Por Gabriel Guimarães
Existe, no campo das histórias em quadrinhos, em especial àquele relativo ao universo dos super-heróis, uma imagem consideravelmente estabelecida de protagonistas fortes, talentosos e dotados de habilidades especiais que os tornam únicos, ao mesmo tempo em que semelhantes ao resto da população que os cerca. Com capacidade sobre-humana e dons provenientes da vasta imaginação dos roteiristas e autores, esses personagens travam batalhas e percorrem jornadas de grande dificuldade para se afirmarem enquanto indivíduos e conquistarem seu lugar de direito. Na vida real, porém, a linha que separa a ficção da fantasia não é tão tênue e tampouco os protagonistas são tão poderosos. Ainda assim, a mensagem transmitida pelas história ficcionais é capaz de exercer grande impacto na realidade de pessoas que necessitam de ajuda.
O mais recente caso dessa relação teve como cenário o hospital A. C. Camargo, em São Paulo. Inaugurado em 23 de abril de 1953 como um estabelecimento independente voltado para o tratamento de pessoas com câncer, o hospital recebeu seu nome em homenagem ao professor de medicina da USP, Antônio Cândido de Camargo, que, quase vinte anos antes, fora o responsável pela fundação da Associação Paulista de Combate ao Câncer (APCC). Com o passar do tempo, os tratamentos foram sendo aprimorados e adaptados à realidade dos pacientes, para que estes pudessem lidar com as dificuldades de sua doença. É por essa razão que o hospital firmou parceria com a agência de propaganda e publicidade JWT Brasil, a fim de viabilizar uma estratégia diferente de apresentar o processo da quimioterapia para crianças e jovens com câncer. Com apoio da DC comics, que disponibilizou os personagens de seu catálogo, o hospital desenvolveu a campanha "Super-fórmulas contra o Câncer". Apresentada em formato de uma história em quadrinhos, produzida especificamente para contextualizar a necessidade do soro hospitalar, as crianças tiveram a chance de compreender melhor a importância do tratamento que estavam fazendo e que, apesar de difícil, elas poderiam se recuperar em breve, tal qual seus heróis. O vídeo abaixo detalha melhor o projeto e o significado dessa parceria internacional por um tratamento melhor e mais atencioso aos jovens pacientes.
Geoff Johns, Diane Nelson e Jim Lee, respectivamente, no lançamento da campanha "We Can Be Heroes" |
Outras campanhas no passado igualmente utilizaram personagens das editoras Marvel e DC para inspirar um maior cuidado contra doenças e perigos do mundo real. A proposta utilizada pela Associação de Luta Contra o Cancro (ALCC), de Moçambique, em parceria com a agência DDP Maputo, que utilizava as super-heroínas das duas editoras norte-americanas para a divulgação dos exames preventivos contra o câncer de mama é um exemplo forte disso. Com repercussão mundial em 2011, a campanha sensibilizou muitas pessoas e ganhou destaque nas redes sociais na época. Em 2012, a DC também organizou um outro projeto em parceria com organizações médicas internacionais para combater a fome na África, com atenção especial para a Etiópia, o Quênia e a Somália, com o título "We Can Be Heroes", cujo site pode ser acessado aqui. A campanha continua em atividade e conta também com a parceria do cantor Chris Daughtry, que relançou uma música especial para o projeto, chamada "Rescue Me". O vídeo com a introdução da versão acústica dela pode ser conferido abaixo.
O uso de personagens do universo dos quadrinhos como ferramenta de conscientização social e de recurso de inspiração para uma vida mais saudável, porém, não se restringe apenas ao campo dos super-heróis. Outros personagens da nona arte já figuraram campanhas de saúde e de mobilização social. A "Turma do Xaxado", do baiano Antônio Luiz Ramos Cedraz, participou este ano de cartilhas contra a proliferação do mosquito da dengue, e a "Turma da Mônica", do paulista Maurício de Sousa, esteve presente em campanhas ao longo de várias décadas para explicar aos seus leitores assuntos relativos à saúde e ao convívio social. O jornal "O DIA", inclusive, realizou uma entrevista com Maurício no último mês de fevereiro dando atenção especial ao tema, que pode ser conferida aqui.
De maneira menos politicamente correta, o assunto da saúde também já ganhou as páginas de diversas histórias em quadrinhos, que adquiriram um tom de testemunho pessoal e de compartilhamento de experiências. O quadrinista americano Harvey Pekar apresentou aos seus leitores uma maior conscientização sobre os efeitos do câncer na vida e mente de uma pessoa através de suas histórias autobiográficas "American Splendor" e "Our Year With Cancer". Na França, o autor Pierre-François Beauchard, mais conhecido por seu pseudônimo David B., apresentou em "Epilético", também uma obra autobiográfica de teor instrucional e pessoal, suas experiências com seu irmão que sofria de epilepsia. Na tira "A Vida com Logan", o autor paulista Flavio Soares apresenta detalhes de seu convívio com seu filho Logan, que tem síndrome de Down. As histórias dele já alcançaram muitas famílias que passam por situações parecidas e permitiram uma união maior de pessoas pelo bem estar de crianças com necessidades especiais. O site dele pode ser conferido aqui.
Exemplo de tirinha da "A Vida com Logan" |
Portanto, o potencial das narrativas gráficas para a propagação de informações sobre questões de saúde é enorme, tal como seu poder de inspiração para ajudar pessoas a superarem obstáculos e alcançar objetivos cada vez maiores. É muito gratificante observar os efeitos dessas obras e atentar para a repercussão que estas têm para com o público, então, fica dado o convite para que você, leitor, possa estimular também aos outros e a si mesmo por uma vida melhor. Apenas juntos seremos capazes de cuidar de quem mais precisa.
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