Continuando a série de homenagens aos 50 anos de carreira de Mauricio de Sousa, hoje farei uma análise mais detalhada de como através da turma da Mônica ele revolucionou o modo do artista brasileiro fazer quadrinhos. Todos sabem que sou um fã assíduo dos quadrinhos de super-herói da Marvel, DC, Dark Horse, etc, mas nos últimos anos tenho percebido uma enorme perda nesse gênero em relação ao modo como estes falam com seu leitor. Seja distorcendo tudo que uma geração de consumidores leu, como "Um Novo Dia", do Homem-Aranha, ou matando diversas vezes o mesmo personagem em sagas diferentes, como Órion em "A Queda dos Novos Deuses" e "Crise Final", me parece que alguns dos principais editores perderam a clareza da visão que os quadrinhos têm com seu público. Eles passaram a se preocupar mais com o lucro da venda do que com a qualidade da mercadoria, praticamente como tudo mais no mundo nessa última década. Mas é por isso que o mundo tem ido de mal a pior. As pessoas pararam de ligar para o próximo e passaram a pensar apenas em si mesmas, e isso nunca nos levará a lugar nenhum, apenas à destruição de tudo que existe. Mas voltando aos quadrinhos em si, os roteiristas têm ficado tão pressionados com prazos (assim como os desenhistas que acabam inferiorizando seus traços para cumprirem a tabela da editora), que acabam criando roteiros sem nexo ou interesse, raríssimas hoje em dia as excessões como Geoff Johns em "Lanterna Verde", Brian Michael Bendis em "Marvel Millennium: Homem-Aranha", ou Andy Diggle em "Arqueiro Verde: Ano Um". Muitos podem dizer que não é bem assim, mas é verdade que o prazo afeta a qualidade, e na maioria dos casos em um nível bastante negativo.
Devem estar se perguntando o que isso tudo tem a ver com Mauricio de Sousa, não é?
Pois bem, agora que dei o contexto dos quadrinhos atuais, falemos de Turma da Mônica. Publicada há décadas, os gibis desses personagens sempre tiveram em sua essência um laço de amizade com seus leitores, nunca fazendo polêmicas exageradas nem tendo que redefinir tudo em uma ou duias histórias para atrair consumidores desesperados. Acredito que a grande diferença esteja no tipo de consumidor ao qual cada estilo de quadrinhos esteja ligado. Enquanto os quadrinhos de herói hoje são ligados à figura do consumidor paranóico, que se desespera para conseguir uma edição especial metalizada ou coisa do gênero, os quadrinhos da turma da Mônica têm um consumidor não totalmente fiel, mas confiável. O relacionamento do público com os gibis dela é de uma singela correlação, onde o leitor verdadeiramente se identifica com o personagem e se sente na pele deste, seja curtindo uma imaginação no Parque da Mônica ou descobrindo tesouros da juventude nas revistinhas do Cebolinha. Mauricio de Sousa revolucionou o estilo brasileiro de quadrinizar ao trocar um lucro grande porém rápido por um constante e duradouro que é no geral mais benéfico. E isto se dá em grande parte pela sua fidelidade, por sua eterna busca por trazer a vida para os quadrinhos. Quando você percebe que há revistinhas da Mônica sendo vendidas no Canadá, Japão, Coréia, Itália, entre muitos outros, é que você vê a efetividade dessa estratégia.
É preciso que outros autores adotem essa postura também, porque é o que é preciso nesse momento do mundo. O público leitor de quadrinhos não gasta mais com revistas como antigamente, e se este comprar uma revista de personagens apenas superficiais sem nenhuma identificação psicológica (o que também vale para os quadrinhos de heróis), quem garante que ele virá no futuro a comprar outra revista em quadrinhos, mesmo que de gênero diferente? É tarefa do editor sim visar pelo patrimônio econômico da empresa, mas este tem de ter em vista uma estratégia de marketing condizente ebem planejada para com o público, como o faz Mauricio. Sei que há muitos críticos do novo gibi "Turma da Mônica Jovem" dentre mesmo os leitores assíduos da turminha, mas é preciso se verificar o objetivo que os editores responsáveis tiveram com isso. Eu conheço até pessoas da minha faculdade que leem esses gibis assim que saem, ou seja, mesmo que este movimento possa parecer apenas uma jogada publicitária numa vã tentativa de concorrer com os mangás que vendem no Brasil, na verdade, foi uma estratégia para atrair novos leitores e tornar os antigos que se diziam grandes demais para ler turma da Mônica interessados em voltar a fazê-lo. E deu certo, não sei se da maneira exata como queriam, mas hoje em dia a turma da Mônica voltou a ficar em evidência nos jornais e revistas sobre quadrinhos, vide a edição do tão aguardado beijo da Mônica com o Cebolinha.
Pois bem, encerro a postagem reafirmando que este estilo de abordar os quadrinhos pode parecer apenas um ponto de vista comercial, mas não é. Ele se inicia no teclado do roteirista e na prancheta do desenhista e vai terminar não no gibi finalizado que é comprado pelo leitor, mas sim nas lembranças e recordações positivas que os leitores terão por toda a sua vida. Dizem que livros mudam vidas, e eu afirmo com toda certeza que quadrinhos também. é necessário que estes ganhem a atenção devida no meio comunicacional e no meio editorial. Mais uma vez, obrigado, Mauricio, pela lição. Que o futuro possa guardar uma nova safra de quadrinistas com sua visão de público.
