quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Veni, Vidi, Vecchi

Por Gabriel Guimarães



Há quase um mês, os quadrinhos brasileiros perderam um grande nome que está na história do gênero no país. Após uma longa carreira trabalhando na filial brasileira da editora italiana Vecchi, que pertencia à sua família e fora originalmente fundada por seu homônimo tio, Lotário Vecchi teve grande importância para a formação do vasto material em quadrinhos publicado aqui no decorrer do século XX.

Inaugurada no Brasil em 1913 através do imigrante italiano Arturo Vecchi, a editora só começou a se envolver com os quadrinhos na década seguinte, ao publicar revistas voltadas para o público infantil, como "Mundo Infantil", e pequenas novelas gráficas em forma de folhetim. Entretanto, foi a partir do final da década de 1960 que seu papel começou a ganhar mais importância no cenário da arte sequencial no país, quando o filho de Arturo e homem a quem esta matéria visa homenagear, Lotário Vecchi, assume a dianteira dos negócios da editora.

Optando por transformar a editora em uma produtora exclusiva de periódicos, Lotário cancelou a linha de livros que eram lançados pela Vecchi e trouxe para os títulos publicados o herói de faroeste italiano Tex, que formou um público fiel muito forte nas terras tupiniquins. Em 1973, aconteceu um fato que foi determinante para a editora alcançar a posição que ostenta na história do mercado editorial de quadrinhos, quando Lotário contratou o ainda jovem Otacílio d'Assunção Barros para participar do setor de quadrinhos da editora. No ano seguinte, quando a revista "MAD" foi, enfim, publicada no Brasil, foi esse jovem que assumiu muitas das responsabilidades por estruturar a sua publicação, sob o seu novo nome artístico, Ota.

Lotário tentou atrair o público com diversos personagens publicados na revista "Eureka", que enfrentou uma série de problemas tanto em termos de composição, já que trazia histórias de personagens que já não possuíam tanto apelo junto ao grande público, como Pafúncio e Pinduca, quanto judiciais, quando se descobriu que o título da revista já era registrado para uma pequena publicação de palavras cruzadas, a qual depois foi comprada pela Vecchi. Entretanto, através da persistência do editor, que adquiriu alguns personagens da extinta revista "O Cruzeiro", como Gasparzinho, para competir com as grandes publicações da época, em especial as da editora Abril.

Com o sucesso dessa nova empreitada e o estouro de vendas provocado pela "MAD", a editora foi crescendo sua participação no mercado de quadrinhos no Brasil, e foi a responsável por lançar os Strunfs, criados pelo belga Peyo, que mais tarde viriam a ser chamados de Smurfs (sobre a publicação destes e sua história nos quadrinhos, recomendo este artigo de um de nossos grandes parceiros de quadrinhos, o blog "O X da Questão"). A editora começou a se aventurar nos quadrinhos de terror, e se tornou uma das grandes editoras do gênero no país, com histórias que facilitavam a identificação com o público, com personagens nacionais e histórias ambientadas no território brasileiro, como a revista "Spektro".


Edição da MAD publicada pela editora Vecchi

Entre as outras publicações da editora, estavam Zagor, Ken Parker, Spirou e Fantasio, dentre uma enorme gama de outros. Na década de 1980, porém, a editora passou por uma crise interna, resultado do endividamento com a compra de uma gráfica na Avenida Brasil, no Rio de Janeiro. Com as dificuldades de pagamento, muitos artistas acabaram migrando para as demais concorrentes, e Lotário, após se desentender com suas irmãs, que também participavam da gerência da editora, decidiu se afastar dos negócios, tendo o apoio de Ota, que levou consigo a publicação da "MAD". Com todos esses problemas, a editora fechou as portas em 1983, porém, seu lugar na história dos quadrinhos nacionais permanecerá para sempre, tal qual Lotário Vecchi, que tanto investiu na produção das linhas de quadrinhos.
Edição dos Strunfs, depois renomeados
de Smurfs, publicada pela Vecchi

Para quem tiver interesse em ler um depoimento pessoal do próprio Ota sobre sua experiência na Vecchi e com Lotário, fica a recomendação para este artigo publicado no blog Bigorna.

3 comentários:

Maria Clara Modesto disse...

Sobre os quadrinhos em nosso mundo atual: "Veni, vidi, vici!" A frase tbm se aplica ao sucesso do blog!

Vitor VEC disse...

Ta tudo certo, só faltou contar nesta história o prejuízo q ele deu com sua má administração e delírios megalomaníacos. Ademais, na hora da falência, se escondeu de toda família e conseguiu escapar-se com bens que não lhe pertenciam de direito; além de manter-se sócio do iate clube.
Meu 'nonno' passou muito tempo entristecido por causa das safadezas deste senhor, que finalmente há de prestar contas da sua vida terrestre.
Resumindo, foi um bom empreendedor e estará na história, especificamente dos quadrinhos nacionais porque bancou uma coisa que parecia que não ia dar certo e hoje em dia minha MAD nº1 não tem preço. Mas não foi uma boa pessoa. FATO.

GG disse...

Vitor,
O enfoque que dei na matéria é apenas sobre a relação de Lotário Vecchi com a história dos quadrinhos nacionais, contando um pouco também do desenrolar da editora no mercado editorial brasileiro. De forma alguma, eu poderia ter afirmado nada acerca de sua personalidade ou decisões, uma vez que não o conheci pessoalmente. Você era parente dele? Porque, se for, gostaria de esclarecer que não tive como intuito denegrir ninguém, muito menos faltar com a verdade. Agradeço muito seu comentário, pois certamente ele expande um pouco do que escrevi na matéria, e a quem ela possa interessar, suas palavras poderão aproximar o leitor da verdadeira história da gestão da editora Vecchi, em todos os sentidos. Caso queira expôr também sua posição, convido-o a me enviar um e-mail para que possamos manter contato. O endereço é quadrinhospraquemgosta@ymail.com .
Mais uma vez, obrigado pela sua contribuição com seu lado da história.