Por Gabriel Guimarães
Ainda que nossas atividades do blog tenham sido restringidas ao longo deste final de ano por questões técnicas e de cronograma, a publicação de histórias em quadrinhos continuou em ritmo acelerado, tal qual acontecera no resto do ano todo. A fim de apresentar obras que se destacaram e que talvez vocês, leitores, talvez não tenham tomado conhecimento, selecionamos uma lista de edições publicadas neste ano de 2012 que mereceram nossa recomendação. Para evitar uma ordem de valorização entre as obras que compõem nossa lista, não a organizamos numa estrutura de qualidade, mas de uma forma que ela possa ser compreendida por todos de acordo com seu potencial de interesse. Para aproveitar nossa retrospectiva das publicações em quadrinhos de 2012, optamos por acrescentar os comentários sobre o que este ano representou para o meio em si e para nossa realidade brasileira, em particular, a carioca.
O ano começou bastante promissor para a arte sequencial, com a publicação da graphic novel iraniana "Paraíso de Zahra", produzida pela dupla Amir e Khalil, acerca do desaparecimento do irmão do jovem protagonista durante os movimentos estudantis contra as decisões do governo do Irã. De teor dramático e qualidade narrativa precisa, a história emociona e denuncia as barbaridades que muitas pessoas inocentes vivem em meio aos jogos de guerra travados pelos governantes e suas ferramentas sociais. De igual característica expositiva, a história americana "The Silence of Our Friends", do trio Mark Long, Jim Demonakos e Nate Powell, foi lançada no mercado americano, retratando o duro período da batalha pelos direitos civis dos cidadãos afro-descendentes numa comunidade do Texas, nos Estados Unidos. Com relação à primeira publicação citada, vale destacar a triste confirmação do cancelamento do selo editorial Barba Negra, por falta de interesse da editora Leya em manter parceria. Durante seus três anos de funcionamento, o selo dirigido pelo editor Lobo foi de grande importância para a expansão da nova geração de quadrinistas nacionais, sendo responsável por muitos títulos brasileiros, além de outros tantos de qualidade inquestionável provenientes dos mais diversos países.
Na contramão desse triste desinteresse por parte da editora Leya, outras editoras continuaram e até expandiram sua participação no cenário brasileiro de histórias em quadrinhos. É impossível deixar de mencionar as editoras Nemo e L&PM neste caso. A primeira continuou publicando a "Coleção Moebius", com títulos bastante aguardados pelos fãs do artista francês Jean Giroud, que faleceu este ano (fato este que foi comentado aqui no blog), além de expandir o universo do marinheiro Corto Maltese, criado pelo italiano Hugo Pratt, com volumes que até então não haviam sido publicados nas terras tupiniquins, e organizar o material do francês Enki Bilal, com a "Trilogia Nikopol". A produção de clássicos da literatura com a mão de artistas nacionais, como "20.000 Léguas Submarinas", adaptada por João Marcos e Will, também esteve em alta no ano e tornou a editora parte do grupo Autêntica uma das mais atuantes ao longo do ano. A L&PM, que teve sua origem na publicação de tirinhas, foi outra editora que também ganhou muito destaque em 2012, com as duas edições de "Simon's Cat" feitas por Simon Toefeld e publicadas no segundo semestre deste ano, cuja temática tem claras influências no felino protagonista de Jim Davies, Garfield; além do segundo volume da HQ marfinense "Aya de Yopougon", de Marguerite Abouet e Clément Oubrerie, que dá continuidade à história iniciada em 2009 sobre um trio de mulheres africanas e seu cotidiano; e continuou com o excelente trabalho realizado em parceria com a UNICEF para a adaptação de clássicos da literatura como "Mil e Uma Noites", "Guerra e Paz" e "Os Miseráveis" para a nona arte.
Editoras como a GAL e a Companhia das Letras também continuaram com um alto número de publicações de qualidade. A primeira publicou a conclusão da série "Fracasso de Público", de Alex Robinson, que conta a história de aspirantes e profissionais dos quadrinhos e suas jornadas diárias de trabalho e amadurecimento, além de começar a republicar a obra "Love Rockets", de Jaime Hernandez, que fez muito sucesso na década de 1980, e a primeira parte da história "Nação Fora da Lei", de Jamie Delano, Goran Sudzuka e Goran Parlov. O selo de quadrinhos da segunda, a Quadrinhos na Cia., também manteve a diversidade em sua produção, indo desde a esperada segunda graphic novel do americano Craig Thompson, centrada no mundo cultural dos muçulmanos, "Habibi", até a nacional "Máquina de Goldberg", de Fido Nesti e Vanessa Barbara, passando pela elogiadíssima compilação da obra "Diomedes", do brasileiro Lourenço Mutarelli, a biografia em quadrinhos do psicólogo austríaco Sigmund Freud, entitulada apenas "FREUD", da dupla francesa Anne Simon e Corinne Maier e a belíssimamente trabalhada história "Monstros", do chargista Gustavo Duarte.
