sexta-feira, 8 de agosto de 2014

As peripécias de Zózimo Barbosa

Por Gabriel Guimarães



 O quadrinista Wander Antunes talvez não seja tão conhecido do público no mercado brasileiro, uma vez que suas mais premiadas obras foram lançadas no mercado europeu pela editora suíça Paquet, porém, em 2007, a editora Pixel lançou aqui no Brasil um álbum com histórias curtas de um de seus primeiros personagens, o investigador particular e boêmio Zózimo Barbosa. "O Corno Que Sabia Demais & outras aventuras de Zózimo Barbosa" apresentava sete histórias ambientadas no Rio de Janeiro da década de 1950, com os sonhos, costumes e personalidades da época sob a perspectiva do pouco ortodoxo protagonista e sua rotina de lidar com as figuras de estirpe elevada porém questionável da sociedade carioca.

Criado originalmente pelo autor goiano para a revista Estação Leitura, produzida em parceria com a Secretaria de Cultura de Mato Grosso, em março de 2004, Zózimo Barbosa preencheu o imaginário de muitos cidadãos mato-grossenses durante o horário de pico nos transportes públicos onde a revista era distribuída gratuitamente. Ainda que a publicação tenha tido um número pequeno de edições, reflexo do investimento reduzido feito de forma anual no conteúdo, o personagem adquiriu alguma popularidade e a revista, que contava com artigos de acadêmicos brasileiros e textos de autores pouco conhecidos do público manteve-se em circulação até 2008. Antunes, que ocupara também a função de editor da publicação, passou a focar sua produção para o mercado europeu, onde já criara graphic novels como "Ernie Adams" e "Big Bill est mort" (uma entrevista muito interessante dada pelo autor para o jornal "Diário de Cuiabá", em setembro de 2007, acerca de sua carreira no mercado de quadrinhos pode ser conferida aqui).

Já conhecido dentro do mercado de revistas em quadrinhos  por seu trabalho junto a títulos como "Os Trapalhões", "Sérgio Mallandro" e outras publicações que adaptavam apresentadores de sucesso na televisão brasileira para a nona arte, o desenhista Gustavo Machado não foi apenas o responsável por ilustrar as desventuras de Barbosa, como ajudou a criar todo seu universo visual da época. Com um traço limpo e  um bom domínio da narrativa gráfica, Machado conduziu com fluidez o desenrolar dos casos escritos por Antunes, e garantiu um material de grande qualidade como um todo para a publicação. Após o término da revista, o desenhista continuou a produzir conteúdo para as revistas de dentro do próprio Brasil, com destaque para sua participação em revistas como "Zé Carioca" e outras publicações Disney.

Para complementar o material produzido pela dupla, o desenhista Paulo Borges, também conhecido por seu trabalho nos quadrinhos Disney e premiado cinco vezes pela editora Abril, colaborou na ilustração de duas das histórias de Zózimo Barbosa publicadas no livro da editora Pixel. Ativo no meio desde 1987, os desenhos de Borges mantiveram o teor clássico das tramas noir escritas por Antunes e proporcionaram um belo resultado junto ao material produzido pela dupla responsável original, rendendo à publicação o prêmio HQMix no seu ano de publicação.

Paulo Borges, Wander Antunes e Gustavo Machado, respectivamente

As aventuras protagonizadas por Barbosa na edição da Pixel oferecem ao leitor uma experiência agradável tanto em termos de enredo quanto em termos de desenho, trazendo em ambos uma parte da "inocência" das publicações da época em que as tramas se desenrolam, ao mesmo tempo em que subvertendo várias expectativas, apresentando os elementos contraditórios que compunham muitos dos homens de negócio e dos relacionamentos conjugais da época. Apresentado em uma estrutura de casos curtos, o conteúdo das histórias se assemelha às crônicas de Nelson Rodrigues acerca das particularidades da natureza humana dos personagens trabalhados, elemento este que o próprio Antunes afirma ter considerado como uma referência para a criação de seu trabalho. Contando com algumas poucas cenas mais voltadas para o público mais adulto, envolvendo sexo, morte e desvirtuamento de valores, a publicação certamente torna-se um conteúdo mais restrito sem, contudo, por isso perder suas grandes qualidades.

Exemplo de uma das páginas do álbum
A leitura do material instiga o leitor a querer saber mais dos personagens comuns na estrutura das histórias de Antunes, como Bonitão, o policial Paranhos e o próprio Zózimo, mas satisfaz ao apresentar casos de arco fechado (com introdução, desenrolar e conclusão), cada qual de acordo com aquilo que se propunha. A pesquisa histórica também é algo que merece ser elogiada na avaliação da obra, uma vez que todos os elementos da história parecem realmente ter saído de fotos clássicas e livros de história. As gírias da época oferecem um certo entrave nas primeiras histórias da publicação, porém, são rapidamente absorvidas e tornam os diálogos consideravelmente mais fluídos. O grande destaque negativo da publicação, entretanto, é que termina tão rápido quanto começa, tendo apenas 64 páginas, das quais algumas ainda são dedicadas a argumentos pré e pós-textuais.

O álbum "O Corno Que Sabia Demais & outras aventuras de Zózimo Barbosa", portanto, é um material que merece ser conferido pelos leitores interessados em histórias de detetive do gênero noir, além de ser uma proposta muito interessantemente adaptada para o contexto nacional brasileiro da década de 1950. Apesar de não dar sinais de existir uma nova publicação desse conteúdo, uma vez que cada um dos quadrinistas envolvidos estão engajados em novos materiais, o material deixa um desejo de ler mais histórias no universo desses personagens. Torçamos para que o futuro nos reserve algo dessa natureza em breve. 

NOTA GERAL: 4 ESTRELAS

Um comentário:

Gustavo Machado disse...

Olá Gabriel! Agradeço pelo prestígio e pelos elogios ao meu trabalho. Desenhar o Zózimo sempre foi prazeroso, tanto pelos ótimos textos do Wander, como também por propiciar pesquisas de época, o que sempre gostei de fazer. Além disso, o cenário é o Rio de Janeiro, minha cidade natal. Em tempo... É só o Wander se interessar que voltaria a desenhar com prazer novas aventuras do detetive de 5ª categoria. Inclusive, existem duas HQs inéditas que não saíram no álbum, apenas nas revistas "Estação Leitura" e "Paratodos". Abraço,
Gustavo Machado