Por Gabriel Guimarães
Ao longo de mais de 23 anos, o roteirista Flávio Teixeira de Jesus tem desempenhado um papel de grande destaque no cenário brasileiro de histórias em quadrinhos. Responsável por uma grande quantidade de estórias publicadas nas revistas produzidas pelos estúdios MSP, desde aquelas da turma da Mônica até as peripécias do jovial Rolo ou as aventuras do fantasma Penadinho, Flávio tem ajudado a preencher sonhos e brincadeiras de leitores brasileiros de todas as idades.
Com um bom humor que é marca registrada de sua personalidade, Flávio inaugurou em 2011 seu próprio blog, o Aquarium Nerd, onde contou algumas de suas experiências na indústria de quadrinhos, com direito a fotos dos bastidores da construção do primeiro Parque da Mônica, em São Paulo. Mais presente nas redes sociais como Facebook e Twitter, porém, ele se tornou figura ilustre e sempre presente na timeline daqueles que acompanham as novidades da arte sequencial, com informações recém saídas na mídia e montagens de grande poder humorístico. A quem tiver interesse em segui-lo nestas duas redes, seu perfil pode ser acessado aqui e aqui, respectivamente.
QUADRINHOS PRA QUEM GOSTA - Qual foi seu primeiro contato com as histórias em quadrinhos? Qual o papel que elas tiveram na sua formação?
Flávio Teixeira de Jesus -
Acredito que o meu primeiro contato com quadrinhos foi realmente com a própria
Turma da Mônica, no jornal "Folhinha de São Paulo". Ali, eu
via as historinhas dos personagens de Maurício e aquilo foi me instigando até o
ponto de começar a pedir cadernos de desenho pros meus pais. Uma vez em mãos,
eu não conseguia parar mais de desenhar, criar histórias. Eu digo que toda
criança desenha mas, em algum ponto da sua vida, muitas acabam parando, se
interessando por outras coisas. Quem não para, começa a desenhar em papel de
pão, na parte de trás dos blocos de nota fiscal do pai, entre muitas outras
possibilidades. Ou seja, ainda que isso não seja necessariamente determinante,
acaba proporcionando grandes chances de a criança vir a se tornar artista de
quadrinhos no futuro. (risos)
A Folhinha de São Paulo me
instigou tanto na minha formação que, em 1975, quando ainda tinha 7 anos de
idade (curiosamente a idade dos personagens que tanto me fascinava, olha só),
resolvi fazer um desenho pra uma sessão chamada "FUTURO ARTISTA".
Era uma historinha de 4 quadrinhos de um personagem meu, chamado Pirata Azarado.
Mal sabia eu que, 15 anos depois, eu seria um artista da turma da
Mônica.
Você lembra em que momento da sua vida você tomou a decisão de ser roteirista de quadrinhos e o que o levou a isso? Se sim, qual foi?
Na verdade, eu sempre quis ser
desenhista, mas sempre usei minha criatividade criando histórias, personagens,
jogos... Só não sabia que existia uma profissão específica para essa etapa de
criação, chamada "roteirista". Eu comecei trabalhando com desenhos de
estampas pra camisetas, depois fui para um grande estúdio de animação, fazendo
clean-up e storyboard. Até então, não trabalhei em nada relativo aos roteiros.
Com o Plano Collor, entretanto, fui mandado embora do emprego que tinha na
época, e um grande amigo meu, Marcos Félix, me indicou para ir fazer um teste
na Mauricio de Sousa Produções, pois achava que eu tinha bastante criatividade
e lá seria o melhor lugar para mim. Segui o seu conselho, mas tentei a área de
animação do MSP. O Kanton, outro profissional que trabalhava lá, viu meu material
e falou que eu devia tentar me candidatar para o setor de roteiro. E assim eu
fiz. Preparei várias páginas e um dia o Mauricio em pessoa me chamou e lançou o
desafio de fazer 60 paginas aprovadas por mês. Eu topei e, conforme mais eu ia
criando, mais feliz ficava, pois tinha encontrado meu propósito. Era isso que
eu queria desde o começo, mas não sabia o nome: Roteiro. Eu me encontrei na
profissão e me sinto, hoje, um grande privilegiado.
