Por Gabriel Guimarães
Exatamente um mês atrás, comentamos aqui no blog sobre o papel das editoras na formação de novos leitores, abordando muito superficialmente o caso da editora HQM e o cancelamento da linha de revistas mensais do selo norte-americano Valiant. Conforme destacamos na época, a defasagem entre a tiragem da revista e a procura pela mesma nas bancas de jornal e demais pontos de venda ao redor do Brasil foi a causa para essa decisão por parte dos editores, que criticaram nas redes sociais a falta de participação dos leitores que aparentemente enchiam os títulos lançados de elogios, mas que deixavam de contribuir com a compra propriamente dita das revistas. Isso gerou uma discussão considerável em sites como o Ponto Zero e o Terra Zero, que fizeram questão de observar a situação dos dois pontos de vista do caso. A fim de observar de forma adequada o panorama do mercado editorial de histórias em quadrinhos no Brasil, é importante adentrar neste caso em particular, esclarecendo algumas dúvidas que podem ter surgido em nossa última matéria e aprofundando um pouco mais nas considerações do trabalho de responsabilidade das editoras para o fomento do mercado leitor brasileiro.
Anunciado em abril de 2013, o lançamento da HQM pretendia preencher uma lacuna no mercado de revistas de super-heróis com projeções realistas no mundo globalizado no qual nos encontramos hoje. Enquanto muitos leitores reclamavam da falta de veracidade dos personagens das histórias do gênero heroico dos quadrinhos, a editora norte-americana Valiant, fundada no ano de 1989 por dois ex-profissionais da Marvel, Jim Shooter e Bob Layton, procurou dar nova perspectiva à existência de seres com capacidades extra-ordinárias em seus próprios títulos, reiniciados em 2012, dentre os quais se destacavam o carro-chefe "X-O Manowar", "Harbinger", "Archer &Armstrong" e "Bloodshot". Contratando autores com bagagem na indústria de quadrinhos, como Robert Venditti, Cary Nord, Duane Swierczynski, Matt Kindt, Clayton Henry, entre outros, a editora rapidamente se tornou relevante nas vendas das comic shops norte-americanas, como já ocorrera na primeira investida da editora na década de 1990.
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Uma das edições dos anos 1990 da editora |
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Pôster da parceria da editora Valiant com o programa BiblioBoard |
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Tabela dos eventos e convenções nos quais a Valiant participará em 2015 nos Estados Unidos |
As mídias especializadas precisam estar atentas e ativas, o que nem sempre acontece no que diz respeito a todas as publicações de quadrinhos no Brasil, mas é da responsabilidade delas trabalhar com os conteúdos publicados a fim de que o mercado tenha consciência do que lhe é oferecido e como e onde pode consumir esses produtos. Quanto ao selo Valiant, ocorreu, de fato, uma defasagem, se não ausência, desse trabalho em várias frentes. Nós, do Quadrinhos Pra Quem Gosta, nos incluímos, também, nesse mote. Os títulos da HQM estavam em nossa pauta para discussão, porém, uma série de fatores acabaram nos tirando a perspectiva que deveríamos ter tido quanto ao caso em seu momento de construção. Com dificuldades para conseguir novos leitores e equilibrar financeiramente o projeto, a editora acabou passando por um hiato de publicação de quase seis meses durante a tentativa de fomentar o mercado para essa "nova" linha de personagens e, alguns meses atrás, acabou por confirmar o cancelamento dos títulos mensais de "X-O Manowar" e "Universo Valiant".
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Conforme referimo-nos ao desenhista Orlando Pedroso, a responsabilidade pela formação do público leitor não é exclusivo das editoras, mas algo que todas as partes necessitam de assumir suas respectivas ações necessárias para um trabalho conjunto em prol dessa boa troca entre produtores, editores e leitores. Nós, mais uma vez, assumimos nossa parcela de responsabilidade sobre os erros praticados no caso do selo Valiant, porém, rechaçamos tanto uma crítica extrema aos profissionais do livro como aos leitores e interessados nesses conteúdos. Não adianta buscar bodes-expiatórios para reduzir um problema maior a uma nomenclatura ou atribuir simplesmente a alguns a culpa e dar o caso por encerrado. Como mercado e como participantes ativos nesse processo de formação cultural e expressivo por meio da arte sequencial, é da responsabilidade de todos nós sempre atentar para o que nos é possível melhorar para que as próximas grandes oportunidades não sejam desperdiçadas, mas sim comemoradas e aproveitadas ao máximo.
Agora, para encerrar, a editora HQM trouxe à tona uma discussão extremamente pertinente e que pode ser fator de grande impacto no mercado editorial de revistas em quadrinhos no Brasil. Diante do lamento que muitos dos leitores expressaram diante da notícia do cancelamento dos títulos mensais, o editor Artur Tavares levantou a possibilidade de trabalhar as histórias que ainda estavam abertas para serem encerradas em revistas no mesmo formato e molde dos títulos mensais, mas que seriam vendidos de forma direta das editoras para os leitores, publicando, assim, apenas o montante referente aos pedidos já previamente estabelecidos pelo mercado consumidor. Esse esquema é similar ao realizado nas comic shops norte-americanas, que recebem muitas vezes das editoras exatamente o número contado de edições requisitadas com base nos seus clientes e na potencial procura por aqueles materiais. Isso pode superar uma limitação comum que já é encarada por muitos produtores de conteúdo impresso no nosso país, o monopólio das distribuidoras, conforme o site Judão apontou em matéria que pode ser conferida aqui. Caso essa proposta de Tavares e da HQM surta efeitos positivos, isso pode revolucionar a produção da arte sequencial no país, apresentando toda uma nova estratégia de comércio e veiculação do conteúdo editorial. Resta-nos, então, observar os resultados que essa proposta vai apresentar e, cada um, assumir as responsabilidades por um funcionamento adequado da estrutura do mercado cultural brasileiro.
A quem tiver interesse, o editor Artur Tavares deu uma entrevista sobre a realidade do mercado encarada pela HQM no momento do cancelamento dos títulos Valiant, para o site Terra Zero, que pode ser conferida aqui. Há, também, uma matéria minuciosa realizada pelo editor Abraham Reisman, da New York Magazine, sobre a história da editora Valiant e dos executivos responsáveis por esse novo tempo áureo que as suas publicações estão vivendo no momento, que pode ser conferida aqui. E, para encerrar, há confirmação da chegada dos títulos da Valiant aos cinemas a partir de 2016, o que poderia ser uma oportunidade para alavancar em muito as vendas das revistas desses personagens tanto nos Estados Unidos, como no Brasil, conforme pode ser observado aqui.
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Novos horizontes podem se apresentar à editora do título "X-O Manowar" |