quinta-feira, 3 de maio de 2012

Piratas do Rio Pequeno

Por Gabriel Guimarães

Os personagem mais conhecidos de Laerte, "Piratas do Tietê", acabam
por retratar de forma irônica a atual situação do autor, que merece atenção do público

Para se conhecer o trabalho do cartunista Laerte Coutinho não é preciso pesquisar tão a fundo. Presente em livros escolares, tiragens diárias de diversos jornais ao redor do Brasil e em livros dedicados unicamente a seu trabalho, o autor, já bastante conhecido pela sua produção desde a década de 1970, com personagens como "Overman" e "Piratas do Tietê" e histórias como "Strip Tiras", recentemente voltou a chamar grande atenção da mídia por outra razão: mesmo sem haver um interesse na homossexualidade, Laerte passou a se vestir unicamente como mulher há alguns anos e se tornou uma das grandes caricaturas ambulantes do universo em que suas próprias histórias tomam lugar. Falar da história de vida profissional dele iria muito além dos vestidos, brincos ou mesmo nanquim e papéis gastos em seus trabalhos. Seu papel para o crescimento da arte sequencial no país é imprecindível, e vale ser lembrado mediante a luz de acontecimentos recentes.

Larte Coutinho no seu visual dos anos 1980
Fundador junto com o outro quadrinista Luiz Gê, também em atividade nos dias de hoje, da revista "Balão", enquanto ainda estudava na Escola de Belas Artes, Laerte contribuía com diversas publicações voltadas para o mercado nacional de quadrinhos, e suas histórias rapidamente refletiram o tom político no qual o Brasil estava sob efeito: o da ditadura militar. Produzindo material em apoio aos presos políticos e participando ativamente dos periódicos do sindicato dos metalúrgicos, como forma de dar algum apoio às causas mais populares, foi apenas na década de 1980 que a carreira de Laerte deslanchou. Através de parcerias com outros grandes nomes do quadrinho brasileiro fortemente influenciado pelo estilo underground norte-americano, como Angeli e Glauco, Laerte publicou material em publicações que tiveram grande retorno do público, o que permitiu, em 1985, que ele lançasse seu primeiro livro solo, "O Tamanho da Coisa", que era composto por uma coletânea de suas tiras.

Anos depois, em 1991, começou a apresentar de forma sequenciada no jornal "Folha de São Paulo" sua tira mais famosa, "Piratas do Tietê", após oito anos sendo publicadas em fontes das mais diversificadas, em geral pela editora Circo, o que o catapultou aos holofotes como um dos grandes cartunistas do país. Laerte se tornou um dos sinônimos do humor nos quadrinhos do país e até hoje é considerado um dos grandes mestres do gênero na mais que centenária história do meio.

Laerte com seu visual mais recente, que tem sido referência
nos atuais eventos envolvendo a nona arte ao redor do Brasil
À luz de toda essa grande história de vida profissional, é com grande choque que hoje chega a informação que, durante a madrugada do dia 1º de maio, no bairro paulistano de Rio Pequeno, onde se encontra a casa de Laerte, ocorreu uma invasão por assaltantes que levaram dois computadores e um disco rígido externo contendo nada menos que cerca de 12 anos do trabalho deste grande quadrinista, além de dois violões, um microondas, um aparelho de DVD e dois botijões de gás. É uma grande lástima ver um país que vive um momento de grande ascensão do interesse pela nona arte sofrer baques de notícias como essa, e a mobilização nas redes sociais pelo retorno desse trabalho tem sido bastante considerável, o que demonstra uma maior preocupação com a preservação dos objetos de valor cultural para o mercado de quadrinhos brasileiro e para a própria história política do país. O autor, entretanto, quando questionado acerca do roubo, demonstrou que considera os esforços do público louváveis, mas de resultado bastante difícil, porém, aproveitou para denunciar, como sempre foi sua marca fazê-lo, outras atividades de interesse social que muitas vezes não chegam ao olhar da mídia tradicional, como uma disputa entre policiais e sem-tetos que ocorreu na Praça da Sé, no dia seguinte ao do assalto de sua casa.

