sexta-feira, 12 de setembro de 2014

A New Long Yesterday

Por Gabriel Guimarães




Em maio de 2005, a pequena editora Comic Store lançou nas livrarias o álbum "The Long Yesterday", uma trama noir ambientada nos Estados Unidos dos anos 1940 com fortes elementos policiais e um acabamento gráfico que expressava de forma interessante a atmosfera de mistério, detetives particulares e capangas de mafiosos da época. Diferente, porém, do que poderia parecer, a produção possuía elementos díspares daqueles às quais ela inicialmente estaria associada. Primeiramente, a história foi produzida pela dupla de brasileiros Osmarco Valladão e Manoel Magalhães, artistas cujos trabalhos já foram publicados em países como México, Itália, Romênia, Inglaterra, além das terras americanas e tupiniquins. Em seguida, a história não se limita apenas ao universo policial padrão do gênero das revistas de polpa* que eram moda na metade do século XX, possuindo traços de ficção científica extremamente interessantes no que diz respeito a viagens no tempo. Ambientado em um universo ficcional preestabelecido na coletânea "Intempol - Uma Antologia de Contos Sobre Viagens no Tempo", criado pelo professor da UFRJ e escritor Octávio Aragão, em 2000, a história narra alguns dos casos protagonizados pelo detetive Timothy Lace O'Malley, que acaba se envolvendo de forma indireta com a Empresa, corporação responsável pelo gerenciamento do fluxo temporal mediante a contratação dos seus serviços enquanto polícia particular.


Cena da história "The Long Yesterday"
Com elementos que homenageiam grande autores e quadrinistas como Raymond Chandler e Moebius, a história repercutiu de forma bastante positiva junto à crítica, vindo a ser requisitada pelo editor Sidney Gusman, então responsável pela publicação "Wizard Brasil", uma outra história curta com os personagens de Osmarco e Manoel para ser publicada em uma das edições da revista dois anos depois do seu lançamento. "Belvedere Blues", como ficou intitulada, apresentou uma trama de poucas páginas que complementavam o cenário apresentado em "The Long Yesterday" com uma nova história do detetive O'Malley. Desde então, o universo da Intempol continuou em expansão, por meio do livro "O Rei de Todos os Tempos Possíveis", do quadrinho "Para Tudo se Acabar na Quarta-Feira", (cujos lançamentos foram cobertos aqui e aqui no blog, respectivamente), ambos publicados pela editora Draco, e de projetos futuros que estão por ser divulgados ainda, porém, a produção de Osmarco e Manoel acabou ficando em um hiato de quase uma década.


Recentemente, os autores tornaram a se encontrar, todavia, para reverter isso, oferecendo ao público leitor a oportunidade de conferir o material original publicado pela dupla, o qual já se encontrava esgotado há anos. Para tanto, eles iniciaram uma campanha pelo site de financiamento colaborativo Catarse, onde esperam alcançar o valor necessário para a republicação do álbum "The Long Yesterday", contando, ainda, com a história "Belvedere Blues" e textos complementares inéditos. Há, ainda, para os colaboradores mais fortuitos a possibilidade de adquirir itens de colecionador, como canecas, bonés e camisas preparados especificamente para este projeto. Aos interessados em colaborar com essa iniciativa, o link para a página do projeto encontra-se aqui, e aos interessados em acompanhar as novidades do universo desenvolvido por Octávio Aragão, o link para seu site encontra-se aqui.




*Esclarecimento pra quem gosta: a expressão "revista de polpa", advinda do inglês "Pulp magazine" se deve ao fato de as publicações do gênero noir em revistas de papel jornal trazerem cenas de forte violência e imagens de crimes, o que atraía muito os leitores jovens da época. Os críticos de então diziam que esse conteúdo era sensacionalista e que, caso exprimissem uma edição destas, era capaz de escorrer sangue com polpa de dentro das páginas. Em consequência dessa característica, o tipo de produção e de histórias publicadas com essas características noir acabaram, popularmente, ficando associadas a esta expressão até os dias de hoje, perdendo, contudo, seu contexto pejorativo e adquirido uma quantidade maior de adeptos e leitores dedicados.

quinta-feira, 11 de setembro de 2014

A Despedida do Xaxado

Por Gabriel Guimarães


A cidade de Miguel Calmon, na Bahia, perdeu hoje, pela manhã, um de seus filhos mais ilustres. O quadrinista Antônio Luiz Ramos Cedraz, criador dos personagens da Turma do Xaxado, faleceu aos 69 anos, vítima de câncer no intestino, deixando para trás um legado de imenso valor, principalmente no que se refere à abordagem que trazia para elementos do cotidiano do Nordeste brasileiro, além de uma profunda admiração pelos profissionais brasileiros que trabalhavam com a arte sequencial, como Waldyr Ygaiara, Gedeone Malagola, Júlio Shimamoto e Maurício de Sousa.