Apesar de tantas obras terem sido lançadas por estas duas editoras, a Panini, porém, talvez tenha sido a editora responsável pelo maior número de quadrinhos publicados este ano. Responsável pelas histórias da Marvel e da DC, este ano foi um ano de suma importância para a realidade da editora no Brasil. Repetindo o que foi feito nos Estados Unidos quando ocorreu o reboot do universo da DC, ocorreu a zeragem dos títulos publicados aqui, além da mudança na lista de edições disponíveis. No selo Vertigo da editora americana para quadrinhos adultos, a Panini lançou a história de mistério, ficção e questionamento existencialista "O Inescrito", que vale a pena ser conferido, além da republicação dos, então esgotados, primeiros volumes da premiada história "Fábulas", de Bill Willingham, que permanece em alta com o público e a crítica. Para a Casa das Ideias, a editora relançou de forma completa em seis volumes uma das mais populares sagas dos heróis mutantes desse universo em "X-men: Era do Apocalipse", além de ter publicado o segundo arco da saga de futuro alternativo para todos os personagens da editora, "Universo X", de Jim Krueger, Doug Braithwaite e Alex Ross, cuja primeira parte havia sido lançada ainda em 2009. Outra saga que a Panini deu continuidade este ano foi com o maior grupo de heróis do versão Ultimate do universo Marvel, com "Os Supremos 2", de Mark Millar e Brian Hitch, que, apesar de não terem o mesmo nível de aproveitamento da primeira saga dos personagens, em termos de conteúdo, ainda apresentam uma boa narrativa, em sintonia com o filme dos Vingadores lançado no cinema em abril deste ano.
A Panini, entretanto, não se limitou apenas aos lançamentos internacionais, sendo a responsável pela publicação de títulos como o "Ouro da Casa MSP", coletânea no estilo da trilogia MSP organizada pelo editor paulista Sidney Gusman com artistas brasileiros utilizando os personagens do padrinho dos quadrinhos brasileiros, Maurício de Sousa (que já foi comentada aqui no blog), o que também inspirou a série "Graphic MSP", iniciada este ano com "Astronauta: Magnetar", feita pelo desenhista Danilo Beyruth. Dentro da série da "Turma da Mônica Jovem", a Panini ainda publicou duas sagas que chamaram a atenção de leitores e admiradores dos quadrinhos em todo o país. No primeiro semestre, aconteceu o tão aguardado crossover entre os personagens da turma da Mônica e os protagonistas das aventuras do universo do quadrinista japonês Osamu Tezuka. Ambientada na selva amazônica, a história promoveu a importância da ecologia e permitiu, de vez, unir o trabalho de dois valiosos quadrinistas que foram grandes mestres para o meio e grandes amigos entre si (esse marco foi comentado aqui no blog). Em outubro, foi a vez de outro evento aguardado ganhar as páginas, com uma visão do futuro sobre o casamento da Mônica e do Cebolinha (cujo evento de lançamento no Rio de Janeiro foi coberto aqui no blog).
A editora Devir foi outra a participar do ano dos quadrinhos, lançando "The Spirit - Mais Aventuras", segundo volume em homenagem a um dos pioneiros da arte sequencial, o americano Will Eisner, o segundo volume da série brasileira produzida em parceria com o ProAC, "Jambocks! 2", de Celso Menezes e Felipe Massafera, sobre a participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, a conclusão das histórias dos personagens literários reunidos por Alan Moore e Kevin O'Neill, em "Liga Extraordinária 2009", além do livro "Revolução do Gibi", que apresenta em forma impressa uma grande quantidade de postagens do Blog dos Quadrinhos, organizado pelo professor de Letras na USP, Paulo Ramos.