Quem tiver qualquer informação sobre esse material roubado, fica aqui o desejo sincero de que entre em contato com os representantes legais envolvidos no caso, em especial, as autoridades que estão investigando o caso. A comoção tem sido muito grande pelos fãs do artista, e eles merecem realmente ver seus esforços serem recompensados com a justiça devida. Temos sido bombardeados com notícias relacionadas a problemas de ordem social que partem para o prejuízo de pessoas honestas, sejam ligadas aos quadrinhos ou não, e isso não pode continuar a acontecer sem que haja um acerto de ordem moral sobre o que tem sido passado pelas mídias mainstream à sociedade. Em 2010, perdemos a irreverência de Glauco, antes disso, um proeminente colorista brasileiro, Hermes Tadeu, que trabalhava na época para a Marvel, também foi assassinado durante um assalto fracassado no litoral de São Paulo. É mais do que hora de dar um basta nesse problema de violência com o qual acabamos por nos acomodar, e a pressão sobre as autoridades responsáveis torna-se algo mais que necessário. Não deixemos o crime passar sem retificação, e que os prejudicados, como neste caso específico de hoje Laerte o foi, possam ter o retorno de forma justa. Não basta apenas admirarmos as atitudes dos heróis nos quadrinhos, devemos aplicar os ensinamentos éticos aos cenários particulares de cada  um de nós. Se todos fizermos nossa parte, podemos chegar muito além dos sonhos mais otimistas para o cenário brasileiro, seja no mercado editorial quanto na vida em sociedade em si. Afinal, como belamente o disse o estadista, escritor e autor Edmund Burke, "Tudo o que é necessário para que o mal triunfe é que os homens de bem nada façam". Reflitamos acerca disso.

O jornal do SBT produziu um pequeno vídeo com o anúncio do assalto à casa de Laerte que pode ser conferido aqui, a quem interessar possa. O cartunista e sua família passam bem, de acordo com os meios de comunicação.

ATUALIZAÇÃO DA MATÉRIA


Nesta sexta-feira, dia 29 de junho de 2012, o 93º Departamento Policial de São Paulo, localizado na região do Jaguaré, onde foi registrado originalmente o furto do material de Laerte, chamou o cartunista para reconhecer seu material, que fora encontrado e apreendido durante a investigação de dois suspeitos no envolvimento do roubo de sua casa. Em meio a dezenas de celulares e uma pistola calibre 38, foram encontrados os HDs onde estariam contidos mais de 12 anos de trabalho do artista, segundo informa matéria da versão online do jornal Folha de São Paulo, que pode ser conferida aqui.

Uma vez que ainda não conseguiu acessar os arquivos pelos meios tradicionais, Laerte está agora procurando algum funcionário ligado ao setor de informática para saber se os arquivos foram corrompidos ou não e se eles estão com toda sua integridade de conteúdo. A comunidade dos quadrinistas e admiradores da arte sequencial fez uma movimentação impressionante em prol da captura dos ladrões e da recuperação do material roubado, e agora ficamos na expectativa de que tudo esteja em condições boas e com esperança de que este grande nome da nona arte brasileira possa ter seu trabalho de volta em mãos, conforme deveria sempre estar. Gostaríamos também, aqui, deixar de um agradecimento sincero a todos os que se mobilizaram e denunciaram o crime, pois enquanto não fizermos nada, não há como esperar mudanças. É preciso lutar para preservar o que produzimos e ainda mais para ir além. Obrigado a todos e qualquer outra novidade sobre o caso, anunciarei aqui no blog.

2 comentários:

Victor Lucas disse...

Olha eu aqui de novo ^^ Gostei do post e dessa imagem no final do blog também U.U

http://therevolucaonerd.blogspot.com.br/
Visita?

João Ferreira disse...

Como disse em outro comentário, conheço pouco dos autores nacionais. Mas Laerte está entre eles! hehehe Curto muito as tiras dele. Já li bastante "Striptiras" e "Piratas do Tietê". Sobre a história menciona... que coisa... rsrs