sexta-feira, 29 de junho de 2012

Tá na Hora do Combo!

Por Gabriel Guimarães


Em cerca de sete anos de existência, entre 1998 e 2005, os "Combo Rangers", personagens criados pelo paulista Fábio Yabu, hoje integrante da equipe de redatores dos sites Omelete e Jovem Nerd, que são referências sobre notícias da indústria do entretenimento mundial, obtiveram grande sucesso junto ao público e à crítica, alcançando o título de uma das primeiras grandes obras dos quadrinhos brasileiros cuja origem se deu no universo eletrônico. Composto por um grupo de cinco crianças, escolhidas por um antigo herói brasileiro que perdera grande parte de seus poderes, chamado pelo nome de Poderoso Combo, as histórias em quadrinhos desenvolvidas por Yabu acompanharam o crescimento e amadurescimento de cada um dos personagens, apresentando as nuances que a cultura popular assumia ao longo dos anos, sendo intensamente influenciado pelos mangás e animês de maior sucesso da época.

Cena de uma das primeiras histórias dos "Combo Rangers"
Publicados em três fases, enquanto quadrinho digital, e tendo uma minissérie e duas séries no formato impresso, os Combo Rangers se tornaram um dos grandes símbolos do potencial criativo brasileiro e Fábio Yabu se mostrou um verdadeiro visionário, no que tange ao uso da rede como forma de estímulo à leitura e ao reconhecimento de novos autores fora das mídias tradicionais. Com destaque para a sensibilidade com que Yabu tratou de questões do universo infanto-juvenil, desde o romance aos problemas de relacionamentos entre pais e filhos, os personagens se tornaram fáceis de se identificar. Os membros oficiais da equipe, Fox, Tati, Ken, Kiko, Luke e Lisa, além dos muitos personagens coadjuvantes, como Maya, Dr. Cooper, Fabi, Pum, Garota Arco-Íris, Homem-Reflexo, Pacificador, entre tantos outros, formaram o que ficou conhecido como Yabuverso em consideração ao seu criador, e a cultura ao redor deles se desenvolveu de forma natural, atraindo muitos leitores no desenrolar de suas aventuras. Há um blog, chamado "Comboverso", que é interessante de ser conferido para se conhecer um pouco mais desses personagens. Ele pode ser conferido aqui.

Primeira revista impressa dos
personagens de Yabu, lançada em 2000
Começando ainda na infância, para quem teve oportunidade de ler as séries originais "Combo Rangers" e "Combo Ranger Zero", apresentadas num esquema simples de 2D com alguns efeitos em Adobe Flash para animar alguma imagem específica, é notável perceber como os personagens cresceram, praticamente num ritmo similar ao de seus leitores, se tornando adolescentes em geral desenhados num estilo mangá mas com grande influência do gênero brasileiro em si, gerando um material consideravelmente novo e de grandes atrativos para o olho observador do público. Com o sucesso de sua última saga online, "Combo Rangers Revolution", que terminou de forma inacabada, os personagens alcançaram a possibilidade que muitos dos protagonistas das redes hoje almejam, de serem publicados por uma editora em formato tradicional como os grandes quadrinhos que os influenciaram. A editora JBC acreditou no potencial de Yabu e lançou primeiramente uma minissérie em 3 edições apresentando os personagens de forma mais infanto-juvenil, em 2000. Após um ano, a editora optou por uma série mensal dos personagens no tradicional "formatinho", clássico na publicação de quadrinhos no Brasil, que teve duração de 12 edições e contou com histórias altamente tocantes, como a edição 8, em que Yabu faz um panorama do rumo dos quadrinhos norte-americanos com relação às motivações de seus personagens e o que é, de fato, ser um herói. A editora lançou, em 12 de junho deste ano, um vídeo comentando sua jornada, e os Combo Rangers não poderiam ter ficado de fora, participando, dentre tantas publicações, dos personagens exibidos no vídeo, que pode ser conferido abaixo.