Quando tomou essa decisão profissional, encontrou alguma resistência (familiar, dos amigos, de uma namorada, de si mesmo...)?
Na verdade não. Meus pais sempre foram um grande
suporte pra mim, aliás, toda minha família sempre me incentivou (e ainda
incentiva, comemora junto e torce por mim), o que é muito bom, revigorante,
maravilhoso e essencial.
Você trabalha há mais de vinte anos no estúdio de quadrinhos mais prestigiado do país. Como você se sente fazendo parte disso tudo? Como é o seu cotidiano lá?
Fazendo parte dessa grande
história, eu me sinto extremamente honrado e muito feliz por contribuir um
pouco com ela. Eu me sinto muito realizado em poder fazer algo que amo e sou
muito dedicado no que eu faço. Essas emoções passam para o meu trabalho e acho
que passam para o público também! Esse retorno que tenho com os fãs da turma da
Mônica não tem preço e só me faz ter a certeza de que estou no caminho certo.
Tudo isso só me dá forças pra melhorar cada vez mais e mais!
Quanto ao meu cotidiano, ele é
composto de muita pesquisa antes de começar um roteiro. Se é de uma paródia de
um filme ou um livro, tenho que ler, rever, fazer anotações. Depois, sento e
começo a ver como aquilo se encaixa no universo da Mônica com os cuidados que
devo ter. Então, vem a parte gostosa de escrever, soltar a imaginação, procurar
referências nerds (que quase sempre ponho em minhas histórias) e, uma vez
concluída essa etapa, com tudo preparado com início, meio e fim, tem início a
revisão, que passa a limpo o material. Admito que, com essa revisão, acaba
surgindo novas mudanças, em função de novas ideias, o que gera uma nova revisão
e assim por diante. (risos) Daí, quando tudo acaba, vai para a mesa do Mauricio
e, quando aprovada, começa meu desafio com os desenhistas e o resto da galera,
porque sou exigente com o material. Assumo que sou chato com relação ao meu
trabalho, para que tudo saia o mais perfeito possível.
Você é sempre reconhecido por sua vasta bagagem de cultura popular, que você constantemente transmite para suas histórias. De onde veio essa sua característica particular?
Isso é bastante interessante.
Veio com o tempo, acho. Eu sempre curti essa coisa de cultura nerd. Com o
tempo, fui colocando mais nas histórias que escrevia. A saga da "Tina e
os Caçadores de Enigma", tinha bastante disso e o legal é que, no fim
das revistas, vinham algumas explicações de onde estavam essas referências.
Hoje, coloco muito em algumas historias da série "Clássicos do
Cinema" e os leitores atentos já identificam. Até aqueles que não
conhecem, acabam ficando instigados a procurar mais sobre aquilo na internet, o
que é maravilhoso.
Há algum personagem específico com o qual você prefira trabalhar?
Complicado isso! Eu sempre digo que, se o Mauricio é o Pai, eu sou um padrinho zeloso de todos! Começaram até a brincar aqui no MSP, me chamando de Poderoso Padrinhão (risos). Mas o fato é que tenho bastante carinho pelo quarteto extraordinário (Mônica, Cebolinha, Cascão e Magali) e um especial também pela Dona Morte (minha primeira historia que saiu foi com ela). Por isso, fica a dica para prestar uma atenção especial nela, que sempre que posso eu a coloco fazendo uma participação especial. Ultimamente, tenho brincado muito também com o Louco, o Xaveco e o Bugu .
Quadrinho da história produzida por Flávio para o álbum "Ouro da Casa MSP", publicado ano passado |
Você já se tornou parte do universo de personagens do MSP como primo do Rolo há vários anos. Como é a experiência de ser imortalizado nas páginas da turma da Mônica?