Ontem dia 18 de julho foi uma data de extrema importância para ser comemorada por todos os quadrinistas brasileiros. Fazia exatos 50 anos que um desenhista chamdo Mauricio de Sousa começava sua jornada artística que mudaria o modo dos quadrinhos brasileiros serem vistos mundo afora.
Desenho por Gabriel Guimarães
Esta será minha primeira homenagem a esse grande mestre divulgador da nona arte. Farei aqui no blog uma pequena série delas ao longo desta semana.
Primeiramente, o que dizer de alguém que esteve presente na infância de todas as crianças desse enorme país nas últimas cinco décadas?
Tal qual Eisner em suas obras realistas, creio eu poder comparar a influência de Mauricio de Sousa para os quadrinhos nacionais. Sua versatilidade comunicativa lhe permitiu expandir seu 'império' ao redor de todo o globo, mostrando ao mundo as enormes riquezas que o grande país Brasil tem, diferentemente do que muitos estrangeiros possam acreditar, achando que aqui só há florestas e favelas.
Desenho por Gabriel Guimarães
Não, o o Brasil é muito mais, ele é riqueza cultural, é esperança física com as mais belas visões que se podem imaginar, é vida que transpira em cada cidadão brasileiro. E é isso que os quadrinhos de Mauricio nos mostram, seja com a turma da Mônica, Horácio, Rolo, Jotalhão,... A cultura brasileira sempre esteve presente em cada página publicada. Acredito que aí esteja o gênio do criador. Ao evitar focar apenas no básico do choque do real promovido por todo filme de grande produção nacional que chega no exterior passando a imagem de uma terra de ninguém, os quadrinhos de Mauricio passam o que a vida normal brasileira é, de fato.
Não é por termos muitas favelas nas cidades que a vida é pura pobreza. Não é por termos belas mulheres que todo dia é carnaval. Não podemos nos limitar aos estereótipos pelos quais somos taxados, até por nós mesmos. Por isso, aprecio tanto o que representa esse criador, esse quadrinista, esse grande símbolo de luta por um Brasil melhor, é por ele ajudar a mudar o Brasil de maneira não-agressiva, de maneira compreensiva e incentivante. Falta isso no caráter de muitos quadrinistas hoje em dia, pelo que pude perceber por algumas conversas que tive com outros quadrinistas sendo publicados hoje no Brasil.
Temos ainda muito a aprender com esse grande homem, e ainda mais temos é de agradecer pelo que ele é, a figura máxima do quadrinista brasileiro.
Por Gabriel Guimarães, Lucas Conrado, Marcelo Brazil e Vanessa Raposo
RESUMO
Este trabalho foi originalmente apresentado ao encerramento do curso de Teoria da Comunicação II na UFRJ, com o objetivo de fazer um pequeno recorte a respeito da posição da Ficção Científica frente ao imaginário popular coletivo. O enfoque da investigação efetuada centra-se não apenas na análise do poder de transformação do real no ficcional, como, igualmente, seu efeito inverso: os reflexos do universo inventado no mundo em que vivemos ou viveremos. São debatidas superficialmente as questões históricas, éticas e sociológicas responsáveis pela propulsão da ciência e dos modelos ficcionais que a seguem, acompanham ou ultrapassam.
This paper was originally presented at the enclosure of Communication Theory 2 course at UFRJ with the objective of making an analysis on the position of the Scientific Fiction gender as to the collective popular imagination. The focus of the investigation developed here not only analyses the transformation powers on the real world from fiction but the opposite relation as well: the reflexes of the created universes on the world we inhabit today and in the incoming years. Historical, ethical and sociological matters that are responsible for launching science and the fictional models that follow, accompany and surpass it, are superficially mentioned too.
Keywords: Science, Fiction, Popular Imagination, Present, Future, Didatics.
A FICÇÃO CIENTIFICA PREVENDO O FUTURO E TRANSFORMANDO O IMAGINÁRIO COLETIVO
“Geralmente não existe um reforço deliberado no sentido de predizer o que irá, na realidade acontecer, mas o autor de ficção científica é criatura do seu tempo e, ao imaginar alguma mudança na ciência ou na tecnologia, será bem provável baseá-la nas mudanças que perceba já existirem em embrião.” (Isaac Asimov)
A relação de imaginário popular e ficção científica tem sido a grande responsável pelo desenvolvimento de novas tecnologias há muito tempo, seja diretamente, como é o caso do foguete Apollo 11, cuja formação em três módulos é idêntica à do foguete de Julio Verne no seu livro ‘Da Terra à Lua’, escrito cem anos antes; ou indiretamente, através do incentivo consciente ou inconsciente aos jovens para buscar na ciência as ferramentas para alavancar o progresso da sociedade.
