terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Feliz Quadrinho Novo!

Por Gabriel Guimarães
Mais uma vez chegamos ao fim de um ano. O que dizer num breve retrospecto desta vez?
2009 foi marcado por muitas mudanças e deixou em aberto muitas possibilidades para o futuro dos quadrinhos. Começando pela surpreendente compra da Marvel pela Disney, que causou furor entre os acionistas, famílias de ex-quadrinistas da Marvel e fãs, passando à questão editorial de qual modelo mais benéfico para publicação de quadrinhos: graphic novel x série mensal, este ano guardou muitos debates no ramo quadrinístico, temas que entrarei em análise mais profunda posteriormente.

Nós, brasileiros, podemos nos orgulhar de termos tido bons representantes no mercado mundial, com Rafael Grampá e seu Furry Water, Ivan Reis fazendo trabalho impecável em Lanterna Verde, e os gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, com seus projetos Daytripper e Umbrella Academy (este último, que na minha opinião pessoal, foi super-valorizado, mas admiro muito o trabalho de cada um dos gêmeos individualmente e em conjunto). Aqui dentro, vimos os quadrinhos entrando mais na lista de livros escolares e já sofrendo preconceitos por isso com discussões sobre o linguajar utilizado na obra Dez na área, um na banheira e ninguém no gol. Apesar disso, também houveram maiores reconhecimentos sobre o nosso meio de comunicação, com o convite ao autor de Umbigo sem fundo, Dash Shaw, para debates na Bienal do Livro no Rio de Janeiro.

Agora, vou falar um pouco particularmente. Para mim, o ano foi talvez o melhor da minha vida, passei por muitos altos e baixos, mas Deus sempre me permitiu superar tudo com um sorriso no rosto e fé no que estava por vir. O por vir se revela aos poucos, e posso garantir que tem sido muito, mas muito mais do que imaginei que pudesse receber em troca do esforço. Vocês que acompanham viram que o primeiro semestre foi frenético na quantidade de material que pude postar aqui sobre os quadrinhos, mas que neste fim de ano acabou dando uma freada imensa, pois bem, posso afirmar que ambos os períodos foram imprescindíveis para poder ganhar a base teórica e prática para poder escrever as matérias que vocês todos leem. Ano que vem começa logo agora, e, se Deus quiser, que ele possa ser recheado de muitas matérias legais, notícias positivas para essa nossa paixão literária, e de muitos projetos a se concretizarem, tanto no âmbito profissional quanto no pessoal, no familiar, no emotivo, e no que mais vocês precisarem.

Capa da adaptação para os quadrinhos da obra de Arthur C. Clarke '2010' pela Marvel, sei que não tem nada a ver com nada, mas achei que seria uma forma mais quadrinística de desejar feliz 2010. XD


Obrigado pelo apoio de vocês, leitores, que fazem do meu blog uma parte importante da minha história. Que Deus os abençoe abundantemente, e que 2010 também possa ser o ano de vocês.

Os vejo no ano que vem!

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Feliz Natal!!!

Por Gabriel Guimarães
Caros leitores, venho aqui desejar a todos vocês um natal maravilhoso, cheio de paz, alegria, comunhão, e muitas histórias em quadrinhos de presente!
Que possamos também renovar nossas forças para continuar produzindo conhecimento de nossa área e mostrar que bons quadrinhos não se limitam às obras de Stan Lee no início do Surfista Prateado ou às de Eisner narrando as histórias urbanas. O futuro nos aguarda, e que possamos preenchê-lo com muitas histórias verdadeiramente boas para serem dadas de presente e postas em baixo das árvores de natal nos anos por vir. Novamente, aqui vão meus mais sinceros votos de harmonia e alegria, satisfação e esperança, porque, acreditem, tudo é possível àqueles que amam a Deus, basta sabermos ter paciência.

******FELIZ NATAL!!!******

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Eisner, o Flâneur dos Quadrinhos



