Por Gabriel Guimarães
No segundo dia da oficina sobre as relações entre os quadrinhos e o cinema, ministrada pelo estudioso Carlos Patati, no evento "Super-Heróis X Anti-Heróis - Dos Quadrinhos às Telas", que ocorre no centro cultural da Caixa, no centro do Rio de Janeiro, o assunto principal foi a história dos quadrinhos de aventura na sua ótica europeia.
Após ter iniciado sua linha de raciocínio no primeiro dia contando o pioneirismo encontrado na obra "Wash-Tubbs", mais conhecido aqui no Brasil como "Capitão César", feita pelo americano Roy Crane para as tiras dominicais dos jornais, Patati retomou as mudanças da transição entre o gênero do humor para a aventura, apontando grandes nomes que ajudaram a consolidar os intrépidos protagonistas de histórias mais metodicamente trabalhadas, como Hal Foster, Alex Raymond e Al Williamson, para então partir para o mercado europeu de quadrinhos, citando nomes como Hugo Pratt, Jean Giroud, mais conhecido pelo seu pseudônimo Moebius, Ivo Milaso, Giancarlo Berardi, e a excelente tradição desenvolvida pela editora italiana Bonelli, cujos grandes nomes Giancarlo e Sergio Bonelli marcaram seus nomes na história dos quadrinhos (ano passado, após o falecimento de Sergio Bonelli, o blog prestou uma homenagem ao grande editor que pode ser vista aqui).
Cangaceiros no traço de Hugo Pratt |
Começando pelo trabalho desenvolvido pelo italiano Pratt, que consistia em obras extremamente detalhadas acerca da cultura global de seu principal personagem, o marinheiro Corto Maltese (que já foi tema de matéria aqui no blog), Patati destacou influências do trabalho do americano Milton Caniff no que concerne ao belo uso do preto e branco contrastantes para reforçar determinados aspectos da história. A maestria narrativa do italiano também foi muito merecidamente destacada. O trabalho de pesquisa desenvolvido pelo ex-navegador e agora quadrinista também foi ressaltado, utilizando como exemplos obras em que seu personagem visitava terras do Oriente e até o nordeste brasileiro. Patati apontou, inclusive, que a riqueza do trabalho produzido por Pratt sobre a cultura do cangaço no nordeste brasileiro só se equipararia ao realizado pelo paulistano Danilo Beyruth, com sua obra "Bando de Dois", publicada há poucos anos atrás. Tendo em vista que o francês realizara sua história nesse cenário na década de 1960, é impressionante, portanto, sua dedicação para com a história que estava contando.
Uma vez que Pratt morou em vários pontos do globo, não é de se surpreender, então, que já tenha residido em países da América do Sul, como a Argentina, onde desempenhou papel fundamental para fomentar a escola de quadrinistas argentinos que começava a surgir na época, com nomes como Alberto Brescia, José Muñoz, e os autores do personagem "El Eternauta", que está para ser lançado esse ano aqui no Brasil pela editora Martins Fontes, Hector Oesterheld e Francisco Solano López (este último que foi tema de matéria aqui no blog). Dentre estes apontados, Patati destacou a carreira de Muñoz, que chegou a ocupar, inclusive, o cargo de presidente do comitê do Prêmio Ângoloume, da França, há dois anos, o qual é um dos maiores prêmios mundiais para a nona arte.
Voltando ao mercado europeu, o foco voltou-se para o personagem "Tenente Blueberry", criado e desenvolvido pelo mais humanizado Jean Giroud do que pelo mirabolante campo da ficção científica de Moebius. Através dessa história de velho oeste americano, feita por um autor não-americano, Patati destacou o trabalho exímio de pesquisa realizado por Giroud, e apontou as características do tradicional álbum francês presentes na obra, que constam na presença constante da cor, com tradicionalmente cerca de 48 páginas de conteúdo completo da história, publicadas de 2 em 2, em média, em magazines semanais especializadas. Observando os demais trabalhos do autor francês, agora mais próximo ao seu lado Moebius, foi explicado que a diferença verdadeira entre a verossimilhança de determinadas questões presentes nas histórias em quadrinhos vem da disponibilidade de prazos e condições de produção nacional referente aos autores daquele conteúdo especificamente. Enquanto John Romita Sr realizava um trabalho de destaque nesse sentido no Homem-Aranha junto a Stan Lee, dadas suas limitações de prazo, Moebius realizava obras de maior detalhismo e riqueza de traços pela liberdade que adquiriu no mercado europeu.
Outro artista que teve seu trabalho destacado também foi o americano Mike Mignola, que tal qual Pratt, utilizando de referências da literatura do escritor H. P. Lovecraft e influências determinantes do estilo de Caniff, produziu histórias de grande comoção do público, dando ênfase ao conflito ético inerente ao seu personagem de maior destaque, "Hellboy". Essa escolha entre o bem e o mal, apesar da natureza do personagem reforçou a temática das aventuras na história do protagonista, tornando-o uma referência para os leitores do gênero terror que procuravam algo com elementos de aventura e emoção. Todos esses conflitos e os trabalhos de pesquisa realizados pelos autores citados são elementos igualmente encontrados no desenvolvimento de filmes, e estão presentes no cotidiano dos profissionais na sétima arte.
Num campo talvez mais direto, foi apontada também a procura por parte da editora Bonelli em aproximar o visual de seus personagens aos de atores e atrizes mundialmente reconhecidos, dessa forma atraindo maior interesse do público, como são os casos do personagem Ken Parker e o ator Robert Redford (a qual pode ser conferida abaixo), a detetive investigadora Julia Kendall e a queridinha da América, Audrey Hepburn, o novo índio Mágico Vento e o ator Daniel Day Lewis, além dos personagens-escada presentes em todas as histórias da editora, tradição desenvolvida para esses quadrinhos italianos, como o caso do ajudante do investigador sobrenatural Dylan Dog, cuja aparência era exatamente a mesma do comediante Grouxo Marx.
Cena da primeira adaptação do personagem Capitão América para as telas |
A apresentação foi extremamente interessante, e o conteúdo das informações dispostas simplesmente enriquecedor. O público, apesar de em não tão menor número, se mostrou bastante interessado, e as discussões sobre adaptações de quadrinhos para o cinema foi bastante comentada. Ainda ocorreram as exibições de obras como a primeira versão filmada do "Capitão América", de 1944, e o filme nacional"Besouro", sobre um herói capoeirista brasileiro, que dividiu a opinião dos visitantes presentes. Nos próximos dias, continuará havendo muita atividade, e até o dia 22 de janeiro, o público de quadrinhos tem, portanto, encontro marcado.
4 comentários:
Hugo Pratt não é francês, é italiano :-)
Falha técnica verificada. Obrigado pela correção! Já foi modificado! =)
arafatt na area..Humberto PRESENTE salaamm
Muito boa a síntese do segundo dia. Gostaria de ter absorvido tanta informação quanto vc. hehe Mas eu sou de outra área, entendo pouco. Estive nesse curso mais como um "curioso" e pripalmente como "fã" de HQ's. Posso dizer que aprendi muito, mas estou ainda estou muito longe de ser um verdedeiro "entendido" no assunto. hehehe Abraços!
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