Como afirmou Asimov, a inovação na ficção científica nada mais é que uma conclusão por parte do autor do que acontecerá no mundo em virtude das ações da humanidade e do desenvolvimento possível para a ciência no momento em que escreve, logo, o imaginário popular vigente no momento de desenvolvimento da trama a afeta intrinsecamente. H. G. Wells, por exemplo, tirou da necessidade das pessoas terem material de entretenimento para lerem no retorno do trabalho durante a época da Revolução Industrial, a motivação para criar suas histórias. Devido a essa influência urbana no seu início de carreira, Wells sempre pôs sua visão de como seria o futuro da metrópole, com estruturas imensas e transporte constante por vias e rodovias, como em ‘Quando o adormecido despertar’, de 1897. Sua figura para os grandes centros futuristas foi algo que ficou tão marcado no imaginário coletivo que foi posteriormente representado de maneira bastante semelhante no filme expressionista alemão ‘Metropolis’ (1927), de Fritz Lang.
As situações sócio-políticas não poderiam jamais ficar de fora desses contextos das obras de ficção científica. Podem-se encontrar obras que mencionam o racismo e a discriminação (a história em quadrinhos ‘Lanterna Verde/Arqueiro Verde’, de 1970, e ambas as versões do filme ‘Planeta dos Macacos’, de 1968 e 2001), os problemas ecológicos (os filmes ‘O dia em que a Terra parou’, de 2008, ‘O dia depois de amanhã’, de 2002, e ‘Wall-E’, de 2008), a precariedade de determinadas nações (a série de televisão ‘LOST ’ nos flashbacks do personagem nigeriano Eko Tunde, e o livro ‘Guerra dos Mundos’, de H. G. Wells), e a crítica a políticos e governos (os livros ‘ Os Homens Moleculares’, de Fred e Geoffrey Hoyle, e todos da série do ‘Guia do Mochileiro das Galáxias’, de Douglas Adams).
Além dessas, há também uma forte presença ideológica no desenvolvimento das tramas da ficção científica. Essa carga cultural pode ser facilmente percebida em certos personagens das HQs e das séries de TV, como o Super-Homem (símbolo máximo do american way-of-life), o Dr. Spock (símbolo do positivismo pelo qual os Estados Unidos passavam no período do seriado), entre muitos outros. Esses elementos culturais constituintes dos personagens são primorosamente retratados nos conceitos do roteirista Gerard Jones quando afirma que “Super-Homem, Capitão América e Mulher-Maravilha eram as mais inconfundíveis criaturas que se podia imaginar, mas ao mesmo tempo cada um deles era todos nós.” ¹
Todo esse conjunto de características sócio-políticas, científicas, e culturais são vitais para permitir aos autores de ficção científica fazerem suas previsões sobre o futuro da humanidade, uma vez que suas obras não são apenas previsões científicas neutras, mas principalmente narrativas de como e quais efeitos certos avanços tecnológicos podem ter na vida como a conhecem.
Os pensamentos desses autores chegam até alguns de seus leitores/espectadores mais jovens e os modifica de maneira determinante, motivando-os a se adentrar no meio científico para que estes sejam os reais protagonistas desses novos futuros possíveis, formando uma nova geração de cientistas. Essa nova geração então se especializa nas áreas mais diversas possíveis e após muitas tentativas, geram frutos para o meio acadêmico em si. A nova geração de escritores de ficção científica, então, passa a analisar as descobertas destes ex-leitores da ficção científica de seus predecessores, e as usa como temática para suas novas tramas. É nessa mutualidade que consiste o ciclo da relação ficção científica x ciência.
Hoje em dia, há, inclusive, seriados de TV que abordam de maneira interessante os efeitos da ficção científica nas vidas das pessoas, como é o caso de ‘The Big Bang Theory’, série sobre físicos teóricos que têm que lidar com as questões relacionadas à concretização de seus sonhos profissionais (em grande parte, tirados dos livros, séries e filmes de ficção científica que assistiram e ainda assistem) e ao seu relacionamento com o sexo oposto e a sociedade. Há filmes e documentários sobre esse tema também, como são os casos de ‘Fanboys’ (abordando o fanatismo ligado à série cinematográfica ‘Star Wars’) e ‘A influência do Anel’ (que mostra a influência da série de livros do ‘Senhor dos Anéis’ ao redor do mundo), respectivamente.
Alguns autores afirmam que a função da ficção científica é a de abrir a mente humana para novos horizontes, preparando-nos para pensar em novas conquistas, e no constante rompimento das barreiras do impossível. Stephen Hawking, grande nome no meio da física da atualidade, é um dos que afirma em relação à série de ficção científica para televisão Jornada nas Estrelas que não se trata apenas de boa diversão, mas também serve a um propósito sério: o de expandir a imaginação humana². E assim o tem feito por décadas, com suas inúmeras invenções tecnológicas, as quais tem sido estudadas para sair do campo teórico e imaginativo para se tornarem realidade, como é o caso do teletransporte, que tem sido pesquisado a fundo em estudos sobre física quântica³, e os chamados Holodecks, ambientes desenvolvidos com fim de reproduzir cópias holográficas de determinado momento, lugar, pessoa, objeto, ou situação, muito semelhante à chamada ‘Sala de Perigo’, dos personagens de histórias em quadrinhosX-men.
Para a área da comunicação, nenhum autor de ficção foi tão importante quanto Arthur C. Clarke o foi, sendo o responsável por prever o satélite e muitos dos avanços que depois se consolidariam nesse meio. Suas obras como 2001 – Uma Odisséia no Espaço, 2010 – O ano em que faremos contato, e 3001, são até hoje cultuadas pelo seu estudo de como a humanidade responderá aos avanços tecnológicos da ciência.
