Por Gabriel Guimarães
Chico Anysio |
Em menos de uma semana, a cultura popular brasileira perdeu dois de seus maiores mestres. Donos de habilidade ímpar sobre fazer os outros rirem, Chico Anysio e Millôr Fernandes concluíram sua passagem por esse mundo deixando marcas em todos aqueles que tiveram o prazer de conhecê-los ou assistirem às suas apresentações, independente da plataforma, voltadas para o humor puro e simples.
Nascidos em uma época de grande potencial para o humor político, ambos iniciaram suas carreiras, porém, com dedicação a campos mais tradicionais, como o locutor de jornal no caso de Chico e assistente de produção da revista "O Cruzeiro", no caso de Millôr. A notoriedade começou a ganhar forma depois na vida dos dois humoristas. Escrevendo sob o pseudônimo 'Notlim', Fernandes passou a assumir posições mais distinguidas dentro da hierarquia editorial, assuminando a direção da revista "A Cigarra", onde ganhara um concurso público de contos. Pouco depois, tornou-se o responsável também pela renomada revista "O Guri", publicada pelo editor Frederico Chateubriand no começo da década de 1940. Chico, por outro lado, começou participando de concursos para locutor de rádio junto de sua irmã, ainda aos seis anos, alcançando, porém, aos 17 anos, sua melhor colocação, em segundo lugar, atrás apenas de um outro jovem que começava a mostrar seu potencial para o manejo social que viria a consagrá-lo em absoluto no futuro, Sílvio Santos. Trabalhando em vários setores da Rádio Guanabara, Chico começou a se arriscar escrevendo diálogos para peças promocionais, e em 1957, estreou pela primeira vez na frente das telas, no programa "Noite de Gala".
Millôr em seu escritório. A importância dos quadrinhos em sua vida foi um dos fatores que o cartunista mais destacou ao longo de sua vida |
"Chico City" foi um dos programas mais populares feito por Chico Anysio, que estreou em 1973 e durou até 1980 |
Antes, porém, de Chico alcançar o estrelato televisivo, seu companheiro de campo Millôr se consagrou enquanto profissional dos mais diversos meios de comunicação, a partir de seu empenho, quando aprendeu, por exemplo, a ser tradutor a partir de seus próprios conhecimentos, sem orientação de outrem. Ao mesmo tempo, escreveu peças, artigos e produziu caricaturas para as publicações da época, chegando, ainda aos 18 anos, a participar da Exposição Internacional do Museu da Caricatura de Buenos Aires. Curiosamente, no mesmo ano em que o rosto de Chico Anysio se tornava conhecido na televisão, Millôr recebeu sua primeira exposição particular no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Chico mostrou sua estrela nas participações iniciais e conseguiu seu próprio show para estrelar em 1959, sob o nome "Só Tem Tantã", que mais tarde viria a ser chamado de "Chico Anysio Show". Vale destacar também que em 1972, Chico Anysio chegou a ser publicado em quadrinhos também, a partir da alta popularidade de alguns de seus personagens.
Após uma série de prêmios, ambos estes grandes mestres do humor se consagraram como figuras facilmente reconhecidas e respeitadas no meio social, atingindo leitores de todas as camadas sócio-econômicas da população. Chico, através de seus cerca de 453 personagens e Millôr, através de seu instigante senso crítico, se tornaram ícones de uma geração carente da discussão suave e ponderada sobre os conflitos experimentados pela sociedade. Conforme Anysio destacou, em uma de suas últimas entrevistas, "o humor é tudo, até engraçado." Com uma frase simples como essa, mas poderosa em termos de conteúdo, todo o produto da vida destes dois mestre na arte do humor se torna semente para a transformação do mundo em um ambiente mais agradável para todos. O riso levado ao máximo de pessoas possível jamais será esquecido, e os livros, programas, artigos, entrevistas, entre tantas outras criações maravilhosas feitas por ambos não perderão sua validade nem seu valor.
Um dos muitos livros de Millôr, cujo caráter político sempre esteve em grande evidência |
Usando do humor como ferramenta de conscientização social e de suas próprias histórias de vida como exemplo da superação de dificuldades, uma vez que Millôr perdeu seus pais muito novo ainda, quando foi morar com seus tios, aos 12 anos, e Chico veio para o Rio de Janeiro junto com sua família da cidade de Maranguape, do estado do Ceará, à procura de melhores condições de vida num centro urbano, estes dois mestres escreveram em linhas fortes suas mensagens e, conforme Fernandes destacou "viver é desenhar sem borracha." Ambos encararam grandes riscos em cada decisão que tomaram ao longo do caminho, e voltar atrás de algumas delas é um fato que nem sempre foi possível. Portanto, a consolidação de suas histórias de vida vitoriosas é reflexo do esforço e talento de ambos para com as áreas em que se envolveram. Obstáculos foram superados, erros foram cometidos, mas no final, tudo correu bem.
Hoje, consagramos a memória de mais do que estes dois profissionais modelo, mas sim de pessoas inestimáveis pelo seu desejo de ir além do que oferecido de bandeja. Perdemos mestres na arte de viver bem, mas ficamos com suas lições de vida e seus grandes bordões imortalizados em nossa memória. Citando novamente Chico, "a frase 'Todos são substituíveis' não se aplica aos humoristas, porque todos os humoristas são insubstituíveis. Jamais teremos outro Costinha, jamais teremos outro Oscarito, jamais teremos outro Mussum", complemento, sem hesitar, que jamais teremos outro Chico Anysio e jamais teremos outro Millôr Fernandes também. Obrigado por tudo e descansem em paz e em alegria, tamanha a que os dois causaram a seus grandes públicos.
2 comentários:
Foi bom conhecer melhor através do teu texto estes dois homens.
É sempre mau quando morre um humorista... um tipo fica sem jeito sobre o que há-de dizer.
Fica a tua homenagem, e fica muito bem!
Abraço
Espetacular Gabriel, parabéns por todo artigo!
Como sempre tá de mais! :)
God bless!!
Postar um comentário