sábado, 10 de março de 2012

Jean Giraud e a Lenda de Moebius

Por Gabriel Guimarães


Em 1954, ao ingressar para a École des Arts Apliqués, em Paris, o ainda jovem Jean Giraud iniciou sua trajetória rumo a uma vida marcada pelo extraordinário. Fosse pelas estruturas colossais e detalhadamente compostas, os excêntricos personagens, as tramas megalomaníacas ou mesmo a premiada e internacionalmente reconhecida carreira, Giraud marcou seu nome na história da arte sequencial, entretanto, não é pelo nome que constava em sua carteira de identidade que o público mais conheceu seu trabalho. Sob o pseudônimo de Moebius, os trabalhos experimentais de ficção científica de Giraud conquistou o mundo, e arrebatou o mundo dos quadrinhos em um turbilhão de cores e movimentos inovadores.

Quadrinho de uma das histórias do "Sargento Blueberry",
publicado em 1970
Publicando pela primeira vez em um períodico na revista "Far West", na história entitulada "Frank et Jeremie", em 1956, Giraud, ainda com 18 anos de idade, entrou no mercado de banda desenhada de forma desconhecida. Foi apenas a partir de 1963, desenhando os roteiros de Jean-Michel Charlier para um personagem que viria a se tornar referência no estudo de evolução de personagens, o "Tenente Blueberry", que foi publicado até os anos 1980 pela dupla e, posteriormente, sob a autoria única de Giraud até 2005, que o artista francês começou a chamar a atenção dos holofotes. Aproveitando da atenção sobre seu trabalho, lança, em 1973, sua primeira fábula de ficção científica e fantasia, "O Desvio". Nos anos seguintes, começa a lançar uma série de histórias que começam a montar a estrutura na qual sua carreira foi se fortalecendo, com "O Homem é Bom?", em 1974, e "O Pesadelo Branco", em 1975.

Cena de uma das histórias de Moebius,
onde o grande destaque fica por conta do visual
industrial e altamente avançado da metrópole
Em 1976, porém, é que o pseudônimo de Giraud começa a ser citado ao redor do mundo todo, com sua história "Arzach", publicada mediante pedido da revista "Metal Hurlant". Publicado recentemente de forma extremamente bela pela editora Nemo aqui no Brasil, o material expôs uma qualidade de traço inigualável para os quadrinhos da época, o que levou a revista a pedir novo material para o artista, encontrado em "Le Garage Hermétique". Moebius, então, começa a apresentar um ritmo de produção impressionante, realizando ilustrações para pôsteres e cartazes publicitários, além de prestar serviço ao amigo roteirista de quadrinhos e produtor cinematográfico Alejandro Jodorowsky, desenhando conceitos visuais para o projeto de adaptação que Jodorowsky tinha, de levar o conto "Duna", escrito em 1965 pelo escritor Frank Herbert, para a sétima arte. Apesar de esse trabalho não ter se concretizado, sendo apenas produzido em 1984 pelo diretor David Lynch, Moebius colaborou com a concepção visual de diversas obras cinematográficas, como "Alien", em 1979, "TRON", em 1982, "O Segredo do Abismo", em 1989, "O Quinto Elemento", em 1997, entre muitos outros.

Cena de "O Quinto Elemento", em que é bastante clara
a influência do estilo de Moebius
Com seus cenários futurísticos e repletos de elementos de fantasia e ciência, e seus personagens, em geral, marcados pelo ceticismo e cansados do fardo de viverem em uma sociedade cuja essência é corrupta, Moebius criou obras de grande qualidade visual e narrativa, como a série "Incal", onde conta as histórias do detetive particular atrapalhado John Difool em sua desventura ao redor de um mundo de moral nebulosa e personalidade questionável pela segurança de um artefato transcendental de poderio inimaginável.



