segunda-feira, 25 de junho de 2012

O Vilão que Virou Voz para a Verdade

Por Gabriel Guimarães


Verdade seja dita: Há exatamente uma semana, uma das grandes obras dos quadrinhos alcançou uma marca importante que deve ser merecidamente destacada aqui no blog. Trinta anos atrás, em meio à intermitente Guerra Fria, que assolava cada nação do planeta, principalmente Estados Unidos e a então União Soviética, e os fantasmas das duas Grandes Guerras, que se pronunciavam sobre o mundo frente à nova abordagem que o jornalismo popular dava para as questões relativas às zonas de combate militar, o roteirista britânico Alan Moore produziu uma de suas obras de maior repercussão dentro e fora da arte sequencial. Com ilustrações que destacavam os contrastes visuais e com um estilo deveras sombrio do também britânico David Lloyd, "V de Vingança" chegou às lojas de quadrinhos primeiro em forma de minissérie dentro da revista inglesa "Warrior" a partir do número 17, para então ser reunida e lançada como graphic novel pela editora norte-americana DC apenas em 1985, atingindo um público altamente abrangente de leitores, principalmente, os mais adultos e os que compreendiam melhor o contexto sócio-econômico apresentado na história.

Imagem do revolucionário extremista Guy Fawkes sendo preso
durante a "Conspiração da Pólvora", em 1605
Voltada para retratar as ações de um dos que poderia ser considerado membro do maior hall de anti-heróis da história da ficção em geral, cujo nome se resume à sua sigla de grande poder na obra, "V", e suas atividades revolucionárias contra um sistema de governo neofascista na Inglaterra da década de 1980, o personagem é influenciado diretamente pelas atividades de outro revolucionário britânico, o real Guy Fawkes, que, em 5 de novembro de 1605, tentou explodir o porão do Parlamento Britâncio, mas foi capturado antes que conseguisse concretizar seus planos. Moore e Lloyd trabalharam a partir da semente das atividades extremistas deste britânico por uma Inglaterra que não fosse comandada pelo rei Jaime I, que limitara o controle da Igreja sobre o Estado, para constituir a personalidade e recriar o cenário em que a "Conspiração da Pólvora" novamente ocorresse (foi durante os acontecimentos desta ação extremista orquestrada pelo grupo de revolucionários do qual Fawkes fazia parte, que ele foi capturado, torturado e, então, morto perante o público britânico em praça pública no dia de 31 de janeiro de 1606), dadas as medidas de adaptação e contextualização para os fins democráticos que os autores do quadrinho pretendiam destacar.

Vivazmente contada em três tomos de profunda imersão psicológica no universo dos personagens, em especial à do protagonista anárquico, à da jovem "Evey", que se vê envolvida por uma cortina de fumaça sobre as ideologias vigentes e a verdadeira noção de justiça e verdade, e do detetive encarregado pelo governo pela investigação do caso, "Edward Finch", a história apresenta temas bastante polêmicos para a época, como a perseguição e concentração em áreas isoladas daqueles considerados cidadãos "anormais" (gays, esquerdistas, intelectuais que representavam ameaça às decisões do Estado, dentre outros) para depois realizarem experimentos e tortura em cada um deles por parte do governo, o que provocou grande choque nos leitores do material e serviu de crítica aberta às atividades nos campos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Capa da edição da revista "Cult"
com referência à história de Moore e Lloyd
Vendo que a humanidade em pouco havia melhorado em termos de estrutura política após tanto sangue derramado em guerras, Moore travou uma batalha contra os regimes que ocorriam em vários pontos do mundo naquela época através das suas palavras escritas e do maior símbolo da história, desenvolvido por Lloyd para representar a personalidade do personagem protagonista criado pelos dois, sua misteriosa e particularmente teatralizada máscara, cujo sorriso maquiavélico hoje é capaz de ser encontrado facilmente em qualquer local do mundo, desde muros da rua até movimentos de revolta contra a totalitariedade da posse sobre os direitos dos arquivos digitais, como é exemplificado na capa da edição 169 da revista brasileira "Cult", que explica um pouco das intenções de grupos de ativistas como o "Anonymous", que assimilou a faceta do protagonista desta história em quadrinhos para usar como sua referência de identificação visual, e sua batalha travada principalmente através da rede.

Virtudes tendo sido postas de lado, a máscara do vigilante de Moore e Lloyd se tornou elemento-chave da cultura pop atual e dos movimentos sociais ao redor do globo. Das páginas da história em quadrinhos, foi feito um filme, em 2006, contando com grandes estrelas do mundo hollywoodiano, como Hugo Weaving e Natalie Portman, esta num de seus papéis de maior destaque e qualidade na sua vasta e reconhecida carreira como atriz. O filme conquistou o público, que ficou admirado pela obra e a repercussão beirou o inimaginável para a época da produção do material original. Mesmo este tendo sido um dos últimos trabalhos feitos por Moore para a editora DC, com quem teve sérias desavenças ao longo da década de 1980 e nos anos sequentes, a história cativa e captura o leitor, prendendo-o numa rede de suspense e drama político de enorme profundidade no cenário das perspectivas reais para a sociedade e seus produtos culturais.

Vigilante ou vilão, "V" marcou seu nome não apenas nas páginas das revistas onde foi publicado ou nas editoras por onde passou antes de chegar às mãos dos ávidos leitores, mas também na história dos quadrinhos como meio de comunicação em si, e no nosso presente e futuro próximo dentro do campo da política social, principalmente no que tange aos interesses de domínio sobre a propriedade intelectual nas redes virtuais. Certamente, não ouvimos ainda as últimas palavras de "V", cuja essência ainda é mordaz e viva, mas é possível imaginá-lo admirando as possibilidades de seu porvir, nas palavras que um dia foram do imperador do Império Romano e general e cônsul romano Caio Júlio César, porém adapatadas para um questionamento pessoal, "Veni, Vidi... Vici?"

Um comentário:

João Ferreira disse...

Eu sou suspeito pra falar, pois sou fã do trabalho de Alan Moore. Mas "V de Vingança" é na minha opinião uma das maiores obras já feitas nesse perfil de HQ. Curto muito! Li a HQ, assisti o filme e tenho ambos em minha coleção. rsrs E falando nisso, tá chegando 5 de novembro... tá na hora de dar mais uma lida em "V"... rsrs