FICÇÃO CIENTÍFICA INSPIRANDO PROFISSIONAIS.
"Tudo o que um homem pode imaginar, outros homens poderão realizar." (Júlio Verne)
Mais do que prever, a Ficção Científica impulsionou o próprio desenvolvimento da ciência. Inspirados nas páginas de livros clássicos, nos quadrinhos, séries de televisão e filmes, inúmeros inventores tornaram reais as inovações propostas nas obras de ficção científica.
A ficção científica apontou alguns dos caminhos para o surgimento de invenções que melhoraram a vida da população e sua compreensão do mundo, como submarinos, aviões, naves espaciais, robôs e celulares. Também foram nas obras do gênero que surgiram algumas das maiores ameaças para a humanidade.
Em 23 de outubro de 1906, Alberto Santos Dumont decolava no Campo de Bagatelle, em Paris, com o 14 Bis, a primeira máquina voadora mais pesada que o ar. Ao contrário dos irmãos Orville e Wilbur Wright, que teriam voado três anos antes em segredo na Carolina do Norte, Dumont demonstrou sua invenção na frente de inúmeras testemunhas e representantes do Aeroclube da França, que reconheceu o 14 Bis como a primeira máquina voadora mais pesada que o ar.
O Aeroclube da França havia sido fundado oito anos antes pelo próprio Santos Dumont, junto com outros entusiastas da aviação, incluindo aquele que o inventor brasileiro sempre declarou ser sua fonte de inspiração, Júlio Verne. Durante toda sua infância e juventude, Dumont dividia seu tempo livre entre a leitura das obras de Verne e sua admirável habilidade com motores.
As obras de Júlio Verne foram determinantes para o interesse de Santos Dumont por aviação, em especial os livros Cinco Semanas num Balão (1848), Robur, o Conquistador (1886) e sua seqüência, O Senhor do Mundo (1904). Nessas obras a aviação é o tema central, visto que no primeiro a viagem acontece a bordo de um balão, enquanto que nos dois restantes a história se passa em máquinas voadoras mais pesadas que o ar.
O Albatroz, aparelho voador de Robur, o Conquistador era uma espécie de barco voador, com 30 metros de comprimento, 4 metros de largura, com 37 mastros, onde se localizavam as hélices, utilizadas na sustentação da aeronave. Outras hélices eram responsáveis por sua propulsão, tal qual nos dirigíveis de Santos Dumont e nos aviões.
O Albatroz se aproxima mais dos autogiros e helicópteros do que dos aviões propriamente ditos. Mas em O Senhor do Mundo, Júlio Verne criou uma de suas máquinas mais fantásticas, o Epouvante. O veículo era uma mistura de carro, barco e submarino e, quando precisava, estendia as asas para poder voar. Um projeto mais semelhante ao dos aviões.
Uma das obras mais famosas e influentes do escritor francês é Vinte Mil Léguas Submarinas (1870). No romance, o misterioso Capitão Nemo atravessa os oceanos a bordo de seu submarino, o Nautilus. Erroneamente, muitos afirmam que Júlio Verne inventou os submarinos nessa obra. Na verdade, o escritor sabia da existência de 20 projetos de tais embarcações enquanto escrevia o livro. Porém, os submarinos da época dependiam do ar exterior, além de terem pequena manobrabilidade.
O Nautilus era uma enorme embarcação, de 70 metros de comprimento por 8 de largura. Tinha forma de charuto, grande mobilidade e capacidade de realizar manobras, além de ser capaz de chegar a grandes profundidades. Simon Lake, construiu o Argonaut, o primeiro submarino com capacidade de submergir totalmente inspirado na obra de Júlio Verne. Tal qual o submarino de Nemo, o Argonaut possuía uma câmara que permitia a entrada e saída da embarcação sob a água. Outras características do Nautilus utilizadas em embarcações futuras foram as aletas hidrodinâmicas, sistema de purificação de ar e os tanques de lastro, que se enchem de água, ajudando a nave a submergir e emergir.
Outra obra muito importante de Verne que influenciou no desenvolvimento da ciência foi o livro Da Terra à Lua (1865). Além das surpreendentes previsões já abordadas, o livro se relaciona com o desenvolvimento da ciência por ter sido fonte de inspiração de muitos dos principais projetistas de foguetes. O projetista russo Konstantin Edwardovitch Tsiolkovski declarou que “Durante muito tempo pensei no foguete como todo mundo, considerando-o apenas um meio de diversão, com algumas aplicações pouco importantes na vida corrente. Não me lembro exatamente quando me veio a idéia de fazer os cálculos dos seus movimentos. Provavelmente, os primeiros germes dessa idéia foram fornecidos pelo fantástico Julio Verne e, em conseqüência deste grande autor, meu pensamento orientou-se nesta direção, estimulando o desejo que, mais tarde, impulsionou o espírito do meu trabalho”. Além de Tsoilkovski, os engenheiros espaciais Robert Hutchings Goddard, Valentin Petrovitch-Glushko e Wernher Von Braun, um dos responsáveis pelo Saturn V, foguete que levou o homem à Lua nas Missões Apollo leram Da Terra à Lua quando crianças.