Apaixonado pelo desenho desde seus 16 anos, Antônio se formou e ocupou a posição de professor de Ensino Fundamental na cidade de Jacobina, tornando-se funcionário do Banco Econômico pouco depois, profissão esta que seguiu até se aposentar. Com o resguardo financeiro adquirido ao longo de sua carreira, investiu no Estúdio Cedraz, onde retomou a produção de muitos personagens que fora criando ao longo dos anos. Tendo sido premiado no 2º Encontro Nacional de Histórias em Quadrinhos, realizado em 1989 na cidade do Araxá, Minas Gerais, Cedraz foi chamado pelo jornal "A Tarde", de Salvador, para produzir tirinhas de forma regular a partir de 1998.

Seus personagens Xaxado, Zé Pequeno e Marieta, entre outros, foram obtendo sucesso junto aos leitores e acabaram ganhando publicação por editoras como Escala e HQM, chegando até a protagonizar cartilhas para o Estado sobre métodos de prevenção de doenças, além de contínuos estímulos ao respeito ao próximo, o voto consciente e à escolarização dos jovens. Após um período de grande reconhecimento pelos críticos, em que o autor foi premiado com quatro Prêmios HQmix (1999, 2001, 2002 e 2003), Cedraz ainda viu seus personagens receberem apoio da UNESCO. Em meio a essa premiação, Antônio ainda foi premiado com o Prêmio Ângelo Agostini por sua colaboração para os quadrinhos brasileiros (premiação esta restrita apenas àqueles com, pelo menos, 25 anos de trabalho dedicado ao meio). Em 2015, inclusive, o autor seria um dos grandes homenageados do IX Festival Internacional de Quadrinhos (FIQ), em Belo Horizonte.


Cedraz não tinha, contudo, uma estrutura que lhe permitia ir tão além como ele pretendia com sua criação. Ele sempre se mostrou reticente com a preferência do mercado editorial brasileiro de publicar conteúdo estrangeiro ou centralizado no eixo Rio-São Paulo. Em suas entrevistas, ele sempre reafirmava seu desejo de dar voz aos tipos brasileiros esquecidos pelas grandes mídias, acendendo uma consciência social em seus personagens e transmitindo várias facetas da cultura dos nordestinos que acabavam sendo marginalizados ou estereotipados tradicionalmente. Cedraz foi um destemido defensor da cultura genuinamente brasileira, e seu legado, algo muito além de seus personagens e de sua produção gráfica, há de permanecer vivo em cada um de seus muitos leitores, amigos e admiradores. O Xaxado perdeu seu principal cangaceiro, mas a dança não pode parar, e nem deve.

Há, ainda, uma entrevista concedida pelo quadrinista baiano à escritora pernambucana Michelle Ramos, realizada entre fevereiro e março de 2007 para o site "Recanto das Letras", que pode ser conferida aqui, para quem tiver interesse.

quinta-feira, 4 de setembro de 2014

Uma Volta no Circuito Carioca de Quadrinhos

Por Gabriel Guimarães




A manhã desta quinta-feira (04/09) trouxe para a cidade do Rio de Janeiro não apenas uma chuva oscilante que se dissipou por volta do meio-dia, mas proporcionou o início de mais um evento dedicado à paixão pela nona arte, o "HQ-Rio". Organizado pelo professor Carlos de Hollanda em parceria com a universidade Cândido Mendes, em Ipanema, o evento propõe uma nova abertura para a discussão dos quadrinhos no ambiente acadêmico, promovendo o curso de Pós-graduação em Arte Sequencial que tem previsão para ter início no sábado dia 20 de setembro de 2014. Aos interessados em ingressar no curso, sua proposta pode ser encontrada no blog de Hollanda, cujo link encontra-se aqui.