Linha de brinquedos com os protagonistas da série
Em 2003, entretanto, foi a editora Panini que decidiu dar uma nova chance aos heróis brasileiros de Yabu, que tiveram série mensal que durou 10 edições e uma linha de bonecos de borracha dos principais protagonistas, para promover a história. Já focado em uma nova abordagem para seu conteúdo criado meia década antes, Yabu apresentou novas facetas das origens do universo onde as histórias tomavam lugar, e os personagens adquiriram novas nuances que não eram comuns em suas versões anteriores, como questionamento sobre seus propósitos e a responsabilidade pelos seus atos a longo prazo. O título foi cancelado em 2004, contando com a promessa de que o site dos personagens permaneceria em atividade após esse término provisório, porém, em 2005, o portal que tanto entreteu leitores de quadrinhos e que representou tanto para a nova cultura dos produtores de arte sequencial para a internet saiu do ar em 2005 e não demonstra sinais de que possa voltar um dia.


Último livro publicado até o momento de Fábio Yabu, como parte
do universo de suas personagens das "Princesas do Mar"
Yabu passou a se dedicar em seu novo projeto, o livro "Princesas do Mar", que teve grande aceitação do público e rendeu duas continuações, fora um site oficial, que é atualmente hospedado pelo portal Uol e pode ser conferido aqui por quem tiver o interesse. A nova criação de Yabu conta hoje com repercussão global, sendo consumida em países que vão muito além do nosso continente, até a Índia, a Austrália, o Oriente Médio, a Suíça, a Romênia, dentre muitos outros. Com certeza, é consideravelmente inquestionável que esse grande sucesso teve origens muito antes da criação atual do paulista altamente ativo na discussão das histórias em quadrinhos e outras mídias nos portais de entretenimento hoje, no longínquo ano de 1998, quando ele nos presenteou com sua primeira grande criação que nos inspirou, tirou nosso fôlego e nos levou junto em aventuras espetaculares e cativantes.

Por todas essas razões, o blog Quadrinhos Pra Quem Gosta realizou essa merecida homenagem à grande contribuição de Yabu para o universo dos quadrinhos nacionais e desejamos um reconhecimento cada vez maior para o autor em todas as suas empreitadas. Então, para finalizar a matéria, entoamos o lema que movia a jovem equipe de heróis em prol do amor e do respeito ao ser humano em si, "Tá na hora do Combo!"

segunda-feira, 25 de junho de 2012

O Vilão que Virou Voz para a Verdade

Por Gabriel Guimarães


Verdade seja dita: Há exatamente uma semana, uma das grandes obras dos quadrinhos alcançou uma marca importante que deve ser merecidamente destacada aqui no blog. Trinta anos atrás, em meio à intermitente Guerra Fria, que assolava cada nação do planeta, principalmente Estados Unidos e a então União Soviética, e os fantasmas das duas Grandes Guerras, que se pronunciavam sobre o mundo frente à nova abordagem que o jornalismo popular dava para as questões relativas às zonas de combate militar, o roteirista britânico Alan Moore produziu uma de suas obras de maior repercussão dentro e fora da arte sequencial. Com ilustrações que destacavam os contrastes visuais e com um estilo deveras sombrio do também britânico David Lloyd, "V de Vingança" chegou às lojas de quadrinhos primeiro em forma de minissérie dentro da revista inglesa "Warrior" a partir do número 17, para então ser reunida e lançada como graphic novel pela editora norte-americana DC apenas em 1985, atingindo um público altamente abrangente de leitores, principalmente, os mais adultos e os que compreendiam melhor o contexto sócio-econômico apresentado na história.