Apesar de ser uma fonte de inspiração para os projetistas de foguete, Da Terra à Lua conta a história de três astronautas mandados ao satélite da Terra dentro de uma bala disparada por um imenso canhão, o Columbiad. Júlio Verne sabia que se tal método fosse utilizado, os astronautas seriam mortos pela súbita aceleração, mas foi escolhido porque os foguetes do Século XIX eram pífios. Em nome da verossimilhança, o autor ignorou algumas leis da física. Apesar disso, no Século XX a idéia de um canhão utilizado para se enviar objetos ao espaço foi utilizada. Em 1963, cientistas dos Estados Unidos e do Canadá iniciaram o projeto HARP (High Altitude Research Program). Três anos após o início do projeto, um canhão de 53 metros de comprimento (um quarto do tamanho do Columbiad) enviou um projétil a 180 quilômetros de altitude, metade da distância necessária para se enviar um satélite à órbita terrestre. O projeto foi abandonado em 1967 por ser caro demais. Nos anos 90, outro canhão espacial foi construído e testes revelaram que possuía capacidade de enviar objetos ao espaço. Porém, mais uma vez o projeto foi abandonado por questão de verbas.
Ainda no campo da exploração espacial, é impossível pensar em Ficção Científica sem falar da saga de Guerra nas Estrelas (1977). A dupla trilogia criada por George Lucas tem servido de inspiração aos cientistas contemporâneos da mesma forma que as obras literárias serviram no Século XIX. Um dos conceitos surgidos no filme que está se tornando realidade é o Motor Iônico Duplo. O sistema de propulsão dos TIE-Fighters (Twin Ionic Engine, Motor Iônico Duplo em inglês), os caças do Império Galáctico, está sendo desenvolvido pela NASA. Em 1998 a sonda Deep Space 9 (nome em referência a uma das séries da saga Jornada nas Estrelas) se aproximou de um asteróide e de um cometa, se utilizando da tecnologia surgida na saga de George Lucas.
Mais do que viagens através da Terra e do espaço, a Ficção Científica abordou com muita imaginação viagens através do tempo. Inúmeras séries, filmes, livros e quadrinhos foram feitos ao longo da história sobre o tema. Muito provavelmente, a primeira obra que aborda a viagem no tempo é A Máquina do Tempo (1895), de Herbert George Wells. No romance, o narrador viaja até o ano 801 mil D.C. onde encontra uma raça evoluída do ser humano. O argumento da história é que além das três dimensões (altura, comprimento e profundidade), existiria uma quarta dimensão, o tempo. Essa teoria seria provada dez anos depois por Einstein, através da Teoria da Relatividade.
O professor de Física da Universidade de Connecticut, Ronald Mallett perdeu seu pai, vítima de um enfarte fulminante, quando tinha 10 anos de idade. Logo após a perda do pai leu A Máquina do Tempo, fixando a idéia de se construir uma máquina capaz de poder fazê-lo ver seu pai novamente.
Ao estudar os buracos negros na universidade, Mallett percebeu que, segundo a Teoria da Relatividade de Einstein, a alta força gravitacional dos buracos negros seria capaz de provocar uma fenda na curvatura espacial, permitindo assim a viagem temporal. Portanto, a chave para a construção de uma máquina do tempo seria a criação de um campo gravitacional poderoso o suficiente para provocar essa fenda. O físico propôs a sobreposição de laseres de forma a formar um cilindro de luz, poderosa o suficiente para produzir tal força. Os críticos argumentam que, apesar de a teoria estar certa, na prática é impossível de ser realizada, visto que tamanha energia não pode ser conseguida com laseres.
Outro tema muito explorado pela Ficção Científica que tem-se tornado cada vez mais atual é a robótica. Desde o filme Metropolis (1927) a WALL-E (2008), a questão dos robôs convivendo e até substituindo o trabalho humano é abordada. Porém, muito provavelmente, ninguém tenha o feito de uma forma tão marcante quanto o escritor Isaac Asimov. O criador do termo robótica também é o responsável pela criação de suas três leis básicas: 1ª um robô não pode fazer mal a um ser humano e nem, por omissão, permitir que algum mal lhe aconteça; 2ª um robô deve obedecer às ordens dos seres humanos, exceto quando estas contrariarem a Primeira Lei; 3ª um robô deve proteger a sua integridade física, desde que, com isto, não contrarie a Primeira e a Segunda leis. Essas leis da robótica estão sendo adotadas pelo governo japonês, para garantir a segurança da população no país onde a popularidade de robôs domésticos vem aumentando nos últimos anos.
Ao mesmo tempo que a Ficção Científica inspirou cientistas a desenvolverem tecnologias que beneficiavam a humanidade, ela acabou por contribuir também na construção de armas. Em The World Set Free (1914) H.G. Wells prevê uma nova arma que ele chama de bomba atômica. No romance, a arma seria feita de Carolinum, um elemento químico poderoso o suficiente para destruir metade de uma cidade quando usado em pequena quantidade.
O grande poder destrutivo da arma se deve à capacidade de liberação de energia através da quebra dos átomos de Carolinum. Em 1932, o físico húngaro Leó Szilard pesquisava uma partícula atômica recém descoberta, o nêutron. Ao lembrar-se do romance de Wells, percebeu que um nêutron seria capaz de quebrar o átomo, realizando assim uma reação em cadeia, a fissão nuclear.