A fim de apresentar as diferentes faces do mercado de quadrinhos, o evento exibe uma amostra com material selecionado de artistas como o também professor Ricardo Leite logo na entrada do sexto andar do edifício, onde o evento está sendo realizado. Com material em preto e branco e colorido, é possível observar o uso da cor como recurso gráfico tanto quando bem aplicada ou quando ausente. Há, ainda, uma ala dedicada ao comércio de revistas antigas tanto nacionais como importadas pelo grupo "Empório do Tempo", representado por Carlos Arafatt e Sérgio Lima. Com pequenas memorabílias de outros eventos como a Rio Comicon de 2010 (cuja cobertura foi realizada integralmente aqui no blog) e salões de humor e quadrinhos, o espaço dedicado a este segmento oferece uma experiência agradável e as histórias por trás de cada item certamente compensam uma visita.

A revista "Potencial Invisível"
é um bom exemplo do uso antropológico
que os quadrinhos podem possuir
Lado a lado com as revistas e álbuns de novela gráfica clássicos, há um espaço dedicado para os autores independentes, que, no primeiro dia, foram Luciano Cunha e Letícia Leão. O primeiro é o autor do quadrinho "O Doutrinador", lançado inicialmente de forma digital por meio do Facebook a partir de abril de 2013, com as páginas sendo publicadas de forma periódica ao longo do tempo no perfil do desenhista e, posteriormente, na fanpage da própria história. Tendo tido contato com a arte gráfica desde os 16 anos, quando trabalhou com Ziraldo, Luciano cresceu como artista no segmento de propaganda e marketing até tornar a lidar profissionalmente com quadrinhos alguns anos atrás, para atender pedidos específicos da editora Abril para algumas de suas revistas ligadas à prática de esportes e vida social ativa, como a "Fluir". Uma vez de volta à arte sequencial, ele se viu muito realizado com a autopublicação de seu primeiro material autoral e pretende dar sequência ao projeto no futuro. Aos interessados em conferir seu trabalho, ele continua postando novas páginas de sua história no Facebook (o link pode ser encontrado aqui). Letícia Leão, junto de seu colega Emanuel Morais, que não pode estar presente, produziu uma revista independente como projeto antropológico para a PUC-RJ sob a orientação dos professores Miguel Carvalho, Gabriel Leitão e Cláudia Bolshaw, narrando a história de quatro ex-moradores de rua acolhidos pela ASAB (Associação Solidários Amigos de Betânia). "Potencial Invisível", como a revista foi intitulada, apresenta uma proposta instigante sobre o olhar que é dado sobre as pessoas ao longo de seu momento de maior necessidade e compreende uma abordagem da narrativa gráfica extremamente interessante pelo seu potencial enquanto ferramenta social.
O personagem de Luciano Cunha, "O Doutrinador" foi um dos
grandes destaques do espaço independente

A pequena réplica do personagem Groot tende
a ser um dos itens mais cobiçados do evento
no estande da "Movie-se"
No corredor que dá no auditório onde serão realizados debates sobre a nona arte, há três estandes de venda de objetos de decoração e de beleza com a temática nerd. "Mari. C" é uma loja virtual desde 2006 com especialidade em pingentes, administrada pela carioca Mariana, enquanto "Movie-se" compreende objetos com temática nerd em geral, como peças customizadas de Playmobile no modelo "Game of Thrones", além de camisas, canecas e quadros. O terceiro estande, da "NanePanda", pertence a Elaine, que organiza todo segundo sábado do mês o evento "El Bazzar", no Colégio ICE, no bairro do Flamengo, onde uma ampla comunidade de empreendedoras na customização de peças de roupa. Especializada em cordões de acrílico, o estande tende a agradar muito o público feminino do evento pelo cuidado aos detalhes em cada peça. Os links para as páginas destes três estandes podem ser encontrados aqui, aqui e aqui, respectivamente.


A entrada do evento é de R$ 3,00, destinados Hospital do Câncer do Rio de Janeiro. É possível ainda dar um quilo de alimento não perecível no lugar do valor do ingresso, que permite ao visitante conferir tudo que o evento oferece. Ao final deste primeiro dia e amanhã, dia 5 de setembro de 2014, ainda ocorrerão as já mencionadas palestras focadas na nona arte, com a participação de profissionais como o ilustrador Diego de Almeida, diretor da Black Fox Studios, o jornalista Carlos Amorim, do Jornal dos Sports, e Hamilton Kabuna, um dos quadrinistas responsáveis pela Capa Comics. O evento vai durar até este sábado, quando contará com uma série de palestras ao longo de todo o dia até seu encerramento às 17h30. Não deixem de conferir!