quarta-feira, 21 de março de 2012

A Poesia nos Quadrinhos

Por Gabriel Guimarães 


Seja no trovadorismo, no romantismo ou mesmo na pós-modernidade, a poesia sempre esteve presente na literatura. Por rima, tom lúdico e melódico, ou mesmo uma estética atípica e instigante, a essência da poesia sempre esteve no desejo mais profundo do ser humano, de almejar sonhos grandiosos e inspirados. Ao lidar com temas relativos ao cerne das emoções, passando pelas grandes aventuras e intensas paixões, esse gênero literário se consolidou como um dos mais belos e dos mais importantes para a complitude de uma vida textual para o leitor.

Mario Cau autografando
uma das edições de
"Nós - Dream Sequence Revisited"
Esteja presente nas cartas de amor do escritor Mark Twain para sua esposa Olivia Langdon, ou mesmo nas canções inesquecíveis do gênero musical da Bossa Nova, que se consolidou como melodia na década de 1960 na cidade do Rio de Janeiro, o amor tem sido, talvez, o grande desencadeador de poesias, e isso também pode ser encontrado nos quadrinhos. Histórias como "Meu Coração, Não Sei Por Quê", dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, e a edição especial "Nós - Dream Sequence Revisited", do talentoso quadrinista Mario Cau (cujo lançamento na Rio Comicon de 2010 foi comentado aqui no blog), são alguns exemplos disso. Apesar de apresentarem tramas diferentes, ambas dançam com as emoções do leitor, trazendo-o para dentro do universo dos personagens e tornando-o parte fundamental da história, como o responsável por dar vida aos traços de nanquim em uma simples folha em branco. Brincando com a cor, inclusive, é que Cau explicita o vínculo de seu protagonista com seu amor, e brincando com a densidade da arte-final, por sua vez, os gêmeos também convidam o leitor a considerar o amor em meio à fantasia que compõe o mundo de sua história.

Representação do próprio Norman Rockwell sobre
a produção de sua arte
Entretanto, não é apenas ao romance amoroso que se resume a poesia. Seja por um pequeno detalhe em meio ao turbilhão de informações ao redor da vida social nos dias de hoje ou mesmo por uma reflexão momentânea e inesperada acerca de memórias, estamos sempre sob o efeito daquilo que esse gênero mais se preenche: sentimento. Praticamente tangível na sensibilidade do trabalho de Will Eisner quando este expõe a vida cotidiana nas grandes metrópoles e as relações entre as construções e as pessoas, que pode ser visto com grande perspicácia, por exemplo, em sua obra "O Edifício", a poesia pode estar presente tanto na nossa relação com o exterior a nós, quanto em momentos de intimidade e aconchego, como é possível observar nas ilustrações familiares do artista que tornou marcante visualmente o âmbito familiar, Norman Rockwell.


A semelhança é nítida entre Neil Gaiman e o protagonista de sua grande história
Igualmente importante é destacar a porta que a poesia nos abre para a fantasia do imaginário. Desprendido de sensos e consensos, em poucas linhas, retas ou tortas, o gênero pode nos levar muito além dos limites da visão e ampliar, dessa forma, nossas capacidades sensoriais de forma primorosa. Poucos se comparam nesse quesito ao do roteirista britânico Neil Gaiman, com sua obra máxima "Sandman", cuja abordagem e propriedades limitam-se apenas por aquilo que nomeia sua própria forma de apresentação: os sonhos. Lógicos ou não, agradáveis ou aterrorizantes, Gaiman realiza um mergulho na fonte da humanidade de seus personagens, atraindo para as páginas de suas histórias todas as características fundamentais de sua composição, desde seus desejos até suas falhas, suas glórias e decepções. Além dessa obra, Gaiman já explorou seu potencial narrativo de diversas outras maneiras, sem jamais, porém, abandonar sua mirabolante paixão pela fantasia. Obras como "Stardust" e "Coraline" são grandes exemplos disso.

Cena do trabalho de George Pratt sobre
as memórias da Primeira Guerra Mundial
Em outro aspecto passível da formação da poesia, encontra-se um estilo quase difícil de compreender sua exata conexão com o tema, representado na epopéia, grande formato das poesias épicas, em geral, cujo tema é relacionado a grandes aventuras épicas e envoltas em aspectos morais. Possível de encontrar em recentes adaptações da literatura para os quadrinhos, como o clássico "A Odisséia", de Homero, adaptado por Christophe Lemoine e Miguel Lalor Imbiriba, publicado recentemente numa excelente fase da editora L&PM aqui no Brasil, a partir de apoio da Unesco, ou mesmo em histórias sobre redenção e conflito durante as grandes guerras, como é o caso da edição "Ás Inimigo - Um Poema de Guerra", do quadrinista George Pratt, a poesia épica também oferece grandes oportunidades de enriquecimento pessoal para seus leitores.


