidade desempenhado pelas editora Leya/Barba Negra, Companhia das Letras e a recentemente lançada editora Nemo. Esta última, visando alcançar o público leitor de quadrinhos europeus, tem inventido pesado em obras do artista Jean Giroud, mais conhecidoi por seu pseudônimo Moebius, como
"Arzach" e
"Absoluten Caufeultrail e outras histórias", e a publicação de obras inéditas no país do personagem mais famoso do quadrinista francês Hugo Pratt, Corto Maltese, como o volume
"Corto Maltese: A Juventude". As particularidades de sua edição, similares às da editora francesa Casterman, valem uma nota pelo afinco despendido pelos profissionais da editora e a atenção dada aos admiradores da arte sequencial durante a
XV Bienal do Livro no Rio de Janeiro (que teve cobertura completa
aqui no blog).
Publicado no selo Quadrinhos na Cia. este ano, também vale destacar a obra "Asterios Polyp", do americano David Mazuchelli. Apesar de ser originalmente de 2009, o material só foi publicado com êxito este ano aqui no Brasil, e se encheu de comentários positivos por parte dos especialistas do mercado nacional da nona arte. Explorando a ideia de dualidade em traços simples e de fácil assimilação, a obra de Mazuchelli configura uma das publicações que valem ser conferidas.
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Os protagonistas do mangá "Bakuman" |
E sem esquecer do setor de mangá, a nova série
"Bakuman", dos mesmos autores da série de sucesso
"Death Note",
Tsugumi Ohba e Takeshi Obata, que começou a ser publicada este ano pela editora JBC, conta a história de dois jovens amigos que decidem seguir na jornada por se tornarem mangakás, mestres dos quadrinhos japoneses. Com uma narrativa ágil e veloz, com detalhes precisos e preciosos da relação da cultura popular do Japão com os mangás, o lançamento da obra teve grande destaque na
XV Bienal do Rio de Janeiro também, e passou a ser um bom estudo de caso para os admiradores da arte sequencial enquanto meio de produção editorial. Outro país que chamou atenção ao longo deste ano foi a Argentina, cuja tradição com os quadrinhos teve grande papel este ano, com a presença de grandes quadrinistas argentinos na II Rio Comicon (que teve cobertura completa
aqui no blog também), como Liniers e Salvador Sans. A publicação da edição
"Fierro Brasil", pela editora Zarabatana, em abril deste ano, é uma grande obra de apresentação do material argentino para o público de quadrinhos brasileiro.
Ainda poderia discorrer muito sobre tantas outras obras lançadas este ano em quadrinhos, mas abro o convite para todos vocês, leitores, de contribuirem com eventuais publicações que eu possa ter, na mais sincera simplicidade, esquecido de mencionar. Novamente, reforço que aqui não foram citadas as melhores obras ou mesmo uma ordem de grandeza, mas sim recomendações sobre os mais diferentes estilos e gêneros disponibilizados ao público ao longo do ano de 2011. Convido todos a lerem essas obras de muita qualidade e tirarem suas próprias conclusões. Uma vez feito isso, tragam seus próprios comentários também para agregar às nossas trocas de opinião. Todos são mais que bem vindos para tal.