Por Gabriel Guimarães
O setor de publicação de histórias em quadrinhos do gênero heróico tem mudado ultimamente, isso qualquer um pode ver facilmente (já destaquei vários pontos a cerca dessa questão em matéria especial
aqui no blog antes), entretanto, há mudanças acontecendo dentro das próprias editoras no que tange à sua abordagem dos personagens não só de forma ficcional, mas mercadológica também. E um fator, acima de todos os demais pontos que discorrerei aqui na matéria, me chamou a atenção: A drástica diminuição da participação do Homem-Aranha no selo Marvel.
Sendo em si tudo aquilo que o grande roteirista Stan Lee gerou para revolucionar a nona arte, dando personalidades reais aos personagens e fazendo-os encarar os problemas do mundo real ao mesmo tempo que suas intrépidas aventuras, o Homem-Aranha sempre foi o personagem mais carismático da Marvel, sendo o mais comum de se encontrar em qualquer história, mini-série, fórum de discussão de quadrinhos, etc. Entretanto, olhem para as histórias atuais nas bancas. Onde foi parar o Cabeça de Teia, Amigão da Vizinhança, de fato? Ele foi afetado pela
"Guerra Civil", mas tudo voltou atrás e praticamente anularam sua participação lá. Ele pouquíssimo apareceu na
"Invasão Secreta", tendo, no entanto, maior destaque um de seus mais antigos vilões, Norman Osborn (que hoje noto ter mais destaque que o herói aracnídeo em si). Onde ele está no
"Cerco"? Onde ele estará em
"Fear Itself", próxima grande saga Marvel? Se pouco se sabe sobre que influências todas essas histórias terão na vida do outrora pacato Peter Parker, menos ainda se percebe como esse personagem tão imenso em importância, como era antigamente, influenciará através dele e de suas próprias ações essas histórias em si. O que me pergunto hoje é: Qual a relevância das ações do Homem-Aranha no universo Marvel de hoje?
Todos que acompanham o personagem ao longo dos anos, alguns dentre vocês, leitores, das décadas, podem afirmar que a Marvel esculhambou tudo a partir da saga
"Mais Um Dia", onde tanto se mudou no universo do personagem e de seus personagens secundários que fica até difícil explicar. Isso é verdade. Entretanto, olhando friamente para essa saga como decisão editorial, percebe-se sua utilidade, que poderia voltar a dar o glamour que já faltava ao personagem há algum tempo. Em algumas edições específicas, inclusive, trouxe. Rendeu histórias que lembravam boas fases do aracnídeo, como a época em que era escrito por Tom DeFalco ou Roger Stern. Só que aonde isso levou? Hoje, parecem não ter novas ideias para se abordar um fotógrafo gênio da ciência vestido de colant saltando entre os prédios como uma aranha. O Homem-Aranha é um personagem que fala ao público jovem, mas ele envelheceu, e ninguém sabe mais como tratá-lo. Procuram voltar às suas origens, recontar seu começo, ou reimaginar todo seu universo, como fizeram (e de passagem, comento, muito bem feito, como já analisei
aqui no blog antes) na série Marvel Millenium. Mas o que fazer com o personagem original? Como inovar de novo com ele?
Eu não sei exatamente o foco que a Marvel ainda dá ao personagem, mas nota-se que não é mais te-lo como o caixa forte da editora. No videogame lançado esse ano,
Marvel vs. Capcom 3, onde os personagens da Marvel, como Wolverine (um dos outros eternos queridinhos do público e da editora pelo seu jeito marrento), Doutor Destino, Hulk, etc, enfrentam os personagens dos games criados pela Capcom, como Zero (da série Megaman), Ryu, etc., o Amigão da Vizinhança não passa de um mero coadjuvante. O jogo é muito bom, alto grau de jogabilidade e os personagens do game são ótimos, mas algo me chamou a atenção: O Homem-Aranha sequer participava do vídeo de abertura do game, algo que era quase tradição dos games da Marvel desde sempre. Em seu lugar, entrou o mercenário desbocado Deadpool.
Por que isso aconteceu?