Ilustração de Escher, cujo estilo detalhado
se assemelha ao de Moebius
Moebius se tornou sinônimo de um trabalho minuciosamente detalhado e construtivamente desafiador. Com elementos visuais que parecem remeter à qualidade impressionante do trabalho do artista gráfico holandês Maurits Cornelis Escher, referência na arquitetura paradoxa, o trabalho deste quadrinista francês jamais será esquecido por seu valor para a arte sequencial. O site americano Paleofuture publicou, recentemente, um pequenos documentário sobre a carreira deste grande artista, produzido pela rede BBC, que vale a pena ser conferido, ainda que esteja apenas em inglês. A quem interessar, a matéria em questão pode ser conferida aqui.

Hoje, porém, o mundo perdeu um pouco de seu brilho artístico, quando foi noticiado nos veículos de comunicação internacional que Jean Giraud falecera, aos 73 anos de idade, em consequência de uma luta contra um câncer, segundo relatou o editor do artista, em nota da editora Dargaud, conforme informou o portal Reuters de notícias para o Brasil. Tendo sido um dos grandes nomes da indústria dos quadrinhos em que a já mencionado editora Nemo investiu para conquistar o público leitor da nona arte, Moebius deve continuar em evidência no mercado editorial brasileiro, dando, assim, a oportunidade ao público de acompanhar a carreira célebre de um dos grandes artistas a marcar seu nome na história do gênero. É com um pesar que essa matéria se consolida, nas lágrimas de um meio que perdeu um de seus grandes provedores de qualidade. Conforme o estudioso dos quadrinhos brasileiro, Carlos Patati, ressaltou, no começo do ano, em seu curso ministrado no Centro Cultural da Caixa Econômica, no Centro do Rio de Janeiro (que pode ser conferido aqui, aqui, aqui e aqui), a qualidade de Moebius é algo único, e a densidade de seu trabalho enquanto forma de narrativa um exemplo de como esse recurso pode ser trabalhado. Os pesquisadores Goida e André Kleinert, na última e um pouco carente edição da "Enciclópédia dos Quadrinhos", também destacam a carreira deste profissional como algo que merece ser relevado pela sua importância e alta produtividade, e o professor e referência do estudo de quadrinhos no Brasil, Álvaro de Moya, em seu livro "Vapt-Vupt", aponta a mistura entre a fantasia e realidade, a mística e o delírio nas obras deste grande artista francês, e o quanto elas são ferramentas importantes para a compreensão do potencial das histórias em quadrinhos enquanto recurso expressivo.

Os dois volumes publicados pela editora Nemo, que trouxe
o grande mestre dos quadrinhos franceses de novo para a frente
dos holofotes no mercado editorial brasileiro
Portanto, o papel desempenhado por Giraud, e posteriormente por Moebius, é de suma importância para a história dos quadrinhos como meio de comunicação, e seu trabalho jamais poderá ser ignorado enquanto instrumento de composição ficcional e de potencial representativo do meio. Os quadrinhos perdem mais um de seus grandes pilares, e nos resta absorver o que pudermos das obras deixadas por esse mestre para que possamos dar continuidade à sua jornada de valorização devida para a arte sequencial.

4 comentários:

Venerável Victor disse...

Muito bom o texto. Esse ano não está sendo fácil para ninguém e junto com isso, os fãs da arte sequencial, agora se foi um mestre, salve, salve, MOEBIUS!!!!

Unknown disse...

Ele marcou sua história e nos deixou um grande exemplo... A vida é uma estrela que resplandece no horizonte, no limite de dois mundos, entre a noite e a aurora. Quão pouco sabemos o que somos! Ainda menos saberemos o que vamos ser.

Júnior Nascimento

luiz_modesto disse...

Moebius simplesmente se cansou de nosso mundo e foi em busca de seus personagens e amigos em um mundo extraordinário...

João Ferreira disse...

Tudo que sei de Moebius (muito pouco) foi o que consegui absorver das aulas do Patati naquele curso que frequentamos. Achei interessante saber que ele ajudou na concepção dos filmes Alien, Tron, Quinto Elemento e Segredo do Abismo. Todos clássicos que gosto muito! Sobre as HQ's, a única com a qual já entrei em contato é a Arzach mesmo (embora não a tenha lido ainda)