O físico tornou-se diretamente responsável pelo Projeto Manhattan, desenvolvedor das armas nucleares. Ele escreveu uma carta, assinada por Albert Einstein, alertando o então presidente dos Estados Unidos, Franklin D. Roosevelt a construir uma bomba atômica antes de os nazistas o fazerem.
A FICÇÃO CIENTÍFICA E A DIDÁTICA DA CIÊNCIA
Desde o início da civilização anseios humanos tem sido com freqüência representados por lendas e histórias ficcionais. O conhecimento humano como um todo é parte integrante destas narrativas. Ao longo dos séculos elas se desenvolveram sempre de acordo com o ambiente social a sua volta, discutindo e desenvolvendo os temas que estavam sendo tratados pela sociedade de seu tempo.
Com a chegada do século das luzes, a ciência passa a ser a nova linguagem de descrição do cosmo. A técnica desenvolvida a partir das descobertas científicas frutificam em equipamentos geradores de riquezas que são novidades largamente divulgadas. As feiras científicas são atrações que não só divulgam a ciência como consolidam sua credibilidade como detentora das respostas para a vida e o universo. A arte e a política se rendem a ciência, que passa a ser a lente pela qual se enxerga o mundo. O avanço tecnológico faz com que muitas previsões futuristas, que se acumulavam desde o renascimento, passassem a fazer parte do quotidiano das grandes cidades.(BOOKER, M. K., The Dystopian impulse in Modern Literature: Fiction as social criticism. Greenwood Press; Westport, Connecticut, 1994 apud LA ROCQUE, Lucia de e KAMEL, Claudia)
Neste ambiente, nada mais natural que o surgimento de obras que incluem em suas tramas a ciência. Desde técnicas forenses nas histórias policiais de Conan Doyle até a especulação de vida em outros planetas de H. G. Wells, um novo gênero de histórias passa a ser produzido, tendo como base aquela nova linguagem que promete desvendar todos os mistérios.
Inicialmente as histórias de ficção científica exibem as novas descobertas científicas fazendo sua divulgação. Vários inventos tecnológicos aparecem como personagens de destaque nos mais variados romances. Júlio Verne, precursor da literatura de ficção científica, apresenta o balão a gás, em “Cinco Semanas num Balão”, o Submarino em “20.000 Léguas Submarinas” e a possibilidade de viagens espaciais em “Da Terra à Lua”. Além das invenções que surgiam, a ficção científica passou a fazer previsões do futuro baseadas em novas conquistas tecnológicas.
Não que todas as vozes estejam em uníssono. Ainda no século XIX, escritores como Jonathan Swift narra as histórias de Gulliver por mundos distantes onde questiona a demasiada confiança nos paradigmas científicos e tecnológicos em favor da emoção no coração humano. Segundo Issac Asimov, alguns anos depois, a ficção científica é o ramo da literatura que trata das respostas do homem às mudanças ocorridas ao nível da ciência e da tecnologia (ASIMOV, Isaac, No mundo da ficção científica. Francisco Alves; Rio de Janeiro, 1984 apud LA ROCQUE, Lucia de e KAMEL, Claudia)
Os autores de ficção ao se apropriar das descobertas e do discurso científico em suas obras, abriram para o público leigo mais um veio de educação inconsciente que serviu para incrustar cada vez mais profundamente a ciência na sociedade. Desta fonte de educação inconsciente, logo se percebeu o potencial deste gênero na divulgação, agora consciente, do saber científico. A FC passa a ser mais uma possibilidade de educação em ciência.
Assim, através da ficção científica, a circulação dos resultados de pesquisa atingiu o público o que possibilitou avaliar o impacto social e cultural, bem como perceber em que pontos as descobertas cientificas ferem nossos valores culturais.
A forte demanda de obras no inicio do século XX, causou uma invasão por autores sem uma base real de conhecimento científico, o que provocou o descrédito do gênero, que passou a ser considerado uma forma menor de expressão literária. Entretanto, atualmente a popularização dos próprios meios de comunicação tem propagado a idéia de que o conhecimento deve ser difundido livremente, o que trouxe um novo fôlego à FC, detentora do conhecimento, que hoje é vista como elemento de aprendizagem, organizando conceitos explorados em atividades didáticas.
Algumas universidades, como a UNESP, têm conduzido estudos nesse sentido. Um deles, aplicado na Universidade do Estado de Mato Grosso, utilizou o filme Parque dos Dinossauros (1993, Steven Spilberg) para transmitir e analisar conceitos de microbiologia molecular para graduandos em licenciatura de Ciências Biológicas na matéria “Biologia Molecular”. A turma foi dividida em duas partes, onde uma assistiu ao filme no início da disciplina e a outra no final. A parte da turma que assistiu ao filme antes do aprendizado da matéria teve um aproveitamento melhor que a outra, que passou a desacreditar dos conceitos aprendidos.
A conclusão a que têm chegado esses estudos aponta para a ficção científica como um ponto de partida para uma metodologia de ensino de ciências, o que consolida a noção de que mesmo a sua observação com fins de entretenimento fixa conceitos que servem de base para a continuidade da linguagem científica e do enraizamento da verdade que ela trás.
