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Cena da morte de Gwen Stacy, que chocou os leitores da época |
Com o passar do tempo, surgiram vertentes dessa nova veia realista de contar histórias, e a partir disso, os gêneros preexistentes se adaptaram aos novos recursos que lhe foram oferecidos para crescerem ainda mais. As histórias de ação adquiriram maior profundidade moral e tons de dramaticidade semelhantes às peças de teatro e filmes de grande sucesso. A história da morte de Gwen Stacy, o amor de Peter Parker, alter-ego do Homem-Aranha, e a longa passagem do roteirista britânico Chris Claremont pelo título dos X-men, onde abordou todos os desejos e frustrações dos jovens mutantes, ambos os casos da editora Marvel, e
"Cavaleiro das Trevas" e
"A Morte de Robin", duas obras do personagem da DC, Batman, representam muito bem isso. Enquanto isso, os adeptos da contra-cultura seguiram num sentido não oposto, mas diferente de abordar a questão da realidade. Autores como Robert Crumb e Harvey Pekar alcançaram um alto grau de reconhecimento por seus materiais underground.
"Minha Vida" e
"Our Cancer Year", produzidas por estes respectivos autores, foram obras que marcaram muito os leitores por oferecerem uma apresentação da vida crua sem floreios acerca de dramas vividos por pessoas reais. Pekar, inclusive, utilizou de sua história como forma de fazer o público atentar para problemas que iam muito além dos quadrinhos, retratando curiosamente até da própria alienação causada pela mera leitura vazia de suas histórias.
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Cena de "Ao Coração da Tempestade", onde o
personagem encara os cenários que passam
do lado de fora do trêm |
Porém, poucos dominaram essa arte da representação do real tanto quanto o nova-iorquino Will Eisner. Praticamente um pilar sobre o qual as histórias em quadrinhos se estabeleceram, Eisner ficou marcado por suas histórias sobre a natureza humana e o convívio da sociedade nas grandes metrópoles (conforme já foi destacado
aqui e
aqui). Seja por
"Nova York - A Vida na Grande Cidade",
"Avenida Dropsie" (este que foi adaptado de forma bem sucedida para os palcos de teatro e apresentado a públicos ao redor do mundo),
"Ao Coração da Tempestade",
"Pequenos Milagres" ou mesmo no seu único personagem heróico
"Spirit", cujas histórias sempre eram centradas nos personagens secundários, mais do que nas intrépidas aventuras do vigilante mascarado, Eisner mostrou o potencial de criação que os quadrinhos possuíam dentro de si e que muitos não conseguiam ver. Não é, portanto, grande surpresa que seu nome tenha sido dado ao maior prêmio da indústria de quadrinhos.
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Detalhado painel da história "A Lótus Azul",
onde Tintin vai a uma vila chinesa |
No que se trata de abordar a realidade, porém, a forma como são representadas ilustradamente as histórias também é um elemento de enorme importância, e de onde se destacaram grandes artistas, como o belga Georges Remy, mais conhecido por seu pseudônimo Hergé e por sua maior criação, o jovem repórter Tintin. Contando com artistas que visitavam vários locais onde o personagem estaria presente em suas histórias futuras, para ilustrar todos os detalhes e estilos de arquitetura necessários para mostrar um trabalho minuciosamente realista, Hergé transformou suas histórias em banquetes visuais, onde todos os elementos retratados foram detalhadamente estudados antes de serem publicados. Desde aviões a armas, carros a navios e estilos de roupa, as histórias desse ícone dos quadrinhos de aventura se tornaram memoráveis pela riqueza em sua representação do mundo real. Hergé, também, utiliza de um recurso narrativo muito semelhante ao realizado nos quadrinhos japoneses, onde os personagens são desenhados de forma simplificada, sem grande marcações, o que permite ao público se identificar com ele mais facilmente, ao mesmo tempo em que os cenários são brilhantemente realistas, posicionando a perspectiva do leitor no campo do real. Tamanho grau de dedicação para criar histórias visualmente realistas pode ser visto hoje em artistas como o americano Alex Ross e o brasileiro Felipe Massafera, além dos títulos da série
"Cidades Ilustradas".
