Por Gabriel Guimarães
Por anos, os quadrinistas brasileiros travam batalhas épicas pelo reconhecimento das histórias em quadrinhos como forma de arte, pois nunca bastou ter a rara capacidade e determinação necessárias para se produzir uma história gráfico-textual que emociona e liga culturalmente milhões de pessoas. Dos quadrinistas, sempre foi necessário mudar a figura do imaginário popular nacional de que todo artista é o que é por ser um desocupado, incapaz de realizar uma função mais comum e produtiva em termos de consumo para a sociedade. Esse, meus caros leitores, é o grande problema do Brasil. Enquanto em países europeus e em grande parte dos Estados Unidos, o artista, seja ele escritor, pintor, escultor, etc, sempre é visto como uma figura de destaque, alguém cujas particularidades na visão de mundo lhe dão uma impressão tão extraordinária de tudo, que os resultados de sua obra devem ser compartilhados com o resto do mundo, assim engrossando o contingente de conteúdo cultural da humanidade. Entretanto, basta que se olhe para o mercado brasileiro de artes que você não demora muito para ver uma série de problemas.
Mesmo tendo sido defendido como meio de comunicação valioso por grandes autores como Gilberto Freyre e Jorge Amado, e editores extremamente capazes e destacados como Adolfo Aizen, Sérgio Machado, Victor Civita, Waldyr Igaiara, entre tantos e tantos outros, os quadrinhos não gozam de uma boa imagem pública até os dias de hoje. Por mais que você encontre hoje, às centenas, pessoas comentando que leram esse ou aquele livro em quadrinhos e acharam seu conteúdo espetacular, muitas dessas mesmas pessoas não aceitariam de imediato a idéia de ver os quadrinhos como uma forma de arte válida como a pintura ou a escrita literária. Neste último mês, ouvi alguns discursos aleatórios, fosse no shopping ou na faculdade, que me deixaram bastante a par de como essa visão tem se dado nos dias atuais.
Considero este talvez o grande problema do povo brasileiro quando se trata de buscar melhorias como sociedade e de mostrar seu valor cultural para o mundo: a depreciação e desvalorização de seus artistas. Vale aqui lembrar, que na década de 1960, a cidade do Rio de Janeiro foi considerada o pólo artístico-cultural de maior destaque e influência no mundo inteiro. Hoje, ocupar tal posto novamente me parece algo muito difícil de se conseguir, porém, eu acredito na mudança. Acredito sim que é possível mudar, amadurecer essa visão deturpada da maioria dos brasileiros. Porém, sei que essa tarefa é grande demais para apenas uma, duas ou até mil pessoas. Para alcançar tal objetivo, é preciso uma comoção maior, um reconhecimento que deve ser estimulado por todos os fãs de quadrinhos quando possível.
Muitos devem estar estranhando talvez o tom revoltado do meu discurso, porém, ele decorre da notícia que motivou essa postagem: o roubo dos dois primeiros exemplares da revista que inaugurou os quadrinhos no Brasil, "O Tico-Tico", direto de dentro do acervo da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), aqui no Rio de Janeiro, há pouco mais de um mês, mas que só agora foi noticiado. A proteção aos artefatos culturais deveria ser uma das funções mais prioritárias desse órgão público, porém, essa notícia demonstra a incapacidade dos seus organizadores para administrar algo de tamanha importância para nós, brasileiros, e isso, despertou em mim a vontade de escrever sobre esse déficit de valor que os produtores de bens culturais e intelectuais vêm sofrendo por anos, décadas. De acordo com a notícia que saiu no jornal O Globo, os erros da FBN vão muito além do roubo de seus artefatos históricos, chegando a erros de contabilidade e de avaliação de licitações.
A FBN não pode, em hipótese alguma, se dar ao luxo de passar por erros como esses, pois eles são os responsáveis pela manutenção do maior bem que qualquer brasileiro pode ter: seu patrimônio cultural. Acho sinceramente ridículo o quão desvalorizado que chega a ser o status do artista no país, e realmente luto por essa mudança de paradigma a cada oportunidade que me surge. O que isso tem a ver com o roubo da FBN? É preciso compreender o quanto é imprecindível o artigo de maior valor que a instituição guarda, a cultura, e como isso deve ser de fato guardado, administrado e, ainda assim, disponibilizado para todos os cidadãos brasileiros que venham a necessitar desse conteúdo. É um trabalho complicado, difícil, eu sei, porém, é preciso que os demais setores da sociedade compreendam a necessidade de investimentos maiores nisso e, é claro, em estar atentos a como esses investimentos são gastos propriamente dito. Os gastos abusivos por falta de administração não podem mais ser tolerados, e precisam de reformas imediatamente.
Enquanto isso, o patrimônio cultural que foi um dia, e ainda é, as edições de "O Tico-Tico" perde parte essencial de seu acervo e, com isso, deixa de atingir aqueles que desejavam procura-lo como referência para a formação da sociedade brasileira ao longo do século XX, através do qual sua história se extendeu e permaneceu viva através de dedicados pesquisadores como Waldomiro Vergueiro. Perdem-se mais que duas revistas, perdem-se dois pilares da cultura do Brasil, e isso é, absolutamente, inaceitável.