Como disse no título da matéria:
é tudo uma questão de visibilidade. A Marvel tem mudado a escalação de sua frente de batalha, tentando atrair novos públicos e gerar novos mercados, e, nisso, infelizmente, rebaixou o Cabeça de Teia para uma posição abaixo da "tropa de elite" da editora, que hoje é montado por tipos como Capitão América (que completou 70 anos de existência recentemente e é ainda referência também ao espírito da reestruturação econômica atual pela qual passa os Estados Unidos no governo Obama), Deadpool (referência aos games que hoje fazem sucesso com suas linguagens desbocadas livres, violência extrema e sarcasmo individual), Wolverine (por razões parecidas com as do Deadpool) e Homem de Ferro (este último mais nas demais mídias que nos quadrinhos em si, pois os filmes do Latinha no cinema o lançaram a um patamar que poucos filmes de heróis conseguiram).
As editoras de quadrinhos de heróis estão passando por uma reformulação que eu não diria ser ética ou moral, mas talvez em relação ao público ao qual estejam querendo se dirigir. A DC tem tomado uma postura semelhante. Sob a batuta do premiadíssimo roteirista e hoje chefe de criação da editora, Geoff Johns, personagens como Flash e Lanterna Verde chegaram ao topo do patamar da editora (já fiz uma matéria destacando a reinvenção deste último
aqui no blog antes). E os manda-chuvas da DC não querem e nem vão parar por aí.
Geoff Johns, há pouco tempo atrás, foi confirmado como novo roteirista regular do Aquaman, personagem que nunca em sua história teve qualquer prestígio de fato dentro do universo de personagens que incluem lendas como Superman, Batman e Mulher Maravilha. Me pergunto se o talento de Johns pode tirar esse personagem de um ostracismo do qual nunca saiu antes, em toda a sua existência. Não é uma tarefa fácil, nem de longe. E isso não é nem por causa do personagem Arthur Curry em si. O personagem tem nele mesmo, um enorme potencial de aventuras a serem exploradas, mas as dificuldades que Johns encontrará são principalmente no quesito do tema dessa matéria. Aquaman não tem prestígio nenhum, esteve sempre indo e vindo, sem se fixar em nada que pudesse ser referência para a carreira do personagem, como gosta de abordar em suas histórias Johns. Para o Flash, ele abordou o legado de Barry Allen, para o Lanterna Verde, a profecia da Noite Mais Densa. Não vejo de onde podem-se tirar referências desse tipo para o rei dos mares da DC, que já morreu, perdeu a mão duas vezes (a mesma mão, só para deixar claro - uma antes de morrer, outra depois, impressionantemente), mas nunca teve sequer uma fase de respeito absoluto.
Enquanto a DC começa a explorar os personagens que antes eram apenas do time reserva da editora, alguns de seus personagens de maior destaque ao longo dos anos passam por uma fase complicada como um todo, com novas abordagens, novos uniformes, mas sem muito a dizer de novo por eles próprios, como Batman e sua recém-formada "liga" de representantes do morcego justiceiro ao redor do globo, Mulher Maravilha e seu novo traje que dividiu opiniões entre os leitores de quadrinhos regulares, e Superman, que alcançará esse mês, lá nos Estados Unidos, a incrível marca de 900 números publicados de seu título original de 1938, Action Comics, mas que passa por uma fase sem grandes destaques ou que deixe o público com a respiração curta de tanta ansiedade para saber o que poderia acontecer na edição seguinte.
O foco da arte sequencial está mudando. Sai o velho e entra o novo, sai o gasto e entra o experimental. Pode ser bom, esse momento pode render algumas surpresas além de nossas curiosas expectativas, ou não. Tudo que espero é que haja dentro de cada uma das editoras aqueles que se empenhem em fazer um bom trabalho com esses personagens, renovando a força destes dentro e fora da ficção, ainda assim mantendo-os fiéis a tudo que eles já viveram junto com o leitor assíduo. Esperemos para ver qual será o próximo movimento do mercado editorial da arte sequencial e torçamos pelo seu sucesso, ainda que, para isso, tenhamos que, talvez, abrir mão de uma ou duas histórias por um panorama melhor do universo dos personagens como um todo.