Desde a invenção da imprensa de Gutemberg, todo tipo de material impresso já foi utilizado para fins políticos, desde jornais a revistas. Inclusive os quadrinhos. Correto ou não, imparcial ou não, ela sempre esteve lá, acalorando debates e fazendo tremer as bases do mundo dos super-heróis, até mais do que uma ou outra eventual vinda de Galactus ou de um Devorador de Sóis qualquer.
Sejam nos quadrinhos espaciais do Surfista Prateado, ou na Segunda Guerra, encarada de frente pelos heróis como Capitão América, Capitão Marvel e Superman, as ideologias políticas sempre estiveram presentes no meio quadrinhístico. Essa presença política nos territórios das HQs é tamanha, que tem sido discutida há muito tempo pelos teóricos e historiadores da área, como Moacy Cirne, em Quadrinhos, Sedução e Paixão, e Roberto Guedes, em A Era de Bronze dos Super-Heróis.
Durante muito tempo, a política foi mostrada nos quadrinhos de forma a não indentificar o governo em vigência, mas sim a situação em que a população se encontrava, como é visto nas edições da década de 1970 do Lanterna Verde, em que ele encara a dura realidade enfrentada pelo povo afro-americano e pelos menos favorescidos, durante as grandes crises racial e social.
Na história dos quadrinhos de heróis, há, inclusive, duas ocasiões que merecem nossa atenção para uma análise precisa desse tema. Elas são: a candidatura do Capitão América para a presidência dos Estados Unidos (1980), e a eleição do Homem de Ferro para secretário da defesa dos Estados Unidos (2005).
Na trama de 1980, o Capitão América, depois de derrotar uma equipe vilã chamada Império Secreto, descobre que o cabeça da equipe era nada mais nada menos que o presidente dos Estados Unidos. Sabendo que o sonho americano pendia na balança, o capitão resolve se
candidatar à presidência para dar ao povo americano o que ele realmente merece. Esta história ficou sendo uma clara alusão ao caso Watergate, que remexeu com o lado político de cada americano da época, inclusive com Roger Stern, roteirista da linha do Capitão América para a Marvel. No final, o soldado desiste da candidatura, alegando que ser presidente é um cargo que exigiria 24 horas de sua atenção todos os dias da semana, e que se alcançasse esse status, não poderia mais ajudar os fracos e oprimidos pelo mundo afora, como o fazia como Capitão América. Porém, antes de o arco terminar, ainda houve tempo para mais uma referência política, quando J. Jonah Jameson, dono do Clárim Diário e renomado anti-mascarados, tem que decidir se o jornal vai ou não apoiar a candidatura de Steve Rogers. ''O Capitão é um bom homem, mas lembra quando estrelas de cinema começaram a fazer o mesmo?'', fala Jameson durante um debate com Robertson, seu editor-chefe. Essa pérola foi uma referência à eleição de Ronald Reagan para a Casa Branca.
Na história do Homem de Ferro, Stark busca a política após ser convidado por assessores do presidente para ajudar na manutenção do armamento produzido pela sua empresa para ajudar o exército norte-americano na Guerra do Iraque. Este aceita se candidatar e começa a alegar que por ser presidente de uma empresa tão grande quanto as Indústrias Stark, tem condição de administrar melhor essa área tão em vista pelo governo Bush. No final, consegue convencer os senadores americanos a elegê-lo e passa a exercer o cargo sem abandonar sua armadura vermelho e dourada.
Esses dois casos são muito interessantes por fugirem ao padrão do esperado pelos fãs, e permitem-nos perceber a grande influência da política nos quadrinhos. Esta última ainda nos permite notar que durante o governo Bush (2001-2008), ocorreu o auge das histórias com base política, quando surgiram HQs como Authority, Black Summer, dentre outras, que representavam a crítica e a desaprovação do povo com o governo pró-guerra de George W. Bush.
Há pouco tempo, outra abordagem política 'surpreendeu' a todos os leitores de quadrinhos. Após a eleição do candidato Barack Obama para a presidência dos Estados Unidos, muitas HQs se voltaram para o lado político e declararam seu apoio ao novo presidente. A que mais chamou a atenção foi a aparição de Obama na revista de linha do Homem-Aranha, a qual esgotou no primeiro dia de venda, chegando à impressionante marca de 1,5 milhão de revistas vendidas até o momento. A comoção geral para a compra dessa edição só é similar à da venda da última edição do arco A Morte do Super-Homem, em 1992.
Esse apoio ao presidente Obama caiu nas graças do povo norte-americano de uma maneira jamais imaginada, mas muito bem vinda. E a política demonstra que permanecerá sendo um ponto crucial nas histórias da Marvel, DC, Wildstorm, entre outras... Agora, nos resta esperar que os quadrinhos caiam também nas graças dos políticos, para enfim haver investimentos nessa área da comunicação pouco reconhecida aqui no Brasil e em outros pontos do mundo, para que então seja possível quebrar essa barreira do preconceito e permitir aos artistas sonhar, pois a base das histórias em quadrinhos é o sonho, como o teórico Moacy Cirne definiu: ''A matéria prima dos quadrinhos, como a de qualquer outro produto no interior das artes plásticas, é o grafismo - o grafismo que nasce do sonho, que nasce do desejo, que nasce da paixão, que nasce da nossa mais profunda humanidade. Por isso, os quadrinhos, em sendo bons, podem seduzir, podem ser apaixonantes. E podem, amorosamente ou não, levar à reflexão.''