quinta-feira, 16 de junho de 2011

A China e os Quadrinhos

Por Gabriel Guimarães

No último dia 9 de maio, foi anunciado um projeto que vai causar grande alvoroço entre os admiradores da arte sequencial do mundo inteiro quando estiver concluído: a China pretende construir um museu de 32 mil m² exclusivamente dedicado ao universo das histórias em quadrinhos e das animações.

Representação da biblioteca que o museu disporá

Tendo sua estrutura externa baseada no principal meio de comunicação dentro das lianhuanhua (como são conhecidas as histórias em quadrinhos na China), o balão, os designs produzidos pela empresa holandesa MVRDV, que venceu um concurso internacional para projetar a obra máxima de apreciação da nona arte, são simplesmente impressionantes. Sendo composta por um aglomerado de oito balões, que representarão setores interligados em forma de círculo, o museu compreenderá uma visão bastante vasta das histórias em quadrinhos como meio de comunicação, contando inclusive, com uma biblioteca de proporções impressionantes onde será possível encontrar quase qualquer revista em quadrinhos ou animação já produzidos.

Apesar de haver, pelas imagens do tour virtual, uma preleção pelo estilo mangá, que tem vários personagens expostos em esculturas dispostas no balão principal e em posições específicas nos demais, como o ainda criança Goku e o pokémon mais famoso, Pikachu, acredito que um museu dessa proporção abranja quase todos os estilos possíveis.

Apesar de ser um fato pouco conhecido, a China tem uma tradição com as histórias em quadrinhos muito anterior à difusão desta como meio de massa, e desde as dinastias Sung e Yan (as quais ocorreram entre os anos de 960 e 1378), são utilizadas para fins de ilustrar obras literárias, a pedido direto dos imperadores. Por se tratarem, na realidade, de imagens sequenciadas que remontavam a história descrita nas páginas onde eram feitos os desenhos e não de histórias em si mesmas com balões, quadrinhos e personagens fechados, a consideração desta produção como história em quadrinhos depende de assumirmos o ponto de vista do teor de arte sequencial implicado na obra, conforme as ponderações e estudos de Will Eisner (que já foi homenageado em duas postagens antes aqui e aqui no blog) e Scott McCloud, os quais acredito que se apliquem aqui de forma bastante determinante. Já no século XX, após o surgimento oficial das HQs no mundo ocidental, os quadrinhos da China passaram a adotar algumas influências do material que começava a surgir do outro lado do mundo, como pôde ser visto em pequenos periódicos que eram publicados nas províncias, onde ocorria uma crítica contundente à política local utilizando-se de desenhos satíricos, como ocorria nos países desenvolvidos da época, como Inglaterra e Estados Unidos, e até aqui no Brasil, no qual esse uso da arte ganhou bastante destaque nos trabalhos do talentoso artista carioca J.Carlos.

Feng Zikai, primeiro a encadernar
tiras em sequência, cunhando assim
o termo lianhuanhua

Em 1927, entretanto, é que se utilizou propriamente o termo lianhuanhua pela primeira vez, a partir do projeto realizado pelo desenhista Feng Zikai, que agrupou em uma sequência encadernada uma série de vinhetas com esse tema, o que elevou muito a popularidade dessa arte sequencial na China. E com o tempo, tamanha chegou a importância dos quadrinhos como meio de comunicação no país, que foram feitas uma quantidade considerável de propagandas contra a invasão cultural japonesa através deles, incitando o espírito nacionalista e patriótico de milhares de chineses. Não chega a ser surpresa, portanto, que entre 1949 e 1963, houve cerca de 560 milhões de exemplares de quadrinhos circulando entre o povo chinês.



Quadrinho da época da Revolução Cultural, quando
o espírito nacionalista era continuamente exaltado

Durante a Revolução Cultural, os lianhuanhua ainda eram muito utilizados para instigar movimentos sociais e melhorias para a população, porém, os revisionistas chineses, que buscavam regulamentar o teor do que era absorvido culturalmente pelo povo passaram a banir muitas das publicações, que passaram a ser encontradas em cartazes e pôsteres pendurados nas casas e prédios do que em revistas. Após a morte de Mao Tse Tung, ocorreu uma nova mudança no panorama dos quadrinhos chineses, que passaram a ter influências das demais culturas do mundo inteiro, em especial a japonesa. Tamanho foi o bom recebimento do conteúdo japonês, que em pouco tempo permitida a publicação deste, o personagem mais clássico de Osamu Tezuka, Astroboy, passou a figurar entre os programas de televisão favoritos dos chineses, alcançando até a alcunha de herói, pelo povo. Entre as fotos do Museu Chinês de Histórias em Quadrinhos e Animação (China Comic and Animation Museum - CCAM), inclusive, é possível observar vários trechos de animações do personagem voando.

Previsto para começar a ser construído em 2012, o museu promete um novo nível para a relação com a arte sequencial muito além do que jamais seria possível imaginar alguns anos atrás, e eu aplaudo essa iniciativa. Responsável pela construção de prédios com estruturas peculiares como o Silodam e o WoZoKo, ambas na Holanda, e do Mirador, em Madri, Espanha, a MVRDV realmente promete um sonho arquitetônico experimentado por todos os apaixonados pelos quadrinhos e acredito que todos os fãs desse meio artístico aguardarão ansiosamente pela conclusão das obras. Se a Feira Internacional de Quadrinhos e Animação da China (China International Comic and Animation Festival - CICAF), que ocorre anualmente desde 2005, já atrai muitos leitores e amantes da arte animada para a cidade de Hangzhou, imagine quando tudo estiver pronto...


3 comentários:

Mutante X disse...

Uma verdadeira aula de cultura chinesa. Parabéns pelo post!

Victor disse...

Tenho agora um ótimo motivo pra visitar a China antes de morrer

GG disse...

Vai virar um ponto turístico de referência para todos os admiradores de quadrinhos ao redor do mundo todo, com certeza!