A FICÇÃO CIENTÍFICA E SUA RELAÇÃO COM A ATUALIDADE
A ciência está na moda, mas não no formato de discurso científico aprofundado, comunicável apenas no linguajar de seus operadores. Ao invés disso, é através do entretenimento e de informativos midiáticos que as conquistas e descobertas científicas são expostas, consumidas em pequenas doses avulsas e desconexas entre si. Mais do que informar com precisão e rigor técnico, é preciso adequar-se ao esquema de vendagens, de modo a tornar o discurso científico mais palatável e compreensível ao “leitor médio”.
É notável, ainda, observar que a própria ciência e seu poder investigativo em muito está associada com o modelo produtivo e econômico vigente. Deste modo, a indústria e o comércio tendem a patrocinar certas inovações que, além de tornarem as tecnologias mais próximas do cotidiano, possibilitam as condições materiais para o investimento em novas invenções. Neste âmbito, há uma relação simbiótica entre o progresso científico e o modo de produção.
É neste contexto que o imaginário coletivo relaciona-se com o que se produz nos laboratórios e oficinas.Conforme nos diz Freeman Dyson “a ciência proporciona o input técnico para a tecnologia; a ficção científica nos exibe o output humano.” (2002, p.75). De fato, ao afirmar que a ficção científica é mais esclarecedora do que a ciência para as pessoas que estão de fora da redoma das elites tecnológicas, o teórico de modo nenhum desmerece a segunda em detrimento da primeira. Ao invés disso, nos diz que o que a ficção científica faz, bem como os demais meios “divulgadores”, é uma contextualização mais redundante e facilmente apreensível para os não-detentores do discurso científico. Apropriando-se de categorizações Tardianas e Foucaultianas, pode-se dizer que se coloca no real o que se compreende por “atualidade”.
Em doses mais elevadas que a maioria dos outros veículos, os meios de comunicação que se voltam para a divulgação de novas “verdades científicas” carregam em si toda uma inspiração de novidade. Das possibilidades de manipulação genética à invenção de robôs humanóides, muito se tem dito de “Ciência” contemporânea, bem como de suas possibilidades futuras. O que fica, contudo, é que mesmo que a representação seja intensa através de mídias especializadas [revistas como a “Super Interessante” da Editora Abril e “Galileu” da Globo, bem como canais de TV como a Discovery Chanel, Animal Planet e Discovery Civilization, são exemplos claros neste sentido] e gerais, muito pouco é de fato abordado em comparação à quantidade de temas que são de fato trabalhados por aqueles que manipulam a ciência em seu dia-a-dia. O papel de tais veículos acaba sendo, portanto, selecionar aquilo que se considera “atual” num contexto de muitas descobertas e pesquisas.
De fato, a invasão do “atual científico” no cotidiano diário tem sido tanta que as próprias possibilidades de ficção parecem ter ficado, de certo modo, ofuscadas. O astrônomo norte-americano Carl Sagan, ao ser questionado pelo jornalista Marcus Shown a respeito do que ele preferiria – se a ciência ou a ficção – deu, sem titubear, a seguinte resposta: “a ciência, pois ela é mais estranha do que a ficção.” (revista Galileu – nº 210; Editora Globo; p. 78)
Hoje, mais do que nunca, as possibilidades futuras desembocam no agora. Não é preciso ir muito longe: as expectativas sobre a hipótese de clonagem humana, a manipulação genética dos alimentos e em embriões, a criação de fontes energéticas alternativas, o uso da robótica, o desenvolvimento da nanotecnologia... Todos esses temas, apesar de não serem ainda integrantes do momento presente, já fazem parte de nossa atualidade. Isso, pois, por mais que não integrem o nosso tempo cronológico já fazem parte de mesas de debate e ética.
A ficção científica de hoje, assim, dialoga não mais com as possibilidades de algo que um dia poderá ser atual, mas com temas que já fazem parte de profundas discussões quanto a seus benefícios e malefícios. Em outras palavras, a ficção científica de hoje jádiscute a atualidade. Isso, obviamente, não exclui das produções de outrora o caráter contestador. Mostra, porém, que os passos largos da ciência de hoje [bem como toda a sua popularidade midiática] estão alcançando cada vez mais depressa – e em alguns casos deixando para trás – os projetos criativos de muitos escritores ficcionais.
Parece, assim, tratar-se de um caso onde a realidade finalmente vinga-se da ficção, como podemos extrair desse trecho deixado por Kim S. Robinson, célebre escritor de ficção científica norte-americano:
A ficção científica é agora simples realismo, a definição de nosso tempo. Você poderia imaginar o gênero derretendo e desaparecendo. Mas histórias sobre o futuro sempre serão contadas. Então há futuro para o gênero. Devemos fazer o impossível e imaginar o próximo século. O amanhã é uma península atenuante, correndo em direção a abismos por todos os lados. É catástrofe ou utopia. E a ficção científica é boa nos dois. Também será divertida? Sim, divertida e provocante. (ROBINSON, Kim Stanley; Revista Galileu – nº 210; Editora Globo; p.79; grifo nosso)
Hoje, boa parte dos debates relativos à ética das novas técnicas a ainda serem postas em prática gravitam em torno do respeito ao indivíduo. De fato, o que parece estar sendo posto em discussão é até que ponto uma nova tecnologia pode alterar ou prejudicar a vida humana. Mais do que isso, porém, é que existe a questão de definir onde começam e onde terminam as típicas características do homem, o que é “digno”, o que é “moral”, o que é “certo” e o que poderia se constituir um caminho sem volta para o ser humano “natural.” Em outras palavras, a própria implicação do que é ser um humano hoje vem sendo incansavelmente debatida, tamanhas foram as alterações provocadas pelo desenvolvimento científico tanto de modo técnico quanto no imaginário popular e coletivo.
