sábado, 15 de outubro de 2011

Constante Aprendizado

Por Gabriel Guimarães


Um dos principais assuntos dessa semana foi a repercussão da matéria do jornalista Jerônimo Teixeira na revista Veja sobre o uso das histórias em quadrinhos em exames como o Enem (Exame Nacional do Ensino Médio), que determinam o desempenho dos estudantes de Ensino Médio de todo o Brasil para qualifica-los ou não para as faculdades participantes desse processo de seleção no vestibular, mediante um bom posicionamento no ranking geral dos candidatos para cada instituição. Muitos blogs se posicionaram de forma brilhante, tanto em forma de carta aberta para a revista em que se deu a publicação, como foi o caso do Blog dos Quadrinhos, do jornalista e professor da Universidade Federal de São Paulo, Paulo Ramos, como em uma longa e extensa discussão sobre o reconhecimento dos quadrinhos enquanto meio de comunicação em várias contas do twitter e em outros sites.

Neste dia 15 de outubro, data de comemoração para uma das profissões de maior importância na formação da sociedade, o dia do professor, gostaria de fazer algumas ponderações acerca da verdadeira razão pela qual toda essa acalorada discussão tomou destaque: o valor das histórias em quadrinhos enquanto meio de comunicação.

Em primeiro lugar, gostaria de esclarecer que os pontos de vista expostos aqui de forma alguma visam qualquer tipo de depreciação em relação a qualquer um dos citados, e o teor dessa matéria repousa no único objetivo de abordar essa questão que já está sendo trabalhada há muito tempo, e que, até hoje, não encontrou uma solução digna. Dito isso, acredito que posso prosseguir.


Lima Barreto, autor do
clássico da literatura brasileira
"Triste Fim de Policarpo Quaresma",
é um dos autores esquecidos do Enem,
de acordo com a matéria de Teixeira

A matéria de Jerônimo Teixeira é voltada para chamar a atenção ao fato de que o número de questões relativas ao campo da literatura que abordam os quadrinhos é muito maior do que o número daquelas que envolveriam grandes mestres da literatura nacional, como Graciliano Ramos ou José de Alencar. Partindo de um levantamento feito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e contando com entrevistas feitas com alguns professores que colaboraram com a pesquisa, a matéria busca alertar para a depreciação da cultura nacional em relação a muitos de seus intérpretes mais ilustres, sob os ombros dos quais toda uma história de textos e leituras o país se formou. Neste ponto, Teixeira está certo, pois ocorre uma depreciação real em cima dos pilares culturais da sociedade brasileira há décadas, e, com isso, o crescimento educacional do país ficou muito prejudicado e limitado a uma pequena margem da população. Entretanto, quando a matéria começa a utilizar o uso dos quadrinhos nas provas de vestibular como ferramenta para expor que, supostamente, "o Enem contribui para construir um país ainda mais iletrado", Teixeira acaba por cometer o mesmo erro o qual critica ferozmente em seu texto.

As histórias em quadrinhos, tal qual a literatura, o cinema e a televisão, constituem um meio de comunicação próprio, único, e, portanto, não podem ser tratados como parte de um conceito bastante fechado de literatura que muitos dos acadêmicos com os quais teve contato partilham. Enquanto numa obra literária, a história se constrói a partir de recursos puramente textuais, os quadrinhos possuem em seu cerne uma característica inigualável para qualquer outra forma de expressão: a união ímpar entre o elemento textual e os recursos gráficos. Para muitos, o uso de imagens pode ainda estar atrelado ao campo do público infantil, porém, isso seria apenas uma limitação do potencial comunicativo que uma cultura, no caso, a brasileira, poderia se utilizar. A partir do momento que você restringe o reconhecimento valorativo para um meio sobre o outro, você deixa de reconhecer o valor exclusivo de cada um, e isso, por conseguinte, acarreta num prejuízo enorme para a cultura de uma nação.

Conforme o professor da UFRJ e editor da Ediouro, Paulo Roberto Pires, afirmou, em entrevista à revista "Discutindo Literatura", em 2008, "os quadrinhos são uma linguagem muito interessante em si, mas que também pode ajudar a formar leitores para livros 'convencionais'." Sabendo se utilizar dos recursos dos quadrinhos, o potencial para estimular interesse nos leitores mais novos sobre outras formas de leitura acaba sendo muito maior, e muitos dos que encontram essas condições acabam por explorar novos estilos, adquirindo uma base cultural extremamente positiva. Conforme destaquei antes em matéria aqui no blog sobre a importância dos quadrinhos no período da infância, os quadrinhos podem ser a porta de entrada para todo um universo de experiências sensoriais e imaginativas, porém, nem por isso, a arte sequencial se limita a ser apenas um bilhete de entrada.

Em histórias como "Daytripper", "Retalhos", "Tintin", "Corto Maltese" e nas tirinhas de "Mafalda", por exemplo, há uma profundidade e falta de etnocentrismo que é raro encontrar na maioria das obras puramente textuais. Da mesma forma como livros de Machado de Assis e Lima Barreto possuem em si um teor e estilo dificilmente encontrados em muitas obras em quadrinhos. Ambos os meios de comunicação possuem seus pontos altos e seus pontos baixos, e não podemos, de forma alguma, limitar nossa compreensão de qualquer um deles pelo uso indevido que se faz de um dos dois.

