terça-feira, 25 de novembro de 2014

Panteão de Heróis pela Ordem e pelo Progresso

Por Gabriel Guimarães



Pouco mais de dois anos atrás, o roteirista Elenildo Lopes deu seus primeiros passos para transformar seu site de cobertura da nona arte "Meu Herói" em um projeto para publicar seu principal personagem, o Capitão R.E.D. em uma edição com belo acabamento (essa iniciativa foi coberta aqui no blog na época). A partir de então, ele passou a buscar novas formas que possibilitariam a veiculação de conteúdo produzido pelos quadrinistas brasileiros que não contavam com grande evidência nas mídias tradicionais. Exercendo, então, um papel de defensor da cultura brasileira e mantendo uma postura de sempre respeitar o conteúdo que o influenciou como leitor, Elenildo iniciou o planejamento para um projeto mais ambicioso cujo grande objetivo é expor o material de muitos autores nacionais a uma parcela maior do público consumidor de quadrinhos e, dessa forma, lhes garantir o reconhecimento e valor devidos. O projeto "A Ordem!" compreende uma história em torno de 100 páginas, com personagens de 24 autores diferentes, provenientes de estados de norte a sul do país, e está em processo de financiamento colaborativo no Catarse desde 10 de novembro, com previsão para fechar a disponibilidade de colaborações no início da segunda semana de janeiro.

A iniciativa, que reflete muito da luta pela valorização da produção brasileira na nona arte, que Elenildo tem travado desde que fundou, junto do cartunista Fernando Rebouças, o movimento DQB - Democracia ao Quadrinho Brasileiro, em 2010, tem uma proposta de potencial admirável, e sua temática central toca em um tópico que muitos levantam ao ingressar no mercado das revistas em quadrinhos no nosso país: Por que não há heróis brasileiros nas bancas?

Em primeiro lugar, é fundamental destacar que há, sim, muitos heróis brasileiros, cada qual refletindo seu contexto de criação e influências, porém, o que torna complicado o processo de consolidar os personagens em um mercado saturado de material estrangeiro sendo distribuído pelas editoras a preços mais acessíveis é, em grande parte, um fator: evidência. O destaque dado às publicações de cunho nacional é bastante limitado, tendo apenas ganhado reforço a partir da primeira década do século XXI, com o advento da internet e a ferramenta de divulgação nas redes sociais, enquanto o conteúdo estrangeiro que chega ao Brasil, uma vez já tendo sido avaliado como um sucesso de vendas em seu próprio mercado de berço, conquista a atenção daqueles editores e empresários que possuem condições de custear sua distribuição nas terras tupiniquins. Isso, contudo, não quer dizer que não haja profissionais do setor que acreditem na qualidade do material brasileiro, porém, o processo para trabalhar com ele possui ônus mais pesado para as editoras, além de ser algo que faz frente ao conflito cultural que vivenciamos no Brasil há décadas, por não compreendermos o valor daquilo que nós mesmos produzimos.

Como Nelson Rodrigues certa vez destacou, o povo brasileiro possui uma cultura de "vira-lata", ou seja, compreende a si mesmo como um ser de natureza abaixo das dos demais, mas que consegue superar os obstáculos que se apresentam diante de si para continuar vivo. Nossa determinação, enquanto povo, é realmente algo muito precioso, sendo fonte para muitas histórias de vida com vitórias sobre a pobreza ou doença, em cidades ao redor do Brasil todo. Nossa jornada, porém, não pode ser composta apenas de pobreza e doença a serem superadas. O valor de nosso trabalho precisa ser reconhecido, a técnica particular com a qual executamos nossa produção cultural precisa ser respeitada. Apenas assim, poderemos construir uma base segura na qual construir uma identidade sociocultural digna de um povo tão determinado e criativo. Elenildo, por meio deste projeto, organizado em parceria com outros talentosos profissionais da arte sequencial, como Augusto Velazquez, Gian Danton, Gil Santos, Joe Benett e José Luis, entre tantos outros hábeis quadrinistas, oferece ao leitor brasileiro uma oportunidade de transformar esse cenário, talvez não de uma única vez, mas possivelmente no início de um processo gradual, passo a passo, livro a livro, quadrinho a quadrinho.

O livro "A Ordem!" promete ser, portanto, uma boa exposição para muitos personagens pouco conhecidos do grande público, ainda que todos já tenham sido publicados previamente. A evidência que o projeto tende a trazer sobre essas criações pode oferecer aos seus autores novas oportunidades para encorpar a produção cultural nacional com o gênero heroico que atrai tantos leitores de quadrinhos, mas que não tem tanta atenção do mercado interno como um todo. Aos interessados em colaborar com a proposta (lembrando que cada valor preestabelecido no Catarse compreende itens que vão desde o álbum impresso até extras como sketchbooks e edições dos personagens representados na história em suas próprias publicações originais), o link pode ser conferido aqui.

A quem tiver interesse em conhecer mais, o jornal eletrônico "FolhaZ" entrevistou recentemente Elenildo Lopes sobre sua proposta no Catarse e a iniciativa do DQB, que pode ser conferida aqui. O jornal mineiro "O Tempo" também realizou uma entrevista muito interessante com o criador de um dos personagens que estarão no projeto, Wellington Santos, traçando sua carreira desde a primeira publicação de seu herói Vulto, de forma independente em 1990. Ela pode ser conferida aqui. Para maiores informações e novidades do projeto "A Ordem!", fiquem atentos à página deste no Facebook, que pode ser conferida aqui.

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