Nossa, deu até um frio na espinha quando você falou "imortalizado". Eu nunca pensei assim, aliás, nem achava que as pessoas lembravam do primo Flavio que o Rolo tinha. Aquilo foi uma brincadeira do Robson (um dos mais antigos roteiristas da casa) e que rendeu algumas historias. Eu mesmo fiz uma comigo mesmo, o que é estranho! (risos) Esse tipo de brincadeira é comum por aqui. O João, outro roteirista dos estúdios, me transformou num Pokémon certa vez, e até eu mesmo já me fiz numa versão cachorro. Na verdade, nós, roteiristas, quando não aparecemos assim, acabamos até fazendo uma ponta como nós mesmos. Fico realmente feliz de fazer parte deste universo tanto do lado de fora quanto de dentro da revista. É uma honra.
Você esteve bastante ligado ao projeto do Parque da Mônica, certo? Como foi isso? Que papel você desempenhou nessa grande etapa da consolidação da marca Mônica dentro do Brasil?
Sim, fiz parte do time criativo que criou os parques de São Paulo, Curitiba e Rio de Janeiro. Fui chamado com o Robson para criarmos juntos com Mauricio e Alice o conceito do Parque da Mônica. Eram varias reuniões desenvolvendo as áreas temáticas de acordo com os personagens e as limitações técnicas que eram impostas pelos engenheiros. Íamos visitar os estúdios que faziam os moldes do carrossel e dar consultoria técnica. Foi uma época agitada e bem divertida. Aquilo depois se estendeu e se desdobrou com as revistas, as peças temáticas, além de shows e desenvolvimento de cartazes e produtos relacionados. Foi uma experiência magnífica e um grande aprendizado.
Você é um ferrenho usuário das redes sociais para interagir com seus fãs. Como você vê a internet e as redes sociais na nova estrutura editorial das HQs? A sua experiência nesse sentido tem sido positiva?
A interação com os fãs é sempre maravilhosa e podemos ver o que funciona e o que precisa ser corrigido, ou até mesmo mudado. A internet é uma ferramenta poderosa. Acho o contato com a internet sempre benéfico, desde que se saiba utilizá-lo. É uma questão de saber usufruir sem se tornar escravo dela. A internet é como uma ótima biblioteca de referência, de conhecimento e de debates. É preciso ter discernimento, cautela e respeito. Editorialmente, é muito boa também, pois você sente o público e o mercado com que você está lidando, além de saber o que acontece em outros mercados do planeta e o que pode ser tendência. Como disse, é uma ferramenta poderosa: basta saber usá-la e usufruir com respeito.
A interação com os fãs é sempre maravilhosa e podemos ver o que funciona e o que precisa ser corrigido, ou até mesmo mudado. A internet é uma ferramenta poderosa. Acho o contato com a internet sempre benéfico, desde que se saiba utilizá-lo. É uma questão de saber usufruir sem se tornar escravo dela. A internet é como uma ótima biblioteca de referência, de conhecimento e de debates. É preciso ter discernimento, cautela e respeito. Editorialmente, é muito boa também, pois você sente o público e o mercado com que você está lidando, além de saber o que acontece em outros mercados do planeta e o que pode ser tendência. Como disse, é uma ferramenta poderosa: basta saber usá-la e usufruir com respeito.
Para finalizar, quais são os planos do estúdio MSP para homenagear a Mônica neste ano em que ela completa 50 anos? Há algum projeto em desenvolvimento que você possa compartilhar conosco?
Este ano será o ano da Mônica. Já estamos desenvolvendo isso há algum tempo com várias ações que acontecerão ao longo do ano. Nunca foi feito um planejamento assim neste nível antes na empresa, por ser algo grandioso mesmo. Projetos? Sim, temos vários, mas, como você sabe, não posso falar nada ou me arrisco a levar uma coelhada, entende? (risos)