Por Gabriel Guimarães


Will Eisner foi um dos pioneiros das histórias em quadrinhos no início do século XX, apesar de ele só ter passado a ficar mais em evidência a partir da década de 1970. Habitante dos bairros judeus de Nova York, Eisner ganhou destaque pela profundidade emotiva de suas obras, em especial aquelas que tratavam do período negro da história americana durante a crise de 1929 nos Estados Unidos, retratando em muitas delas a determinação da população que, mesmo sem ter condições de uma vivência um mínimo que positiva em muitos casos, permanecia batalhando por algo melhor.
Como Eisner afirma,: “Por meio do manejo habilidoso dessa estrutura aparentemente amorfa [da arte da narração] e de uma compreensão da anatomia da expressão, o desenhista pode começar a empreender a exposição de histórias que envolvem significados mais profundos e tratam das complexidades da experiência humana.”[1], seus trabalhos foram muito marcados por uma humanização única das personagens, feita de maneira sutil e marcante.
Baseado nas definições propostas por Walter Benjamin no seu texto “O Flâneur”, e suas considerações sobre a posição do transeunte dos textos de Edgar Allan Poe e Baudellaire, sinto-me em condições de enquadrar Eisner como praticante da flanérie uma vez que tal qual Benjamin afirmou que “a rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos prédios, sente-se em casa, tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes.”, é possível observar isso nas obras de Eisner, que costumam tratar da vida nos grandes centros e das reações humanas a ela, sendo muito pouco limitadas por histórias entre quatro paredes apenas, indo além, para um ambiente público e urbano.
Obras como “Um Contrato com Deus” (1978), “Avenida Dropsie” (1995), “Nova York: A Grande Cidade” (1981), “O Edifício” (1987), “Cadernos de Tipos Urbanos” (1989) e “Pessoas Invisíveis” (1992) são exemplos máximos disso, uma vez que, semelhante ao personagem protagonista de Poe em seu conto “O Homem da Multidão”, os olhos do artista através dos quais observamos as histórias são focados em personagens corriqueiras que nos chamam atenção muitas vezes pelo seu arquétipo humanizado. Sem caracterizar absolutamente um personagem sequer, Eisner deixa todos as pessoas que aparecem sem nome, sem identificação, sendo estes então tratados apenas como seres em trânsito, indo ou voltando do trabalho, cujas ambições muitas vezes passam desapercebidas dos olhares alheios, mas que por trás de cada um há uma história, há uma narrativa a ser contada.
É ainda mais evidente a flanerié de Eisner em seu único personagem cuja alcunha e fisionomia eram sempre reconhecidas todos os meses, o herói detetive Spirit, que não possuía sequer identidade secreta. Funcionando como uma visão pura da análise de suspeitos, Spirit foi um personagem muito marcado pelo fato de suas histórias quase nunca terem o protagonista em primeiro plano, dando muito mais atenção assim aos personagens coadjuvantes e ao seu lado mais humanizado da história.
Criado em 1940, Spirit destoava do padrão de herói que estava sendo desenvolvido na época, chamando atenção já naqueles tempos para a diferença que uma mudança de abordagem era capaz de fazer por uma história. Eisner adotou o mesmo padrão de narrativa humanizada em todas as suas grandes obras, suas graphic novels (novelas gráficas), termo que foi criado por ele mesmo para definir histórias em quadrinhos adultas de muitas páginas que podiam ser lançadas em formato de livro, e que seria mais socialmente reconhecido que o termo histórias em quadrinhos em si quando ele fosse questionado quanto a sua profissão.
Em sua graphic novel “Nova York: A Grande Cidade”, Eisner produziu uma série de vinhetas (histórias curtas) cujo objetivo era mostrar os fatores que realmente marcavam a cidade grande na visão do autor, vista de ângulos pouco ou nada convencionais, como bueiros, degraus de escada, metrôs – abordando aqui a questão destacada Benjamin do predomínio da comunicação visual a uma comunicação auditiva, onde as pessoas passaram a ter de encarar horas a fio indivíduos desconhecidos sem demonstrar necessariamente uma reação a eles, fato ao qual Eisner trata de maneira bem humorada, revelando-nos por balões de pensamento a infinidade de interesses inerentes de cada pessoa no vagão –, latas de lixo, hidrantes, caixas de correio, postes de luz, esgoto e janelas – este último talvez seu trabalho de maior destaque pela sensibilidade dada às idas e vindas dos habitantes da cidade e às representações simbólicas destas, como os quadrinhos anteriores demonstram.
Tal qual Poe destacou o fluxo das massas num ambiente urbano repleto de locais, ambientes e esferas específicas com seus respectivos habitantes para cada um, Eisner o fez em suas obras mostrando as diferenças dos bairros de população mais nobre, de renda mais farta, e os bairros pobres, marcados pela violência, pela existência de gangues, pelas muitas histórias de trabalhadores que dedicam suas vidas ao serviço e não vêem sua recompensa chegar, etc. Basta uma breve olhada em obras como “A Força da Vida” (1978), “Pessoas Invisíveis” e até os já mencionados “Avenida Dropsie” e “Nova York: A Grande Cidade” para poder constatar essas mudanças.
Entretanto, talvez seja na capa da coletânea mais recente de suas obras “Nova York: A Vida na Cidade Grande” e nas artes interiores de seu trabalho “Caderno de Tipos Urbanos” que a figura do flâneur pode ser vista mais nitidamente, uma vez que o próprio Eisner se retrata como um artista, parado com um bloco de folhas a desenhar em meio ao fluxo inesgotável de seres, que passam sem sequer perceber sua existência, imersos em seus próprios problemas e cotidianos. Eisner, nessas cenas, se mostra o verdadeiro estudioso das multidões, dedicando sua vida e sua carreira a esse objeto de estudo e mercadoria de prazer, fato confirmado pela afirmação de Eisner que “o tempo da cidade tem uma cadência especial. É afetado pela breve duração dos eventos. (...) O ritmo é um elemento da velocidade que dita como os habitantes têm de negociar o movimento. E o espaço é a limitada área habitável deixada pelos obstáculos no labirinto de concreto”[2], como pode ser visto abaixo.