O artigo de Teixeira, portanto, visa alcançar a questão da depreciação literária brasileira, fruto de uma falta de estímulo correto dentro das salas de aula ao redor do país. O que é triste e rendeu tantas críticas a essa matéria foi que o autor acabou por usar os quadrinhos enquanto bode expiatório para criticar um sistema de ensino público deficiente (que já foi tema de matéria aqui no blog antes), como já foi feito no passado por grandes nomes do jornalismo nacional, como Orlando Dantas e Samuel Wainer, que criticaram os quadrinhos a ponto de organizar estudos que demonstrassem seus prejuízos à educação dos mais jovens, tudo apenas para poder atingir de forma indireta o império comunicacional construído por Roberto Marinho, que era responsável pela publicação de diversos títulos com histórias em quadrinhos.

Um dos muitos  bons livros
cujo tema é justamente o uso da nona
arte no setor pedagógico

E este é o tema da matéria. Tanto se passou, a literatura evoluiu, os quadrinhos evoluíram, mas esse conflito permanece, apesar de todos os esforços de muitos comunicólogos renomados como João Marcos Parreira Mendonça, Elydio dos Santos Neto, Marta Regina Paulo da Silva, Waldomiro Vergueiro, Télio Navega e o já mencionado no começo da matéria, Paulo Ramos. O preconceito permanece inscrustado na cultura popular do nosso país. Infelizmente, não posso reduzir toda uma história dessa discussão em uma matéria só, porém, a quem interessar possa, a discussão pode ser extendida e ampliada nas demais redes sociais e no campo dos comentários aqui embaixo.

Para não perder também o fator que alavancou essa matéria, fica aqui também o mais sincero desejo de feliz dia do professor para todos os colegas acadêmicos e uma torcida especial para que todas as carências de suas profissões possam ser supridas, ainda que na medida do possível. O valor de vocês para tudo que somos e o que nos tornamos é simplesmente fundamental, e fica aqui nosso profundo agradecimento pela dedicação, paciência e esforço.

4 comentários:

luiz_modesto disse...

Tenho pena daqueles que não sabem apreciar uma boa obra, seja qual for a forma sob a qual está expressa...

Luciana Cristian disse...

Realmente foi muito triste ver o quanto as HQs ainda são negligenciadas no meio "literário" de acordo com algumas pessoas.

É claro que é preocupante ver grandes autores sendo esquecidos pela juventude (e pela população como um todo), como Machado de Assis, Érico Veríssimo, que se tornaram "literatura de escola", ou seja, autores com livros que muitas pessoas (por favor, não entendam que esse é o caso de todas) só leem durante a escola/faculdade para "cumprir currículo". Isso é um caso que merece um cuidado especial, mas partir desse ponto para criticar outro tipo de "veículo literário", foi ir longe demais.

No caso da reportagem em questão, o alvo foram as HQs, que caso esse jornalista procurasse se informar mais veria que é um meio literário que também perdeu parte do público alvo. Talvez não tanto quanto os autores mencionados, mas perdeu.

Enfim, algumas HQs possuem mais "conteúdo" e reflexões pessoais e políticas que muitos textos jamais conseguiram alcançar. É óbvio que sempre devemos fazer uma seleção, afinal, assim como muitos livros, temos muitas HQs sem uma "mensagem aparente" de qualidade.

Os quadrinhos são e sempre serão formadores de novos leitores. Quem ainda não enxergou isso, talvez devesse perguntar aos infinitos leitores de HQs espalhados neste mundo o que eles procuraram depois que o gosto pela leitura, CRIADO COM AS HQS, surgiu... A resposta: Nós procuramos LIVROS! Para quem gosta de ler, livros, HQs, jornais, revistas, tudo se torna interessante e todos eles têm algo a ensinar de uma forma diferente. Com isso, não podemos culpar as HQs como formadoras de "indivíduos iletrados", afinal, alguém sem esse gosto pelas palavras, continuará sem esse interesse (se assim o desejar) independente de qual veículo de comunicação ele tenha mais contato.

Bom, acho que é isso...

Anônimo disse...

olha, eu concordo com o autor, e veja bem...
sou fã confesso de quadrinhos, mas acho que infelizmente tratam as hqs apenas como forma de litetaura rapida e tratamentos assim depreciam as hqs, agora se vc me dizer que mafalda toca a todos que a leem vc esta sendo muito ingenuo, pq o mesmo tratamento de leitura obrigatoria que dispensam a autores que de literatura convencional é o mesmo dispénsado a hqs mais serias, o enem é focado e restrito e so perpetua o mito da formula que vc tem que seguir pra chegar ao ensino superior

Maria Clara Modesto disse...

Acabo de ler a recente edição da revista Veja após essa polêmica reportagem e fico triste ao ver que nas cartas dos leitores só constam opiniões favoráveis ao artigo. Em nenhuma das cartas há sequer menção sobre os quadrinhos. Esses, ao meu ver, acabaram servindo de "bode expiatório" da questão