Por Gabriel Guimarães
Essa semana ocorreu um fato no mínimo inusitado na edição que homenageava o personagem da DC, Superman, que chegava à sua 900ª edição no título onde surgiu inicialmente em 1938. A edição consistia de histórias curtas envolvendo o personagem, junto à conclusão de uma trama que se desenrolava há algumas edições no título. Juntando colaborações de roteiristas conhecidos do meio, como Richard Donner, que escreveu os filmes originais do Homem de Aço estrelados por Christopher Reeve, e Damon Lindelof, um dos criadores da série que revolucionou a televisão e seus suportes, LOST, a edição da Action Comics #900 prometia ser uma avassaladora representante na lista de revistas mais vendidas do mês nos Estados Unidos. Entretanto, em uma das curtas homenagens, escrita por David Goyer, roteirista dos dois mais recentes filmes do Batman e do próximo filme do próprio Superman, e ilustrada por Miguel Sepuvelda, o personagem aparece de uma forma que acredito que ninguém esperava vê-lo.
Considerado o grande símbolo dos ideais norte-americanos no mundo todo, o Homem de Aço parte em defesa de forma pacífica do povo iraniano contra o opressor presidente do país, que estava causando massacres de civis nas ruas, porém, a autoridade do herói é questionada por se tratar de uma nação que não obedece às leis dos Estados Unidos, portanto, o personagem estaria fora de sua jurisdição, o que leva o grande herói kryptoniano a discutir com o assesor de segurança do presidente americano, Gabriel Wright, e, então, tomar a decisão de renunciar à sua cidadania estadunidense para não ter que dar satisfações ou ter sua autoridade contestada. Simples assim.
Era mais do que óbvio que isso acarretaria em uma enxurrada de comentários e críticas, dos leitores habituais de revista e dos demais meios de comunicação, que adoram polemizar alguns eventos que envolvem os principais personagens dos quadrinhos, como foi o caso da saga "A Morte do Superman", na década de 1990, e das recentes mortes do Batman e do Capitão América (discutir a avacalhação que isso se tornou é algo para se fazer outro dia, o foco aqui é outro). Alternando entre os dois principais argumentos,: o Superman fez isso apenas para expressar que todo seu poder não pode ficar limitado aos limites geográficos de uma só nação; e o personagem é um elemento mítico da cultura norte-americana e não podem permitir que façam isso com ele; os debates alcançaram canais de televisão como a conservadora Fox News, jornais como o New York Post e os twitters de diversos autores, que se dividiram quanto à questão.
A história não tem nem a garantia de que seja algo a ser levado em consideração numa eventual cronologia do personagem, e, portanto, pode nem ter qualquer importância em si, porém, acabou exigindo muito esforço dos profissionais da editora, como Dan Didio e Jim Lee, para contornar a situação e evitar maiores desgastes com a imprensa. Segundo eles, "O Superman é um visitante de um planeta distante que há muito abraçou os valores dos EUA. Como personagem e como ícone, ele incorpora o melhor do Modo de Vida Americano. Em uma história curta na revista Action Comics 900, ele renuncia à sua cidadania para dar um foco global à sua batalha que nunca termina. Mas ele permanece, como sempre, comprometido com seu lar adotivo e suas raízes, como um garoto fazendeiro do Kansas vindo de Smallville".
Esse evento todo ao redor de uma singular história realmente merece um certo questionamento quanto aos limites da imagem do mito e do seu papel na cultura de uma nação, ainda que, atualmente, o que mais se veja sendo feito é uma desvirtualização da sociedade e um crescente sentimento de ceticismo no cotidiano das grandes metrópoles. Como símbolo americano, o Superman reuniu jovens e ensinou a importância de ter bons valores, porém, atualmente não é nada fácil ver qualquer lição por ele ensinada sendo posta em prática de forma propriamente dita. Então, a pergunta que fica é: Toda essa defesa do ícone do S é pela manutenção da importância do personagem na formação de gerações dos leitores americanos ou meramente uma formalidade para fingir um falso moralismo em meio a um momento que os Estados Unidos tentam manter sua credibilidade depois de tantos erros cometidos na gerência Bush? Acho que seria o momento para uma reflexão séria e avaliar quais as perguntas que realmente deveriam estar sendo feitas aqui e quais perseguições um tanto irracionais deveriam ser evitadas.
Além disso, um outro fato nesse imbróglio chamou muito minha atenção. O editor da Marvel Comics, Steven Whacker, que trabalhou com o Homem-Aranha logo após o polêmico arco "Mais Um Dia" e com o Demolidor na saga "Shadowland", recebeu vários e-mails enfurecidos criticando a postura com o Superman, sendo que o personagem sequer é da editora onde Whacker trabalha. Ou seja, há mais gente reclamando do que lendo de fato o material que está sendo tão criticado. O desconhecimento frente às disponibilidades técnicas dos dias atuais sobre um elemento da indústria do entretenimento que está constantemente sendo veiculado nas mídias digitais não mais serve como uma desculpa aceitável, e esse ato apenas demonstra que antes de se criticar algo, deve-se pesquisar bastante a fundo o que se quer criticar antes, para que os argumentos sejam válidos e, da discussão, surja uma via para se seguir que permita reais melhorias dos dois lados, tanto para os produtores dos quadrinhos, como para seus leitores. Esperemos para ver qual será a reação do povo brasileiro quando a história chegar aqui.
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