Nos dias atuais, a realidade parece tão intrínseca ao universo dos quadrinhos que parece curioso observar a história de como esse processo se deu até que alcançasse o equilíbrio corrente. Como demonstrou Patati, o predomínio para essa questão hoje se encontra no volume de material autobiográfico disponível nas livrarias, em formato de arte sequencial. Tendo seu maior representante na obra do quadrinista americano Art Spiegelman,
"Maus", única história em quadrinhos já premiada com o Pullitzer, sobre as experiências antropomorfizadas dos pais do quadrinista no campo de concentração de Auschwitz, o gênero hoje é um dos grandes vendedores dentre a quantidade crescente de ofertas na linguagem da nona arte.
"Retalhos", de Craig Thompson,
"Cicatrizes", de David Small, "Persépolis", "Morro da Favela", dos brasileiros André Diniz e Maurício Hora (cuja obra já foi comentada
aqui no blog antes), e o dramático e pessoal
"Paraíso de Zahra", da dupla iraniana Amir e Khalil, cujos nomes reais não são revelados por conta de conflçitos políticos existentes no país, são exemplos desse novo cenário.
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Imagem que retrata um passeio
do protagonista pelo campo em "Logicomix" |
As obras históricas, abordando a vida de personagens marcantes ao longo dos anos, também vêm se mostrando um segmento em ampla expansão no meio, com exemplos como são o caso da série sobre ícones da música e da cultura pop, feita pela editora Bluewater, nos Estados Unidos, e até mesmo o belíssimamente estudado, ainda que com uma narrativa um tanto enfraquecida,
"Logicomix", do quarteto europeu Apostolos Doxiadis e Christos H. Papadimitriou, nos roteiros, e Alecos Papadatos e Anne Di Donna, na arte. A forma como eventos da realidade afetaram a vida das pessoas também são temas hoje mais corriqueiros nos quadrinhos, como são os casos das coletâneas
"À Sombra das Torres Ausentes" e
"11-9", e da história publicada na edição 36 da revista
"Amazing Spider-Man", e a minissérie
"A Serviço da Vida", todos sobre a queda das Torres Gêmeas; de histórias como
"A Busca" e
"Magneto: Testamento", sobre a Segunda Guerra Mundial; e
"Quando Lá Tinha o Muro", do cartunista alemão Flix, sobre a queda do muro de Berlin.
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Cena da excelente web comic "Terapia" |
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Página do mangá "Gourmet" |
Concluindo, a realidade está cada vez mais impressa nas páginas dos quadrinhos, e os profissionais do meio percebem a importância dessa relação ainda na etapa de construção de suas histórias, o que é capaz de render resultados inesperados e facilitar a relação com os leitores. Para o futuro, os quadrinhos parecem aproveitar cada vez mais do realismo crescente, a ponto de tornarem-se eles mesmos tema de suas tramas, como é o caso do mangá
"Bakuman", centrado na consolidação de dois jovens como mangakás em meio ao mercado editorial japonês de quadrinhos, através de histórias minuciosamente detalhadas e personagens carismáticos. Outros mangás, como a história do executivo que visita restaurantes em
"Gourmet", e obras brasileiras, como a premiadíssima
"Daytripper", dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, e a
web comic "Terapia", belamente ilustrada pelo desenhista paulista Mário Cau (a qual pode se conferida no site
Petisco HQ ou neste
link), também oferecem uma nuance da realidade de forma inovadora, facilitando muito a imersão dentro das histórias em quadrinhos, o que só deve vir a crescer no futuro. Vivemos um período de abundância de recursos e a criatividade quanto à percepção do real tem tudo para nos trazer novas e animadoras perspectivas.
Um comentário:
A realidade tende a ser cada vez mais explorada nas hqs e mesclada a sua fantasia, criando um mundo único e irresistível. Parabéns!
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