Por Gabriel Guimarães
Essa semana saiu nas bancas de jornal e lojas especializadas as edições da DC que concluem a mega saga "A Noite Mais Densa", que tem o universo de personagens do Lanterna Verde como principal protagonista, porém se ramificando entre os principais títulos da editora, como Superman, Batman, Liga da Justiça e Sociedade da Justiça. A história atingiu o patamar de grande evento do ano da editora e a levou a incrível façanha de passar a Marvel em quantidade de revistas vendidas e de arrecadação nos Estados Unidos. Seu principal roteirista, Geoff Johns, se consolidou como caixa forte entre os profissionais da atualidade, alavancando as vendas de todos os títulos que passou a escrever.
A DC também aproveitou a abordagem da saga para gerar talvez uma mudança determinante para o destaque da editora nessa nova década que começa, uma volta às origens, aos tempos em que os quadrinhos eram claros, mais épicos e ideológicos, contexto este corretamente percebido no título da nova série mensal que foi lançada lá fora e que será publicada a partir de março aqui, "O Dia Mais Claro".
Apesar de todos esses pontos positivos que quis destacar, tenho alguns comentários que considero bastante pertinentes de se levantar aqui. A saga começou a partir de uma deixa criada nos anos 1980 pelo antológico roteirista e criador Allan Moore, numa história onde o dono anterior do anel do setor espacial 2814, Abin Sur, é alertado pelos seres mostruosos de Ysmault sobre a profecia que anuncia a queda dos Guardiões do universo como instrutores da ordem no cosmos. Devido a uma escassez de ideias originais e apostando no estímulo para os leitores mais recentes de buscar histórias antigas dos personagens a fim de compreender a razão dos acontecimentos atuais, a DC investiu todas as moedas no sucesso dessa saga. Em termos artísticos e culturais, é claro que "A Noite Mais Densa" foi a tentativa da DC de aproveitar a onda de popularidade do gênero de terror dos últimos anos, que rendeu sucessos como "Zumbis Marvel" e "Walking Dead". Sendo influenciado por filmes como "A Noite dos Mortos Vivos", o universo DC virou um cemitério ambulante, causando muito mais estardalhaço do que poderia se imaginar, chegando a um nível verdadeiramente apocalíptico para os personagens.
Tendo que enfrentar os corpos decrépitos de seus entes queridos, os personagens estiveram num limiar emocional como nunca antes, e a forma como isso foi mostrado nas revistas alternou demais entre o bom e o ruim, em termos de qualidade. A Sociedade da Justiça, cujo envolvimento com a saga foi brilhantemente desenhada pelo brasileiro Eddy Barrows, foi um dos lados interessantes de se ler, junto com os desafios pelo qual a Tropa dos Lanternas Verdes passaram em Oa e Mogo. Ao mesmo tempo, a parte que coube à Liga da Justiça e a alguns personagens secundários como Starman foram um tanto quanto ridículos, sem força suficiente para enfrentar essa ameaça do mundo dos mortos. A trama se desenrolou na sua linha principal também de uma forma confusa e em ondas de ação e reação não tão bem exploradas, culminando num final de teor pouco dramático e sem muito sal.
Do ponto de vista editorial, no entanto, tenho algumas opiniões muito fortes sobre isso tudo. Primeiro e mais brandamente, gostaria de comentar o quanto foi uma pena não ter ocorrido uma divulgação dessa saga como foi feito lá fora, onde foram distribuidas réplicas dos anéis das tropas multi-coloridas envolvidas na trama. Os fãs desses personagens com certeza teriam apreciado muito esse brinde, e neste ponto, me incluo como um deles. Agora, do ponto de vista sério, o trabalho de edição da saga no Brasil foi bastante fraco. Quem lê meu blog, sabe que eu não sou de criticar sem base, e quando um trabalho de edição nos quadrinhos é bem feito, eu dou uma menção bastante destacada (como fiz quando analisei o arco do próprio Lanterna no surgimento da Tropa Sinestro), porém, dessa vez, eu não tenho como elogiar um trabalho que eu vi que foi tão deficiente quanto este foi.
Eu tentei ler pela cronologia que foi impressa em várias edições envolvidas na saga: não deu certo. Dentro de uma mesma revista, você encontrava histórias antes e depois dos eventos ocorridos em outra revista, que só viria a ser publicada muito tempo depois. Há um erro, inclusive, na tabela, no que tange a quais revistas da série Liga da Justiça estão envolvidas na saga. A primeira relacionada não tem nada da Noite Mais Densa, e a seguinte à última que está lá, sim. Personagens iam e viam, numa edição estavam em um lugar fazendo algo, combatendo alguém, de repente, em outra, estavam no lado oposto do mundo ou do universo fazendo algo completamente diferente. Faltou direção no volante para quem era responsável pela coordenação das publicações da saga, isso qualquer um é capaz de perceber.
--SPOILER para quem não leu ainda--
Basta que se note na parte da trama em que Hal Jordan se deixa possuir pela entidade Parallax a fim de derrotar o Espectro dominado pelo anel negro da Tropa de Nekron. Na edição número 29 da série do Lanterna Verde, o fato que descrevi é consumido no clímax da revista, mas só vamos ver sua continuação na edição 30, considerando que na escala das edições haviam 3 revistas que estariam cronologicamente entre uma e outra, onde, inclusive, na edição da Liga da Justiça número 98, foi publicada uma história já pós-Noite Mais Densa, onde o Lanterna Verde Hal Jordan aparece tranquilamente disposto a formar uma nova Liga. É de dar um nó na cabeça do leitor.
Em termos de história, "A Noite Mais Densa" foi uma história sem grandes destaques ou momentos marcantes, mas pode ser a deixa para algo realmente maravilhoso na DC: um recomeço. O título da matéria é uma referência a isso. A noite obscura terminou, e os raios do sol da esperança começam se lançar por sobre o horizonte. Enquanto o dia mais claro começa a ser construído, acho importante termos esse momento de ponderação. Entre um momento e outro, há uma madrugada, onde deve se planejar o futuro e o que surgirá na nova aurora da DC. Espero que compreendam que a era de crises seguidas de crises já acabou, e agora precisamos de um tempo de calmaria estimulante, onde a força de vontade que levantou a DC precisa ser restaurada e descansada, pelo menos por um tempo. Em breve, já haverá a próxima grande fase da DC, "Flashpoint", porém, diferente de como tem sido lidado até agora, esse arco não parece ter tanto peso e melodrama como as crises da segunda metade da última década que afetaram tanto o teor dos quadrinhos (como destaquei já antes aqui no blog na minha série de matérias especiais sobre as mudanças nos quadrinhos na última década). Veremos o que o futuro nos reserva daqui para frente: rumo a um novo amanhecer esmeralda, espero.