Imagem do revolucionário extremista Guy Fawkes sendo preso
durante a "Conspiração da Pólvora", em 1605
Voltada para retratar as ações de um dos que poderia ser considerado membro do maior hall de anti-heróis da história da ficção em geral, cujo nome se resume à sua sigla de grande poder na obra, "V", e suas atividades revolucionárias contra um sistema de governo neofascista na Inglaterra da década de 1980, o personagem é influenciado diretamente pelas atividades de outro revolucionário britânico, o real Guy Fawkes, que, em 5 de novembro de 1605, tentou explodir o porão do Parlamento Britâncio, mas foi capturado antes que conseguisse concretizar seus planos. Moore e Lloyd trabalharam a partir da semente das atividades extremistas deste britânico por uma Inglaterra que não fosse comandada pelo rei Jaime I, que limitara o controle da Igreja sobre o Estado, para constituir a personalidade e recriar o cenário em que a "Conspiração da Pólvora" novamente ocorresse (foi durante os acontecimentos desta ação extremista orquestrada pelo grupo de revolucionários do qual Fawkes fazia parte, que ele foi capturado, torturado e, então, morto perante o público britânico em praça pública no dia de 31 de janeiro de 1606), dadas as medidas de adaptação e contextualização para os fins democráticos que os autores do quadrinho pretendiam destacar.

Vivazmente contada em três tomos de profunda imersão psicológica no universo dos personagens, em especial à do protagonista anárquico, à da jovem "Evey", que se vê envolvida por uma cortina de fumaça sobre as ideologias vigentes e a verdadeira noção de justiça e verdade, e do detetive encarregado pelo governo pela investigação do caso, "Edward Finch", a história apresenta temas bastante polêmicos para a época, como a perseguição e concentração em áreas isoladas daqueles considerados cidadãos "anormais" (gays, esquerdistas, intelectuais que representavam ameaça às decisões do Estado, dentre outros) para depois realizarem experimentos e tortura em cada um deles por parte do governo, o que provocou grande choque nos leitores do material e serviu de crítica aberta às atividades nos campos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

Capa da edição da revista "Cult"
com referência à história de Moore e Lloyd
Vendo que a humanidade em pouco havia melhorado em termos de estrutura política após tanto sangue derramado em guerras, Moore travou uma batalha contra os regimes que ocorriam em vários pontos do mundo naquela época através das suas palavras escritas e do maior símbolo da história, desenvolvido por Lloyd para representar a personalidade do personagem protagonista criado pelos dois, sua misteriosa e particularmente teatralizada máscara, cujo sorriso maquiavélico hoje é capaz de ser encontrado facilmente em qualquer local do mundo, desde muros da rua até movimentos de revolta contra a totalitariedade da posse sobre os direitos dos arquivos digitais, como é exemplificado na capa da edição 169 da revista brasileira "Cult", que explica um pouco das intenções de grupos de ativistas como o "Anonymous", que assimilou a faceta do protagonista desta história em quadrinhos para usar como sua referência de identificação visual, e sua batalha travada principalmente através da rede.

Virtudes tendo sido postas de lado, a máscara do vigilante de Moore e Lloyd se tornou elemento-chave da cultura pop atual e dos movimentos sociais ao redor do globo. Das páginas da história em quadrinhos, foi feito um filme, em 2006, contando com grandes estrelas do mundo hollywoodiano, como Hugo Weaving e Natalie Portman, esta num de seus papéis de maior destaque e qualidade na sua vasta e reconhecida carreira como atriz. O filme conquistou o público, que ficou admirado pela obra e a repercussão beirou o inimaginável para a época da produção do material original. Mesmo este tendo sido um dos últimos trabalhos feitos por Moore para a editora DC, com quem teve sérias desavenças ao longo da década de 1980 e nos anos sequentes, a história cativa e captura o leitor, prendendo-o numa rede de suspense e drama político de enorme profundidade no cenário das perspectivas reais para a sociedade e seus produtos culturais.

Vigilante ou vilão, "V" marcou seu nome não apenas nas páginas das revistas onde foi publicado ou nas editoras por onde passou antes de chegar às mãos dos ávidos leitores, mas também na história dos quadrinhos como meio de comunicação em si, e no nosso presente e futuro próximo dentro do campo da política social, principalmente no que tange aos interesses de domínio sobre a propriedade intelectual nas redes virtuais. Certamente, não ouvimos ainda as últimas palavras de "V", cuja essência ainda é mordaz e viva, mas é possível imaginá-lo admirando as possibilidades de seu porvir, nas palavras que um dia foram do imperador do Império Romano e general e cônsul romano Caio Júlio César, porém adapatadas para um questionamento pessoal, "Veni, Vidi... Vici?"