Adaptação da Bíblia para história em quadrinhos |
"20th Century Boys", de Naoki Urasawa, começou a ser publicado em 2012 |
Outros títulos que merecem destaque são "Mas Ainda Podemos Continuar Amigos", do alemão Mawil, publicado pela editora Zarabatana, sobre os percalços do autor na procura por um relacionamento amoroso; "Valente para Todas", segunda coletânea de tiras do talentoso desenhista mineiro Vitor Cafaggi (que já foi tema de matéria aqui), publicada de forma independente; A edição de luxo com histórias clássicas do bárbaro mais famoso dos quadrinhos, "Conan, O Libertador - Edição Histórica", pela editora Mythos; O polêmico livro de análise do universo dos super-heróis sob a ótica mitológica, escrito pelo roteirista Grant Morrison, "Superdeuses", pela editora Seoman; A visceral ficção com referências ao escritor chinês Sin Tzu e sua principal obra, "A Arte da Guerra", feita pela dupla de primeira viagem Kelly Roman e Michael DeWeese (para o qual, realizamos um review para o site Universo HQ, que pode ser conferido aqui), publicada pela editora BestSeller, parte do grupo Record; A adaptação do livro que deu origem ao cristianismo, feita de forma atenta e cuidadosamente bela pelo brasileiro Sergio Carielo, "Bíblia em Ação - A História da Salvação do Mundo", de mais de 300 páginas, publicadas pela editora Geographica; A nova série de mangá "20th Century Boys", de Naoki Urazawa, publicado pela já destacada editora Panini, sobre uma conspiração de dominação do mundo que tem origem na infância dos protagonistas da história, que já chegou até a virar filme no Japão; "Face Oculta", do italiano Gianfranco Manfredi e do desenhista já citado Goran Parlov, publicado também pela Panini, cujo enredo se desenrola nas colônias italianas do Século XIX; O livro de homenagem à exposição realizada em 1951 com a indústria de quadrinhos como tema, "A Reinvenção dos Quadrinhos - Quando o Gibi Passou de Réu a Herói", escrito e vivido por Alvaro de Moya, publicado pela editora Criativo; E a primeira graphic novel produzida pelo site Jovem Nerd de forma autoral, "Independência ou Mortos", com uma visão diferente do momento de independência do Brasil soba ótica da cultura de terror dos filmes de mortos-vivos, feita por Fábio Yabu e Harald Stricker.
"Independência ou Mortos", de Fábio Yabu e Harald Stricker |
Fora do Brasil, também foram lançados materiais que merecem destaque, tais como a edição de luxo em homenagem a um dos pioneiros do quadrinho underground, "The Art of Harvey Kurtzman", escrito por Denis Kitchen e Paul Buhle e publicado pela editora Harry N. Abrams, Inc.; A biografia do matemático Richard Feynman, feita em quadrinhos pela dupla Jim Ottaviani e Leland Myrick sob o título simples de "Feynman"; E o mais recente trabalho do americano Joe Sacco, "Journalism", que é composto de uma série de pequenas histórias de coberturas jornalísticas realizadas pelo autor ao redor do mundo todo. Estes dois últimos foram publicados pelas editoras First Second e Metropolitan Books, respectivamente.
Não propriamente contando como publicações novas, dois títulos acabaram ganhando destaque por uma razão diferente. A editora HQM decidiu lançar a partir deste ano as edições avulsas de "The Walking Dead" de regularidade mensal, além de manter sua tradicional publicação no formato graphic novel, a fim de explorar todos os nichos de mercado que estão sendo afetados pela alta popularidade da versão televisiva do quadrinho feito pelo americano Robert Kirkman. Enquanto isso, a editora Europa deu uma grande notícia para os fãs de quadrinhos, ao tornar sua revista "Mundo dos Super-Heróis" uma publicação mensal, suprindo, dessa forma, a crescente demanda que o mercado vem apresentando.
Em suma, o ano de 2012 teve uma quantidade realmente incrível de publicações valiosas apresentadas em forma de arte sequencial ou sobre esta, e nós, leitores, ganhamos muito com isso. Ganhamos histórias de vida, modelos de comportamento, qualidade de conteúdo para divulgarmos e novos meios pelo qual interagirmos recorrendo às nossas mais intrínsecas emoções. 2012, todavia, não foi perfeito. Perdemos grandes nomes que marcaram nossas vidas com seus trabalhos, como Joe Kubert (fato que foi comentada aqui no blog), Keiji Nakazawa e até o já citado Moebius. A organização do maior evento internacional de quadrinhos do Rio de Janeiro encontrou problemas para formar parcerias e deixou de ser realizado após dois anos de sua abertura. As histórias em quadrinhos brasileiras perderam uma grande marca que vinha se consolidando, o selo editorial Barba Negra, conforme já foi destacado no começo desta matéria.
Não nos concentremos, porém, nos pesares, mas inspiremos o máximo possível dos bons momentos deste ano que finda amanhã. Que os relacionamentos criados através dos quadrinhos possam se fortalecer, criando laços de amizade e cordialidade para durarem eternamente. Que possamos nos reunir no próximo ano para continuar nossas discussões sobre este meio que tanto nos apaixona e nos seduz, e no ano seguinte a esse, e no ano seguinte a esse, e assim por diante. Que vejamos esta arte crescer e assumir seu posto de direito dentro da cultura popular e erudita. Que possamos todos, afinal, ter um 2013 pleno de emoções e de quadrinhos, regados a muitas amizades fortalecidas e outras novas. Nos vemos lá!