Já dizia Michel Foucault que se as conjunturas que colocaram o homem no centro do Universo do pensamento desaparecessem [aqui se referindo às condições iluministas da revolução francesa] também o homem deixaria de ser importante para o pensamento tradicional. A “premonição” do filósofo francês tem relevância no momento, uma vez que muitos dos critérios de outrora para julgar o que é o humano têm sido, gradativamente, postos a prova.
Os dramas da finitude dos sentidos, por exemplo, lentamente desaparecem frente a invenção de próteses extensoras, desde microscópios de alta precisão a sistemas de segurança que monitoram múltiplos locais simultaneamente. A questão da ruptura fatídica entre reprodução e prazer já ocorria na década de 60 do século passado com a comercialização das pílulas anticoncepcionais, e hoje tende a se tornar mais marcante, com técnicas de fertilização em laboratório. A singularidade pessoal também é cada vez mais questionável, com as descobertas provenientes do projeto genoma, que tornaria possível a seleção de caracteres específicos em bebês ainda sequer nascidos. Enfim, tendo em vista tantas transformações no modelo humano, é natural que o debate se concentre nas possibilidades futuras de algo que já é manifesto no presente.
Filmes como “Gattaca - A Experiência Genética” e “A Ilha” são bastante emblemáticos no que se refere aos questionamentos das influências dessa nova ciência. “Gattaca”, de 1997, foi dirigido por Andrew Niccol e desenvolve um futuro onde os caracteres genéticos são selecionados e escolhidos em laboratórios, de modo a extinguir possíveis doenças e tornar humanos mais resistentes, fortes e talentosos. As benesses da ciência, entretanto, acabam por criar um sistema de castas e preconceitos onde quem foi concebido do modo natural é considerado não-válido, ou seja, menos perfeito, com mais propensões a deficiências, mesmo que mínimas. A questão que se coloca na ficção é até que ponto a intervenção da ciência será capaz de alterar o que hoje compreendemos como dignidade individual. Algo que já assusta hoje, tendo em vista o temor de uma relação determinista e eugênica com as potencialidades humanas.
Dirigido por Michael Bay em 2005, “A ilha” por sua vez, ainda que se passe no ano de 2019, parece trata de um futuro mais improvável que o de “Gattaca”, mesmo que não de todo impossível. No longa-metragem, há um complexo habitado por milhares de pessoas vivendo uma existência regrada e controlada pelos seus administradores-cientistas. É dito aos indivíduos que um vírus se espalhou pela Terra, destruindo toda a vida e que apenas um lugar não fora afetado: uma ilha paradisíaca. O sorteio de passagens para essa tal ilha é o sonho de cada morador do complexo, mas vira um pesadelo para o protagonista, quando este descobre que ela não existe, e que ele e seus amigos nada mais são do que clones de pessoas do mundo “de fora”, criados com o único intuito de se tornarem doadores de órgãos para seus “originais.” Apesar de ser um futuro de difícil deslumbre hoje, o filme não deixa de ser um exemplo nítido de preocupação das possibilidades futuras, já postas em prática sob a ótica da atualidade presente.
O desencantamento presente nessas obras, não nasce, evidentemente, sem precedentes, e é muito bem exposto por este trecho de Freeman Dyson, onde o autor comenta a obra de J.B.S. Haldane, um biólogo e geneticista que escreveu ensaios, repletos de humor negro, sobre a ciência:
Na época em que Haldane escrevia, nos anos 20, a ciência passava por uma fase de intensa impopularidade na Inglaterra. Na mente do público, a ciência se identificava com a carnificina tecnológica da guerra que terminara recentemente. [...] Nos EUA, quarenta anos mais tarde, um ódio semelhante pela ciência desenvolveu-se na geração de jovens que sofreram as consequências da tecnologia durante a Guerra do Vietnã e sentiam-se como vítimas.
Hoje, uma vez mais, a ciência transformou o bem em mal. Desta vez o mal não é uma guerra, mas uma tecnologia civil que, de modo sistemático, amplia a distância entre ricos e pobres, priva de empregos jovens sem instrução e deixa um grande número de mães jovens e crianças desesperançadas e sem ter onde morar. (2002, p.80)
O imaginário coletivo encontra-se, assim, entrelaçado com a ciência de modo contraditório: se por um lado a aproximação constante e as facilidades proporcionadas geram a valorização de tudo o que é tecnológico, por outro lado tal modelo cria novos problemas que levam a, ironicamente, toda uma culpabilização da ciência em relação à sociedade. Ela na ficção científica [e na “mente coletiva”] tem papéis dúbios: mocinha e bandida, progressiva e retrograda, heroína e vilã. Neste escasso recorte sobre o tema, eis a faceta da ficção científica de hoje.
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