Apesar da extensão para a poesia além das palavras feita aqui, o núcleo desse gênero que tanto nos toca vai além de determinados suportes, parando apenas onde nossa percepção e imaginação nos permite associar. Seja no leve assobio dos pássaros ou mesmo na suavidade de um beijo, a poesia se faz presente em cada dia das nossas vidas, e jamais podemos tampar nossos ouvidos ao seu maravilhoso chamado para, mais uma vez, vivermos intensamente tudo aquilo que ela tem a nos oferecer, ainda que seja apenas eterno enquanto dure.

7 comentários:

Alex D'ates disse...

Bela pesquisa (novamente, Gabriel). Trabalhar com poesia nas histórias em quadrinhos acaba por circular modalidades que perpassam a literatura e as artes, e até mesmo a capacidade "real" do quadrinho captá-la, mas que, dentro de nossa posição suprema de "leitor", a tornamos viva em nossa experiência.

JJ Marreiro disse...

A poesia atinge o leitor baixando sua guarda mais truculenta lembrando sua humanidade, estamos acostumados a ver esse potencial nas palavras e nos versos, mas, de certo modo Há aqueles que fazem poesia de seu desenho, de sua pintura e de sua vida.

É legal ver quando artistas distintos conseguem atingir isso nas pessoas. Acho que Esse viés humanizador é um dos elementos que fazem com que qualquer pessoa possa se envolver com um trabalho artístico.

Venerável Victor disse...

Achei interessante quando você nos conta onde a poesia pode estar no trivial do nosso dia a dia. Por diversas vezes ela extravasou os limites dos meus livros e quadrinhos e se fez presente em pequenos gestos, imagens e sentimentos fraternos. Cada vez que saio de casa , vejo poesia pelo meu caminho e ela não está restrita ao que se pode falar em linguagem humana, Will Eisner talvez seja a melhor dica para quem quer começar a enxergar a diferença entre a prosa normal e cotidiana das comics no geral e a poesia feita nona arte. Parabéns.

Tupinanquim disse...

Bom texto! desde os 12 anos escrevo poesia e "desenho historinhas", então meu primeiro livro acabou sendo uma junção das duas artes, "desenhos de Linguagem", onde selecionei poemas curtos e ilustrações poéticas com o Tupinanquim (q é um personagem de gibi).
vejo muita poesia em Calvin, Peanuts, alguma em Mafalda e no clássico Litlle Nemo in Slumberland! mas vc citou sabiamente Gaiman, e lembrei de seu antecessor, q ao poetar o monstro explicou:
"Ninguém mais lê poesia, hoje em dia. Ela ainda é a coisa mais fácil de ser publicada e a última que as pessoas irão ler, talvez pq nas escolas tiveram q decorar dezenas de mestrew parnasianos empurrados garganta abaixo(...)Em Monstro do pântano vc pode não ter boa poesia, mas há alguma poesia aqui que as pessoas podem ler, gostar e, quem sabe, ver como a poesia pode ser conectada a um mundo de idéias. è possível devolver poesia - e política - às pessoas através desse meio."
Alan Moore (montro do Pântano 10, ed Abril, 1990) ___________Artmann

Anônimo disse...

Muito bom, você destacou lindamente o que é a poesia; um olhar sobre o mundo. E os autores citados desenvolveram uma poesia linda em cores, traços e balões de fala. Poesia não encontra barreiras.

João Ferreira disse...

Nunca fui um grande apreciador da poesia, devo admitir. Mas tenho tentando entender melhor esse gênero literário atualmente. Sobre Neil Gaiman, gosto muito de tudo que li dele. Nunca li entretanto sua obra mais famosa: Sandman. Preciso dar um jeito nisso! hehe Sobre "Às Inimigo" do Pratt, tenho vontade de ler. Ótimo post! Valeu pelas dicas! Abraços!

GG disse...

Fico realmente muito satisfeito que tenham apreciado a matéria. A poesia é elemento inerente do ser humano, e onde há vida, lá há também poesia. O universo dos quadrinhos não está excluído dessa máxima, e essa relação jamais poderia ser ignorada.