Por Gabriel Guimarães
Qualquer que seja o produto a ser analisado, todos os especialistas chegam a uma conclusão invariável: é necessário a concorrência para que o produto seja percebido, de fato, pelo público. As marcas são construídas especificamente para que o consumidor X compre o produto com aquele símbolo único e não aquele com um símbolo diferente.
A indústria de quadrinhos demonstra não ser em nada diferente dessa máxima dos negócios. Para que o consumidor seja atraído a comprar a revista X ao invés da revista Y, a possuidora dos direitos referentes à publicação da primeira tomará atitudes para: ou elevar sua marca demonstrando sua respeitabilidade, seu grau de consciência ecológico e social, seu maior apreço com o leitor, seu baixo custo de aquisição, etc; ou depreciar o concorrente, a fim de criar uma sensação de que o público pode escolher qual produto vai comprar, mas se quiser um produto de qualidade, tem que ser o da marca X (no caso, gerando uma ilusão de liberdade de consumo).
Desde que os quadrinhos começaram como meio de comunicação de massa, há mais de um século, essa posição relativa ao marketing entre as editoras tem sido algo que vale ser notado e estudado com um certo grau de atenção. Muitos dos grandes casos foram e ainda são, inclusive, casos de tribunal de justiça, onde um autor ou editora luta pelos direitos sobre um personagem publicado por outra editora. Vide os casos do Capitão Marvel (caso DC comics x Fawcett comics) e Superman (caso herdeiros de Jerry Siegel e Joe Shuster x DC comics). Mas uma das recentes movimentações no mercado quadrinístico tem me chamado a atenção para as novas dimensões que a concorrência tem partido.
A DC comics abocanhou uma boa fatia das vendas de quadrinhos no mundo todo com a mais recente megassaga de seus heróis centrada no personagem que em breve estará nas telas de cinema, Lanterna Verde, com a história A Noite Mais Densa. Esse fato, logicamente, provocou preocupação à Marvel, que se viu perdendo território. Quando outrora numa situação dessas, a Marvel responderia de cabeça erguida, sem dever nada a ninguém, publicando histórias de alto nível e refinada qualidade, a editora (hoje mais para empresa multimídia que mera editora de quadrinhos, na verdade) respondeu de uma forma que chocou muitos dos estudiosos do meio e até alguns artistas: prometeu premiar com uma edição de uma revista especial com capas alterntativas exclusivas os donos de comic shops que enviassem para a sede da Casa das Ideias 50 capas das edições da minissérie da DC rasgadas, sem o restante da edição. Isso é uma depredação de tudo aquilo que uma revista em quadrinhos deveria simbolizar. Nós lemos as histórias dessas editoras para podermos ir além das limitações físicas e sensoriais que temos nas nossas vidas corriqueiras, para estarmos em sintonia com um universo que, muitas vezes diferente do nosso, funciona com uma certa lógica e sem tanta burocracia estúpida.
Sou leitor assíduo tanto da Casa das Ideias, que no passado abrigou o mestre Stan Lee, quanto da editora DC, orquestrada de forma precisa por grandes profissionais como Dick Giordano. Concordo que é preciso a concorrência das duas para que não haja muita perda de qualidade em relação ao que é publicado, uma vez que se só houvesse uma editora no ramo, esta não precisaria se preocupar de perder o cliente para outra fornecedora desse meio de comunicação e, portanto, não primaria pela qualidade de suas histórias, porém, acho um absurdo chegar a esse ponto da violência contra o meio que ambas tratam em si.
Sei que esse tema já foi debatido alguns meses atrás quando estava mais em evidência que agora, porém, senti-me motivado a escrever sobre ele ao saber sobre o que seria o próximo grande evento Marvel.
--Alerta de SPOILER--
A saga Chaos War será marcada pelo retorno de muitos personagens falecidos no universo Marvel ao reino dos vivos, o que obviamente, gerou muitas críticas de plágio da história A Noite Mais Densa, da DC. Partindo de um ponto que infelizmente se tornou praxe no mercado de quadrinhos desde a década de 1990, a Marvel utiliza da regra de que 'as edições com morte de personagens vendem bem, e o seu retorno mais ainda' para usar e abusar de algo que deveria ser um grande diferencial no universo dos personagens de quadrinhos. Vou ponderar sobre esse tema da morte corriqueira em uma matéria voltada precisamente para isso, mas por agora, ponho na mesa o debate de: onde foi parar os parâmetros da concorrência?
Numa situação que poderia render frutos tanto para o público quanto para a nona arte em si, que seria impulsionada pelos profissionais envolvidos na produção de histórias a ir além do padrão, criando momentos que ficariam eternizados nas mentes e nas vidas dos leitores, as editoras têm se mostrado arredias, sem coragem de arriscar coisas novas, partindo para uma estratégia contra a cordialidade e reconhecimento de que ambas estão lutando por um mercado maior, que precisa ser lembrado de seus pontos positivos constantemente para não ser discriminado pela maioria, as histórias em quadrinhos.
Recentemente, o nível dos quadrinhos, os quais muitos estão indo para as grandes salas de cinema do mundo todo, tem sido analisado por psicólogos e sociólogos como más influências para os mais jovens. Isso te lembra alguma coisa? Essa discussão existe desde que os quadrinhos se expandiram e se tornaram integrantes fixos dos lares americanos, e, apesar de muitas vezes no passado, ter usado de argumentos fundados em histórias conscientes e inteligentes que eram publicadas aos montes, hoje há uma quantidade ínfima de exemplos para provar o contrário do que esses estudiosos propõem novamente trazer de volta à julgamento. Não podemos deixar que surjam novos Frederic Werthams, mas sim que hajam mais e mais exemplos de que este, que foi o maior crítico da arte sequencial, estava completamente errado nas suas conclusões.
Ponderemos então em que direção os quadrinhos estão indo, e percebamos que se não nos unirmos e realmente empenharmo-nos na busca por não apenas uma história, mas sim um padrão de qualidade mais elevado para os dias vindouros, não haverá sequer um amanhã pelo qual as grandes editoras tanto degladiarem. Há coisas maiores do que apenas a concorrência entre marcas neste caso, e a sobrevivência desse meio de comunicação é uma delas.
Referências:
BRETON, Phillipe. A Manipulação da Palavra, 1999. Editora Loyola.
http://www.omelete.com.br/quadrinhos/chaos-war-nova-saga-da-marvel-vai-ressuscitar-herois-da-editora/
http://www.universohq.com/quadrinhos/2010/n20082010_05.cfm