Em sua vida, poucas foram as obras desse autor que não lidaram com essa temática, como “Último Dia no Vietnã” (2001) e alguns contos ilustrados que produziu como “O Último Cavaleiro Andante” (1999), que retratava a história escrita por Cervantes do cavaleiro Dom Quixote. Além dessas, houve algumas obras de autobiografia feitas por ele também, como “O Sonhador” (1986) e “No Coração da Tempestade” (1991), que contavam suas experiências de vida.
Tal qual Dickens se queixou da falta do barulho da rua, que era indispensável para a sua produção, fez Eisner, quando se mudou para o estado da Flórida, e não suportou viver lá por muito tempo, regressando o mais rápido que pôde para sua vida na sua cidade grande, lar de seus desejos e fonte de seus sonhos, Nova York. Lá, voltou a residir, produzir, criar, sonhar, até 2005, quando faleceu aos 87 anos.
Will Eisner foi, portanto, um homem da vida pública, cujo trabalho reflete sua paixão pela vida nos grandes centros como poucos o fizeram, adotando para si a visão de observador, estudioso dos movimentos, das idas e vindas, do fluxo com que os turbilhões de pessoas cruzam as ruas diariamente. Sua visão vai além do normalmente esperado, revelando-nos pela sua narrativa gráfica todo um novo mundo de interpretação dos fatos e eventos, uma interpretação pelo olhar de mera figura humana, limitada, esquizofrênica, porém forte em meio às fraquezas da vida. Seu fascínio pelas multidões pode se comparar ao do personagem de Poe, se não ultrapassá-lo, porque até seus últimos dias de vida, esse grande mestre dos quadrinhos, referência para todos os pretensos quadrinistas que vieram depois dele, permaneceu produzindo obras que exacerbavam os grandes centros, suas selvas de concreto, que eram suas grandes fontes de inspiração.


BIBLIOGRAFIA:



BENJAMIN, Walter. O Flâneur, editora Brasiliense, 1989.
POE, Edgar Allan Poe. O Homem da Multidão, editora Cultrix, 1985.
EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Seqüencial, editora Martins Fontes, 2001.
EISNER, Will. Narrativas Gráficas, editora Devir, 2008.
EISNER, Will. Um Contrato com Deus, editora Brasiliense, 1978.
EISNER, Will. O Edifício. In: Nova York: A Vida na Grande Cidade, editora Companhia das Letras, 2009.
EISNER, Will. Caderno de Tipos Urbanos. In: Nova York: A Vida na Grande Cidade, editora Companhia das Letras, 2009.
EISNER, Will. Pessoas Invisíveis. In: Nova York: A Vida na Grande Cidade, editora Companhia das Letras, 2009.
EISNER, Will. Nova York: A Vida na Grande Cidade, editora Companhia das Letras, 2009.
EISNER, Will. A Força da Vida. Editora Devir, 2007.
EISNER, Will. Avenida Dropsie, editora Devir, 2004.
EISNER, Will. Pequenos Milagres, editora Devir, 2006.
EISNER, Will. O Último Cavaleiro Andante, editora Companhia das Letras, 1999.
EISNER, Will. Último Dia no Vietnã, editora Devir, 2001.
EISNER, Will. O Sonhador, editora Devir, 2007.
EISNER, Will. No Coração da Tempestade, editora Abril, 1996.


[1] EISNER, Will. Quadrinhos e Arte Seqüencial, editora Martins Fontes, 1999.
[2] EISNER, Will. Nova York: A Vida na Grande Cidade, editora Companhia das Letras, 2009.